18/09/2013 - 11:02

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‘Supremo deve julgar nula Lei de Anistia’, diz juiz de corte internacional

18/09/2013 - 11:02

‘Supremo deve julgar nula Lei de Anistia’, diz juiz de corte internacional

O Supremo Tribunal Federal deverá rever a Lei de Anistia e julgá-la nula, por inconvencionalidade, ou seja, por sua incompatibilidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. É no que acredita o advogado brasileiro e juiz efetivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos Roberto Caldas, que tomou posse este ano para um mandato até 2018, depois de atuar como juiz ad hoc na ação movida pelas famílias de vítimas na Guerrilha do Araguaia, na qual o Estado brasileiro foi condenado.
 
Nesta entrevista, ele analisa a probabilidade de revisão num futuro julgamento, se não na apreciação dos embargos apresentados pela OAB contra a decisão que abrigou na lei os agentes públicos acusados de crimes de tortura durante a ditadura militar.
 
Patrícia Nolasco - A Corte Interamericana de Direitos Humanos deverá realizar uma sessão no Brasil em novembro, como adiantou o senhor recentemente, em visita à OAB/RJ. Qual a pauta e o propósito de reunir o tribunal aqui?
 
Roberto Caldas – Será uma sessão de julgamento como outra qualquer, com a diferença de que não discutiremos nenhum caso em que o Brasil seja parte. A Corte normalmente realiza duas sessões por ano fora de sua sede, localizada em San José, na Costa Rica. O propósito de promover essa reunião aqui é justamente aproximá-la do Brasil. Infelizmente, ainda há pouco conhecimento sobre o seu trabalho no nosso país. Precisamos criar canais de diálogo jurisprudencial e incentivar a utilização das normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
 
O que o senhor pensa sobre a possibilidade de a Lei de Anistia ser revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?
 
A decisão do Supremo [de 29 de abril de 2010, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, da OAB Federal] refere-se à compatibilidade da Lei de Anistia com a Constituição. O STF tem a última palavra sobre o controle de constitucionalidade, mas não em relação ao controle de convencionalidade, ou seja, à análise de compatibilidade entre a Lei de Anistia e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Essa análise é papel não apenas dos tribunais internos, mas também da Corte Interamericana que, neste ponto, é a intérprete última e definitiva. A Corte, por sua vez, posteriormente ao Supremo, decidiu que a Lei de Anistia, no tocante ao perdão de crimes que violam normas jus cogens [imperativas do Direito Internacional], é nula de pleno direito por ser incompatível com a convenção. Após a decisão da corte, o STF não voltou a analisar o tema. A composição do tribunal sofreu alterações de 2010 para cá, com a entrada de quatro ministros. Uma mudança de interpretação é possível, além de desejável, pois as decisões dos supremos tribunais nacionais e da Corte Interamericana devem sempre ser uniformes no que diz respeito à interpretação da convenção. Recentemente, o presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, previu esta modificação, de modo que o Brasil não continue a incorrer em violações às normas do Sistema Interamericano.
 
Após a decisão de 2010 do Supremo, a Corte Interamericana julgou o caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) e condenou o Estado brasileiro a investigar os fatos, julgar e punir os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas. Os dois tribunais seguiram linhas diferentes. Em casos concretos, de famílias de vítimas em busca de justiça, o que deve prevalecer?
 
Não há dúvidas de que a sentença da Corte Interamericana é obrigatória. O Brasil, ao reconhecer sua competência contenciosa, assumiu o compromisso internacional de cumprir as decisões desse tribunal, as quais são definitivas e inapeláveis. Uma vez que a ratificação da convenção e o reconhecimento da competência da Corte decorrem de um ato de vontade soberana do Estado, que é livre para aderir ou não a esses instrumentos, não é possível falar em afronta à soberania nacional em razão da obrigatoriedade do cumprimento da sentença do caso Araguaia. O Brasil não pode alegar motivos de âmbito interno para descumprir um compromisso internacional. Nesse sentido, a Convenção Americana equivale a uma Constituição supranacional em matéria de direitos humanos. As obrigações convencionais dos estados-partes vinculam todos os seus poderes e órgãos, que devem garantir a observância da convenção no plano interno.
 
Caso o STF não reveja a Lei de Anistia, o Brasil pode ser punido por não cumprir a sentença da Corte? Como?
 
Não acredito nesta hipótese. Se não na ADPF 153, já em grau de embargos de declaração e as restrições processuais próprias, em um futuro julgamento em que analise a Lei de Anistia já levando em conta a Convenção Americana conforme interpretada pela decisão da Corte Interamericana no caso Guerrilha do Araguaia, o Supremo deve rever seu entendimento e julgar nula a Lei de Anistia por inconvencionalidade. Falando em tese, a convenção prevê sanção no caso de descumprimento das decisões da Corte Interamericana. Em seu artigo 65, é prevista a possibilidade de o presidente da Corte indicar à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) os países que não tenham cumprido as sentenças. Para as relações internacionais, trata-se de uma sanção dura, que tem o poder de embaraço (power of embarass), que implica significativo desgaste político para o Estado, porquanto afeta suas credenciais de país comprometido com os direitos humanos e com a democracia perante a comunidade internacional.
 
A morte, na prisão, do jornalista Vladimir Herzog, outro caso emblemático de violação de direitos humanos na ditadura, poderá pôr novamente o Estado brasileiro sob julgamento pela Corte?
 
Não posso antecipar qualquer juízo a respeito desse caso. Contudo, posso afirmar que o caso do Vladimir Herzog já está tramitando na Comissão Interamericana, com sede em Washington, instância anterior à Corte. Um desdobramento recente foi a determinação de emissão de novo atestado de óbito, que declara que Herzog morreu por lesões e maus-tratos sofridos nas dependências do DOI-Codi. A questão pode ser resolvida perante a Comissão por reconhecimento do Estado, sem a necessidade de o caso chegar à Corte Interamericana.
 
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