03/08/2018 - 21:05

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‘Resultado insatisfatório da Rio+20 não surpreendeu’

03/08/2018 - 21:05

‘Resultado insatisfatório da Rio+20 não surpreendeu’

Entrevistado: Flávio Ahmed
 
‘Resultado insatisfatório da Rio+20 não surpreendeu’
Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ, Flávio Ahmed diz que os avanços jurídicos não foram significativos, mas elogia “contraponto crítico” feito pela Cúpula dos Povos
 
 MARCELO MOUTINHO
 
Que balanço o senhor faz da Rio+20 e da Cúpula dos Povos? Os resultados foram satisfatórios?
 
Flávio Ahmed - No âmbito da proteção em nível internacional, de um novo paradigma de crescimento, com base em critérios de sustentabilidade, pautado por práticas sociais inclusivas, por premissas que considerem não o lucro, mas o social, os resultados jurídicos não foram nada satisfatórios. A declaração O futuro que queremos não traz um conteúdo obrigatório e que signifique maior proteção. A grave crise mundial já trazia a certeza da dificuldade de avanços jurídicos significativos. Como os prognósticos eram pessimistas, o resultado não surpreendeu. Por outro lado, a conferência representou a oportunidade de amplo debate, proporcionando à cidadania o acesso a temas antes confinados a determinados setores, e aí a Cúpula dos Povos teve papel fundamental, a partir de um contraponto crítico, deslocando a discussão ambiental para além da proteção do meio ambiente natural (fauna e flora), focando na questão dos direitos humanos.
 
No campo jurídico houve algum avanço em relação à Rio 92?

Flávio Ahmed - Não. Em 1992 foram, produzidos tratados (clima, biodiversidade) que obrigam os países signatários e foram internalizados em vários países, o que não ocorreu agora. Mesmo a Declaração do Rio (documento jurídico formalmente similar ao assinado na Rio+20) tinha conteúdo muito mais ambicioso. Ocorre que 20 anos se passaram sem que implantássemos aqueles objetivos consignados nos tratados. Por outro lado, a importância a ser valorizada consiste na consciência social desencadeada, porque de nada adianta produzirmos leis se não as tornamos efetivas do ponto de vista da internalização, pelos indivíduos, das condutas nelas descritas.  

Independentemente do consenso que não houve sobre metas, prazos e definição de recursos para um fundo de investimento a ser utilizado na ajuda a países pobres e emergentes, o que o Brasil poderia e deveria fazer para avançar nas políticas públicas ambientais?

Flávio Ahmed - Eis o grande desafio. O Brasil é uma potência ambiental. Possuímos minério, reservas de petróleo, uma matriz energética limpa, que pode ser ainda aprimorada através da energia eólica e solar. E vamos aprimorando nossas leis cada dia mais, como, por exemplo, com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O Brasil tem também uma das maiores biodiversidades do planeta; água em abundância. O que o Brasil deve fazer por intermédio do Poder Público, com a colaboração da comunidade, é preservar esse acervo riquíssimo para produzir riqueza e qualidade de vida, dar efetividade às políticas públicas (recursos hídricos, resíduos sólidos, clima, unidades de conservação, gerenciamento costeiro, mobilidade urbana) consolidadas em lei. Difundir o que vem nelas traçado é essencial para que o cidadão brasileiro exija sua plena implantação, já que “o meio ambiente não é o que legamos para as gerações futuras, mas o que delas tomamos emprestado”.
 
O gasto público com a Rio+20 teria chegado à casa dos U$ 250 milhões. O senhor acha que valeu a pena, tendo em vista o enorme passivo ambiental brasileiro que poderia se beneficiar da aplicação desses recursos?

Flávio Ahmed - Independentemente da minha opinião, a questão aí reside em um outro ponto: a total ausência de debate com a população sobre a conveniência do investimento. Aí reside a crítica, considerando os tímidos resultados. Mas destaco um lado positivo: a mobilização social. Cerca de 700 eventos oficiais e aproximados cinco mil eventos paralelos foramrealizados, o que representou também um teste para a cidade, e resultou em geração de renda. O que aqui teve lugar consistiu em uma reunião de povos, etnias, em que foram aprofundados de forma única os desafios da realização dos direitos ao ambiente como direito humano fundamental. É um fato a ser contraposto.
E a partir de agora, como o Judiciário e a OAB podem atuar efetivamente em defesa da preservação e do desenvolvimento sustentável?

Flávio Ahmed - A Rio+20 foi uma oportunidade enorme também para discutirmos com a sociedade temas que vinham se aprofundando na Seccional. A OAB/RJ participou de vários eventos. E o que devemos destacar: não apenas foi para a Cúpula dos Povos, mas trouxe a Cúpula para dentro da entidade, com dois dias de intensos debates com juristas de vários países, discutindo temas relacionados ao Direito Ambiental como direito humano fundamental, por intermédio de uma agenda propositiva. Portanto, o aprimoramento da discussão social aqui se consolidou para que o pacto ambiental seja produto de uma construção coletiva, com o envolvimento dos agentes sociais. Esta é a missão. Verificamos a necessidade de mobilização social para que se alcance, por meio de acordos, mediação, o envolvimento da população e da cadeia produtiva no cumprimento da lei ambiental, já que, assim, estaremos contribuindo para uma sustentabilidade efetiva, e não meramente formal.
 

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