03/08/2018 - 21:04

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Por uma advocacia sustentável

03/08/2018 - 21:04

Por uma advocacia sustentável

GUSTAVO ALBUQUERQUE*
 
Após a concordância dos responsáveis pelo departamento jurídico do banco, colocamos em prática o projeto. Dividimos os casos – todos, processos nos quais o banco sabia que tinha falhado na prestação de seus serviços – em dois grupos. No primeiro, atuamos da forma costumeira, negando as falhas e aduzindo antigas teses; no segundo, admitimos o erro cometido. De forma peremptória e sem maiores delongas, discutindo apenas a existência e a extensão do dano moral mencionado pela parte autora.

Segundo divulga o site do tribunal fluminense, apenas em 2011, as 30 empresas com mais demandas no estado foram responsáveis por inimagináveis 380 mil processos judiciais, tramitando em varas cíveis e juizados especiais. O problema é complexo porque, com tamanha quantidade de casos, é evidente que a prestação dos serviços jurídicos à população fica comprometida. Não há juízes e serventuários que possam julgar e lidar detida e seguramente com essa enxurrada de processos que entope as prateleiras dos cartórios judiciais.
 
São louváveis os esforços da direção do tribunal e dos departamentos jurídicos e escritórios das companhias envolvidas (em sua maioria bancos, concessionárias de serviços públicos e empresas de varejo), que, por meio de ações estratégicas e de boa gestão, conseguem mitigar os efeitos nocivos de tal descalabro no número de ações, dando celeridade aos julgamentos e fazendo com que a justiça do Rio de Janeiro seja considerada uma das mais eficientes do país.
 
Mas quando se analisa o aumento exponencial de novos casos, chega-se à inevitável conclusão de que só com gestão e ações coordenadas não tiraremos do país a pecha – de amplo domínio de investidores estrangeiros que operam no Brasil – de que somos uma enorme nação litigante e de que lidamos de forma passiva com a indústria de processos por danos morais que assola nosso Judiciário diretamente, e que, indiretamente, transfere o prejuízo financeiro de milhares de condenações aos preços finais praticados pelas grandes companhias, fazendo, de forma bastante perceptível, com que todos percamos.
 
Desta forma, enquanto competentemente enxugamos o gelo, esquecemo-nos de que se há alternativa capaz de diminuir demandas e aumentar a credibilidade da Justiça, essa passa necessariamente pela revisão da atividade da advocacia. Quem opera na área sabe que nunca há meio termo. As ‘verdades’ absolutas tomam de assalto – indiscriminadamente – pedidos e justificativas de autores e réus. Os acordos, quando ocorrem, são provocados muito mais pelo receio de severas sentenças do que pela admissão explícita de falha na prestação dos serviços e, muitas das vezes, são feitos de forma açodada, sem criteriosa análise sobre a boa aplicação do Direito.
 
Precisamos de atuação mais inteligente, que dê sustentabilidade às razões dos advogados que passam dias inteiros redigindo defesas e comparecendo às salas de audiência.
 
Precisamos que surja uma nova advocacia, uma advocacia que não esteja preparada apenas para o litígio, mas que saiba administrar os fatos de forma clara e concisa, embebida no conceito de que o erro é parte integrante da atividade humana e que, como tal, pode e deve ser admitido sem que isso gere perda de credibilidade dos envolvidos.
 
Existe ação a ser tomada pela comunidade jurídica. E ela passa pela revisão conceitual sobre a forma de encarar um processo judicial. A adoção de política sustentável deve se iniciar pela admissão dos erros que forem cometidos nas relações empresa x cliente, para que possa passar pelo aumento de credibilidade institucional e redundar num ambiente em que as empresas que realmente se preocupam com as relações com seus consumidores se sobressaiam às demais.
 
O resultado do projeto agradou a todos: banco e advogados. O valor médio das decisões do grupo de processos no qual atuamos reconhecendo as falhas foi levemente inferior ao do outro grupo. Mas admitiríamos cenário pior. Porque sustentabilidade não se consome, se pratica.
 
Em verdade, percebemos que nosso maior ganho foi outro: passamos a ser ouvidos com mais apuro nas situações em que negávamos as falhas, o que, indiretamente, contribuiu para melhores resultados. E melhores resultados é o que queremos. Sempre.
 
* Advogado e consultor, especializado em Direito do Consumidor
 

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