11/07/2017 - 13:14

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Florestas sofrem prejuízos com lentidão da Justiça

11/07/2017 - 13:14

Florestas sofrem prejuízos com lentidão da Justiça

Após cinco anos de vigência, Código Florestal ainda aguarda decisões do STF para fazer valer todos os seus preceitos
 
RENATA LOBACK
Celebrado em 5 de junho, o Dia Mundial do Meio Ambiente foi marcado pela defesa da efetividade das leis ambientais. Na OAB/RJ, a data inspirou um momento de reflexão, por parte da comissão permanente que trata do tema, sobre os atrasos nas políticas públicas de proteção ambiental, em especial a demora na aplicação de trechos do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), que completou cinco anos de vigência no final de maio ainda com pendências a serem pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Polêmico desde antes de sua aprovação, o código, que inicialmente não era aceito pelas entidades ambientalistas por revogar dispositivos importantes da Lei 4.771/65, é hoje o símbolo do quão prejudicial pode ser um impasse jurídico: mesmo sem ser a legislação ideal, pior é ficar sem sua aplicabilidade.

Ao todo, o código contém 40 pontos contestados por entidades ligadas ao Direito Ambiental e pelo Ministério Público Federal, fracionados em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF. Após audiência pública realizada no Supremo em abril de 2016, o ministro Luiz Fux, relator das quatro ações, afirmou estar pronto para divulgar sua decisão. No entanto, com as demandas ligadas à Operação Lava-jato e similares, os demais julgamentos da corte foram postergados.

Para o assessor técnico da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus, o maior objetivo da lei foi garantir segurança jurídica ao setor, algo que ainda não foi conquistado por conta da demora no julgamento das Adins. “Fica a sensação de que ganhou, mas não levou. Discordo de algumas ONGs que afirmam que o novo código é brando. Ainda temos uma legislação severa e repleta de restrições, como não se vê nos demais países. Mas para o agronegócio a maior urgência é que se coloque um ponto final na questão”, ressalta.

Antes da sanção pela então presidente Dilma Rousseff, a OAB/RJ foi a única seccional da Ordem a se opor à nova legislação. Para a casa, o projeto apresenta uma inconstitucionalidade estrutural, tema de estudo jurídico entregue, na época, à então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Responsável por coordenar o estudo, o presidente da Comissão Permanente de Direito Ambiental da Seccional, Flávio Ahmed, afirma que as demandas propostas ao STF têm fundamentos robustos, notadamente no que se refere à proteção das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e das reservas legais. “O que nos preocupa é o tempo para a pacificação dessas questões e as consequências da insegurança jurídica”, salienta Ahmed.

A Lei de 1965 definiu os percentuais de Reserva Legal e localização das APPs, limitando o uso que o produtor poderia fazer da terra. O antigo código previa áreas de Reserva Legal ocupando entre 20% e 80% das propriedades e preservava as matas nas margens de rios. O novo código flexibiliza essas regras, especialmente para os pequenos produtores. Ponto contestado pelos ambientalistas, mas para o governo e para o setor produtivo algo que representa regras mais realistas, já que, desde 1965, apenas 20% dos agricultores conseguiram cumprir o previsto na lei anterior.

Para Rodrigo Justus, caso o STF decida pela retomada do código anterior nesses aspetos, o país irá quebrar: “A CNA se posiciona no sentido de que a Lei 12.651/2012 deve ser mantida. O novo código não representa um retrocesso. A nova legislação traz regras de transição para adequar, equilibrar e manter as reservas legais e as APPs. Quebraríamos todo o setor agropecuário brasileiro e levaríamos o país junto”.

Diretor de Administração e Finanças do Serviço Florestal Brasileiro, Samir Jorge Murad defende o arcabouço legislativo ambiental brasileiro, considerado referência mundial, e afirma que, apesar de polêmico, o código também trouxe avanços significativos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que possibilita o planejamento ambiental e econômico do uso e ocupação do imóvel rural, importante para a regularização fundiária, o Programa de Regularização Ambiental (PRA), pelo qual os proprietários ganham facilidades e tempo para recomposição de áreas de reserva legal e de preservação permanente, e as Cotas de Reserva Ambiental (CRA), que criam um mercado para a comercialização de compensação de reserva legal, protegendo excedentes que normalmente seriam derrubados.

“O nosso grande desafio ainda é a efetiva implementação das leis acompanhada de uma fiscalização eficiente por parte dos órgãos ambientais carentes de recursos técnicos e humanos. Seja qual for a decisão do STF, que ela venha logo, a fim de dirimir qualquer dúvida e acabar com a insegurança jurídica sobre a matéria”, afirma Murad.

Essa insegurança leva a diferentes interpretações por parte do Judiciário. Pouco antes da aprovação do novo Código Florestal, o Ministério Público conseguiu a assinatura de termos de compromisso de 90% dos produtores rurais brasileiros para a recuperação de reservas legais e APPs, pelos termos da legislação de 1965. Com o advento da nova lei e a flexibilização dessas regras, muitos produtores começaram a seguir o determinado pelo atual código. Movimento que levou os promotores a contestarem caso a caso na Justiça. Em São Paulo, por exemplo, os juízes de primeira instância deram ganho de causa ao MP, mas o Tribunal de Justiça reformulou as decisões aplicando a lei vigente. Em Minas Gerais, ocorreu o mesmo, mas a corte afirma que o novo código é inconstitucional e determina a regularização com base na lei anterior. Caso as Adins já tivessem sido julgadas, todos seriam obrigados a seguir um entendimento comum.

Mesmo sem a questão estar pacificada, Rodrigo Justus, Samir Murad e Flávio Ahmed consideram absurdas as decisões que desconsiderem a Lei de 2012. “O Código Florestal de 2012 está em pleno vigor. As ações de inconstitucionalidade sequer foram votadas. Desconsiderar uma lei representa atentar contra a segurança jurídica e, ao mesmo tempo, ofender a isonomia. Essas condutas, no meu entender, atacam o Estado democrático de Direito”, destaca o presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ.

Em descompasso com o movimento internacional de desrespeito às conquistas ambientais, capitaneado principalmente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil, segundo os especialistas, não vive um quadro de ameaças. Mesmo que com brechas e flexibilização, ainda contamos com um modelo legal que serve de exemplo mundialmente, avaliam.

De acordo com o representante do Serviço Florestal, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tratar expressamente do meio ambiente, tornando-o, a partir de então, um bem tutelado juridicamente. “Não se pode falar de fontes de bens como madeiras, combustíveis, alimentos e matérias-primas, não se pode falar de solo, não se pode falar de água, não se pode falar de biodiversidade, sem se falar sobre floresta. O que precisamos é dar um valor econômico para as florestas em pé, pois através de seu uso responsável haverá o combate à grilagem de terras públicas, à violência no campo e ao desmatamento. Temos muitas leis, precisamos é implementá-las”, pondera Murad.  

Flávio Ahmed concorda que, no Brasil, os valores ambientais não estão enfraquecidos. “Há uma consciência ambiental capilarizada na sociedade e um entendimento de que recursos naturais são finitos”, diz. Mas também há uma onda de conservadorismo, em que setores tentam avançar sobre importantes conquistas. “Para proteção desse patrimônio precisamos de mobilização constante”, assinala. 

Para o presidente da comissão da Seccional, além da conscientização, o tema também amadureceu com a
edição de novas normas. Mas é necessário medir até que ponto esta profusão legislativa é salutar para o meio ambiente: “Temos um imenso aparato legislativo. São normas infralegais, resoluções, portarias que, às vezes, colidem em seu conteúdo. Isso agrava o quadro de insegurança, e quem ganha é o poluidor. Na Roma Antiga, Cícero dizia que ‘excesso de direito, excesso de injustiça’, pelo que é pertinente a analogia de que, às vezes, mais leis representam menos direitos. É melhor um ordenamento jurídico coerente e plasmado na Constituição – esta sim, o grande vértice da proteção ambiental – do que uma inflação de atos normativos que, se mal redigidos, podem ser um entrave à proteção ambiental e não um instrumento para sua concretização”, pontua.

Ahmed reforça que o Código Florestal nem é um código em sua acepção técnica, já que não reúne toda a produção legislativa sobre florestas e seus componentes protegidos. “Ele é uma das várias leis ordinárias brasileiras destinadas à proteção da flora e com impacto no direito de proteção sobre os demais recursos naturais, como fauna, biodiversidade e clima. Mas temos outros ordenamentos importantes, como a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (9.985/2000), a Lei da Mata atlântica (11.428/06), a Lei da Biodiversidade (13.123/2015), além de tantos outros diplomas que, em maior ou menor grau, protegem os recursos naturais. Por certo que sem o forte aparato legal não teríamos avançado da forma como avançamos. E, embora o desmatamento continue crescendo, é certo que avançamos, porque possuímos instrumentos que nos permitem combatê-lo. Contudo, a simples existência de leis não é capaz, por si só, de gerar a proteção ambiental. Ela há de vir acompanhada de um processo de conscientização e de conhecimento para que elas sejam bem utilizadas em prol da proteção”, salienta.

Rodrigo Justus reforça o entendimento de que efetividade legislativa independe da quantidade de leis. De acordo com ele, de nada adianta um extenso arcabouço de normas se a população não as executa. “A qualidade ambiental não será resolvida pela existência de regras, mas sim pelo seu cumprimento. Senão caímos no chamado law in the book, ou seja, leis que existem apenas no papel e não pegam”, destaca.
Segundo Justus, nos demais países, quando uma legislação não é posta em prática há a revisão daquela norma. “Uma lei que não é cumprida ou é exagerada ou tem erros em sua formatação. Aqui temos regras conflitantes entre si. Nosso ambiente normativo é vasto. Precisamos de uma vez por todas entender que quando temos uma lei disfuncional, não devemos produzir mais duas, e sim consertar a existente”, conclui.
É como uma atualização que a CNA encara o código de 2012: “Essa legislação não é um retrocesso em direitos conquistados. Repito, ela ainda é severa se comparada a de outros países. Mas atualizou-se em função das novas tecnologias. No passado, era proibida a utilização das encostas para fim de produção de alimentos, porque não existia a mecanização e a tecnologia de uso de solo capazes de evitar processos erosivos. Hoje, isso já é possível”.

Apesar da polêmica, Flávio Ahmed reconhece os benefícios advindos do  novo código e admite que o rigor da legislação anterior não representou sua observância. “Nesses cinco primeiros anos de vigência, a lei já trouxe instrumentos que representam um importante avanço na nossa proteção florestal, como o Cadastro Ambiental Rural. O CAR permite um diagnóstico informacional sobre a situação florestal do país. Mapeamento importante na medida em que fornece ao poder público informações necessárias, não apenas para se exigir a recomposição florestal (nos casos em que ela não corresponde à lei), como também para evitar desmatamentos. Para a efetividade total é imprescindível o julgamento das Adins”. 

Em maio de 2016, o ministro Luiz Fux adotou o rito abreviado no trâmite das ações de inconstitucionalidade sobre o novo Código Florestal. Desta forma, o plenário do STF analisará a questão de forma definitiva, sem apreciação prévia de pedidos de liminares. Segundo declarações do ministro à época, trata-se de um caso de reconhecida relevância, “cujo desfecho envolve especial significado para a segurança jurídica dos limites legais para o desenvolvimento sustentável e produtivo de atividades típicas do legítimo exercício do direito de propriedade e da livre iniciativa”. No entanto, o Supremo ainda não tem previsão de pautar o julgamento das ações.

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