11/07/2017 - 12:43

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‘É preciso tirar o consumo de drog as da esfera da Justiça criminal’ - Ilona Szabó de Carvalho - Diretora do Instituto Igarapé

11/07/2017 - 12:43

‘É preciso tirar o consumo de drog as da esfera da Justiça criminal’ - Ilona Szabó de Carvalho - Diretora do Instituto Igarapé

Pesquisadora nas áreas de segurança pública e drogas, Ilona Szabó de Carvalho aponta equívocos dos diversos níveis de governo no enfrentamento aos crescentes níveis de homicídios e violência no país. “Ainda prevalece um entendimento de que segurança é sinônimo de mais polícia e prisões” e é preciso mudar as abordagens do problema, pontua. Diretora executiva do Instituto Igarapé e coordenadora do secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas (2011-2016), Szabó defende mudanças no tratamento da questão e avalia que a política de guerra às drogas não deu certo. “É cara, sem resultados e com consequências ainda mais dispendiosas. E só atende aos interesses econômicos do crime organizado”.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Estudos indicam que os homicídios e latrocínios cresceram no país a níveis alarmantes. Na pesquisa Instinto de Vida (Datafolha/Fórum Brasileiro de Segurança Pública), apresentada em maio, mais de um terço (35%) dos entrevistados informaram ter perdido alguém próximo em decorrência da violência. As políticas de segurança pública – em especial, no Rio de Janeiro – estão equivocadas?

Ilona Szabó de Carvalho –
Embora o Brasil tenha níveis epidêmicos de homicídios, diferentes esferas de governo ainda não enfrentaram esta questão de maneira adequada. Ainda prevalece um entendimento de que segurança é sinônimo de mais polícia e prisões. Tal abordagem claramente não tem surtido efeitos positivos. É fundamental que as três instâncias de poder entendam que têm responsabilidade por essa pauta. Precisamos de comprometimento de todos, com metas e planos que enfatizem a prevenção e tenham foco prioritário nos crimes violentos, sobretudo os homicídios. Mas, para isso, são necessárias políticas públicas baseadas em evidências e orientadas por resultados. Felizmente, já sabemos que é possível reduzir a violência letal e como fazê-lo. Além de um policiamento inteligente, são necessárias políticas públicas voltadas para a prevenção. Os homicídios são altamente concentrados em torno de lugares, comportamentos e pessoas vulneráveis à violência. É preciso que as estratégias para reduzi-los levem em consideração esses elementos. Esse é o caso de políticas sociais voltadas para bairros com altos níveis de desorganização social, por exemplo. Programas de reincidência voltados para pessoas que tiveram problemas com a Justiça também entram aí.

A campanha para redução de homicídios Instinto de Vida preparou um guia de elaboração de planos de redução de homicídios, com exemplos concretos de políticas públicas que funcionam. Além das já mencionadas, estão elencadas na publicação outras abordagens, como a regulação responsável de armas e o fortalecimento das capacidades de investigação policial e do sistema de Justiça criminal. Nos próximos meses, as organizações da campanha atuarão da seguinte forma: buscando compromissos claros de diferentes níveis de governo, com objetivos e metas para a redução de homicídios; apoiando o desenvolvimento de planos e programas para reduzir os homicídios nas áreas mais afetadas; disseminando dados e informações sobre políticas públicas e programas que funcionam; organizando mobilizações para pressionar tomadores de decisão e estimulando a empatia e a desbanalização dos homicídios.

Como reduzir a letalidade policial, que, segundo dados do Instituto de Segurança Pública, teve aumento de 96,7% em um ano, no Rio? A ideia de uma polícia comunitária que orientou a criação das UPPs naufragou?

Szabó –
Evidências indicam que é preciso fortalecer as capacidades da polícia e sua relação com as comunidades. Policiais devem ser preparados para prevenir e dissuadir comportamentos que podem levar à incorrência de crimes violentos. Parte da violência policial é explicada pela formação precária recebida por esses profissionais, assim como por seu alto grau de estresse. A falta de protocolos e treinamentos relacionados ao uso progressivo da força – com procedimentos padronizados para cada caso – leva a uma imprevisibilidade em suas ações. Iniciativas voltadas para a prevenção da violência policial seriam essenciais para reversão desses cenários. O monitoramento de policiais cujo número de disparos está acima da média é um exemplo disso.

No caso das UPPs, embora tenha havido sucesso inicial, com reduções significativas de homicídios e outros crimes, infelizmente não foi estabelecida a integração necessária do programa com ações sociais e de desenvolvimento econômico. Houve interrupção de um trabalho que estava em sua fase inicial, e sem a integração das ações – e com a adição dos fatores crise política e crise econômica – estamos voltando a observar o crescimento de índices de violência.

De acordo com a campanha Instinto de Vida, que integra o Instituto Igarapé com organizações de sete países – Brasil, Colômbia, México, Venezuela, Guatemala, Honduras e El Salvador –, a América Latina concentra apenas 8% da população mundial mas registra 38% dos homicídios, com 144 mil assassinatos por ano, quase 60 mil deles no Brasil. O que têm em comum as políticas públicas latino-americanas para apresentar índices tão negativos?

Szabó –
A violência letal é um fenômeno complexo, decorrente do acúmulo de múltiplos fatores de risco. Países e cidades latino-americanas concentram várias dessas razões. Entre elas, estão desigualdade, desemprego (especialmente entre os jovens), baixa escolaridade, urbanização rápida e irregular, acesso desregulado a armas. Há ainda razões políticas, fruto da não priorização dos diferentes níveis de governo, e de negligência com a questão. A impunidade, resultado da baixa taxa de investigação e elucidação desses crimes, se soma como um dos principais fatores. Como mencionado acima, medidas populistas e pouco efetivas ainda são prevalentes na nossa região. Precisamos de lideranças com coragem para mudar a abordagem em relação à redução da violência. 

Está em apreciação no Supremo Tribunal Federal recurso sobre a descriminalização do porte de drogas ilícitas para consumo próprio. Por que este julgamento é importante?

Szabó –
A mudança na Lei de Drogas tiraria o problema da esfera criminal para tratá-lo como uma questão de saúde. A Lei 11.343 despenalizou o porte para consumo pessoal de drogas, acabando com a pena de prisão para usuários e aumentando a pena para traficantes, mas, ao não elencar critérios objetivos de distinção entre uso e tráfico, acabou deixando policiais e juízes sem um quadro de referência claro de como classificar condutas. Além disso, a falta de critérios objetivos facilita a ocorrência de arbitrariedades. Em outros países, europeus e latino-americanos, a prática corrente é o uso de quantidades de referências, derivadas de padrões de consumo nacionais, estabelecendo quantidades abaixo das quais o porte é considerado para uso pessoal e não tráfico. Sem este tipo de mecanismo à mão, assistimos desde 2006 ao aumento considerável do encarceramento no país. 

Na sua avaliação, por que é preciso avançar no debate sobre a descriminalização das drogas e a regulação deste mercado?

Szabó –
A política de guerra às drogas não funcionou. Não é adequada para desestimular o consumo de droga e, pior, acaba funcionando como barreira ao acesso à ajuda psicossocial por parte de quem precisa. Essa política ainda contribui para sobrecarregar o sistema de segurança pública, que passa a se ocupar do usuário, e do sistema de Justiça criminal. O que funciona é a prevenção. A criminalização não atende aos interesses econômicos públicos. É uma política cara, sem resultados e com consequências ainda mais dispendiosas. Só atende aos interesses econômicos do crime organizado. O que propomos como agenda para a reforma das políticas de drogas no Brasil é tratar o uso com uma abordagem de saúde pública e de redução de danos, regulamentar o uso medicinal da cannabis; incentivar pesquisas médicas e científicas com cannabis e outras substâncias ilícitas; construir uma estratégia de comunicação e educação honestas sobre drogas para reduzir e retardar o uso e prevenir o abuso de substâncias, tirar o consumo de drogas da esfera da Justiça criminal e investir em programas para a juventude em risco e para egressos do sistema de medidas socioeducativas e prisional.

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