15/07/2015 - 15:41

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A evolução (?) da conta de desenvolvimento energético

15/07/2015 - 15:41

A evolução (?) da conta de desenvolvimento energético

GISELLA CASSARÁ DE C. S. SICILIANO E BIANCA DE MAGALHÃES DE CASTRO*
 
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) foi criada por intermédio da Lei 10.438/2002 e objetivava promover o desenvolvimento energético dos estados, a competitividade de fontes alternativas de geração, bem como a universalização do serviço de energia elétrica em todo o país.

Com a Lei 10.762/2003, possibilitou-se a utilização da CDE para subvencionar a tarifa social de energia elétrica, conservando a função precípua da Conta, qual seja, promover o desenvolvimento econômico e social de questões relacionadas ao setor elétrico brasileiro. 

Com o advento da Medida Provisória 579/2012, o setor foi submetido a uma série de mudanças direcionadas, quase que exclusivamente, à promoção da modicidade tarifária. O pacote de medidas anunciado pela presidente da República envolvia questões relativas à redução ou extinção de encargos setoriais e à antecipação da renovação de concessões de geração e transmissão de energia elétrica, vincendas a partir de 2015, em condição que se compartilhasse com os consumidores a depreciação total dos ativos destas concessões.

Com relação especificamente à CDE, fora anunciada uma redução de 75% das quotas anuais pagas pelos agentes que comercializam energia elétrica com consumidores finais (responsáveis pela maior parte de receita da Conta), com a intenção de reduzir a tarifa de energia elétrica. 

Embora não tenha sido introduzido dispositivo específico na MP 579/2012 que concretizasse a redução da CDE, conforme indicada no pacote de medidas, há menção expressa de tal objetivo em sua exposição de motivos:
“(...) com o intuito de ampliar a redução do custo da energia elétrica para os consumidores finais, são estabelecidas disposições que permitem a redução da arrecadação do encargo setorial Conta de Desenvolvimento Energético – CDE e da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC.”

Se, por um lado, uma das finalidades da MP 579/2012 era a redução dos encargos que compõem a CDE, por outro se ampliou o rol de custos abarcados pela Conta. Esta passou a prover recursos para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) do Sistema Isolado, a permitir a amortização de operações financeiras vinculadas à indenização em virtude da reversão das concessões (antes realizado através da Reserva Geral de Reversão – RGR, agora extinta) e, até mesmo, a incorporar o custeio de subsídios tarifários (previstos no Decreto 7.891/2013), os quais integravam a composição das tarifas de cada concessionária de distribuição.

A finalidade da MP 579/2012 foi mantida durante os anos de 2013 e 2014, uma vez que a Aneel fixou as quotas anuais de CDE, para os agentes de distribuição, nos montantes de R$ 0,96 bilhão e R$ 1,6 bilhão, respectivamente, de modo que representavam redução de 75% se comparadas àquela de 2012 (R$ 3,5 bilhões). 

Todavia, a redução almejada somente foi possível, pois, embora as despesas da Conta tenham aumentado em quase 600%, o Tesouro Nacional efetuou aportes, no intuito de garantir os termos sinalizados na Exposição de Motivos da MP 579/2012.

Ocorre que, em 2015, após o anúncio do Tesouro Nacional de que não mais faria o aporte previsto para a CDE, a quota anual foi fixada em aproximadamente R$ 19 bilhões, representando um aumento de mais de 1.000% em relação ao ano anterior.

Importante – e frágil – questão relaciona-se à forma de rateio da quota anual da CDE dentre os consumidores do país, dado que é utilizada uma relação, em R$/MWh, de 4,53 vezes entre as quotas dos submercados Sul/Sudeste/Centro-Oeste e as dos Submercados Norte/Nordeste.
 
A origem desta proporção remonta à extinta CCC do Sistema Interligado, mantida através da previsão pelo texto original da Lei 10.438/2002, que, ao final de sucessivas remissões a dispositivos legais, determinava a reprodução do rateio definida pelo Decreto 73.102/1973, não havendo qualquer justificativa econômica, social ou jurídica para tamanha sobrecarga nos consumidores situados nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
 
O referido rateio pode ser questionado sob os aspectos de constitucionalidade e legalidade. Sob o primeiro aspecto, da constitucionalidade, nos parece evidente que o critério de rateio de quotas da CDE, o qual onera excessivamente mais os consumidores dos submercados S/SE/CO em comparação aos consumidores dos submercados N/NE, não atende ao princípio da proporcionalidade.

Explica-se: a utilização da CDE como suporte da política tarifária nacional, a partir de alocação de quotas de maneira distorcida para os consumidores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, não é a medida menos restritiva dentre aquelas que poderiam ser utilizadas para atingir a finalidade (exame de necessidade) e não há justificativa para sua adoção (exame da proporcionalidade em sentido estrito), uma vez que a maior parte dos recursos da CDE é destinada às regiões Norte e Nordeste.

No que se refere à legalidade, há de se citar trecho do artigo 28 da Lei 10.848/2004, em que serão estabelecidos pela regulamentação “(...) critérios e instrumentos que assegurem tratamento isonômico quanto aos encargos setoriais entre os consumidores sujeitos ao fornecimento exclusivo por concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica (...)”. Nota-se que a divisão desproporcional das quotas da CDE entre os submercados vai claramente de encontro ao previsto no citado dispositivo, uma vez que, ao onerar desproporcionalmente e distintamente certos consumidores, considerando a região geográfica em que residem, não é isonômica.

Não obstante a manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade do critério que vigora na repartição das quotas da CDE, deve-se atentar que a inclusão do custeio da CCC do Sistema Isolado, da indenização pela reversão das concessões e dos descontos tarifários à CDE, pela MP 579/2012, não respeitou os critérios originais de rateio destes encargos, os quais privilegiavam a repartição equânime do ônus entre todas as regiões geográficas e consumidores brasileiros. Pelo contrário, com a introdução destes dispêndios à Conta, seus valores passaram a ser rateados seguindo os critérios de rateio da mesma, os quais oneram desproporcionalmente os consumidores dos submercados S/SED/CO, devendo-se ressaltar, ainda, que representam hoje os maiores custos incorridos pela CDE.

Deste modo, defende-se que, ao menos, os novos dispêndios da CDE sejam repartidos de acordo com seus critérios originais, tendo em vista a excessiva oneração dos consumidores dos submercados S/SE/CO, como já ocorre com os itens introduzidos à Conta pelo Decreto 8.221/2014.

Tendo em vista as questões abordadas, torna-se imperioso que a CDE de uma forma geral, tanto por seus objetivos, quanto por seu rateio desproporcional injustificado entre regiões, seja reavaliada e reestruturada pelo Poder Legislativo.
 
*Membros da Comissão Especial de Energia Elétrica (Ceele) da OAB/RJ

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