15/07/2015 - 15:36

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Mulheres do Direito

15/07/2015 - 15:36

Mulheres do Direito

Com apoio da OAB/RJ, editora Altadena lança livro que conta a história de mulheres que lutaram contra o patriarcalismo e conquistaram o espaço feminino no Direito brasileiro
 
CÁSSIA BITTAR
Antes da conquista do voto feminino, que só aconteceu em 1932, antes mesmo da introdução, pelo Código Civil brasileiro de 1916, do instituto do desquite, uma mulher enfrentou a sociedade patriarcal e abriu caminho para que muitas seguissem a área do Direito e também fizessem história com suas lutas, que continuam nos dias atuais. Seu nome é Myrthes Gomes de Campos. Myrthes foi a primeira a exercer a advocacia no Brasil e é a personagem inicial da obra As mulheres do Direito Brasileiro, lançamento da editora Altadena que teve o apoio da OAB/RJ na sua elaboração.

A obra foi lançada oficialmente em evento realizado no dia 29 de junho, contando com apresentação do presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, do vice-presidente, Ronaldo Cramer, e do presidente do Sindicato dos Advogados, Álvaro Quintão.

Coordenado pelo conselheiro seccional Marcos Luiz de Souza, o livro, que pode ser adquirido em livrarias e no site da editora (http://altadena.loja2.com.br), destaca advogadas, juízas, delegadas e promotoras que ajudaram a construir a história do Direito no país. Marcos Luiz conta que a ideia se iniciou com o jornalista Radamés Vieira, que juntamente com Jorge Sávio queria destacar o protagonismo feminino nos campos do futebol, do Direito e das artes.

“Eles iniciariam a trilogia pelo futebol e entraram em contato comigo para buscar apoio da OAB/RJ e da Associação de Ex-Atletas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, da qual sou diretor jurídico. Mas, conversando, chegamos à conclusão de que deveríamos começar pelo resgate das histórias das mulheres que influenciaram todos os ramos do Direito no Brasil”, salienta Marcos Luiz.

O conselheiro, que, no início do projeto, ocupava o cargo de secretário-geral da OAB/RJ, afirma que a proposta da obra ia ao encontro de uma das maiores preocupações da Ordem, a luta pela igualdade de direitos. “Desde o começo trabalhamos na questão de que o papel da OAB é lutar pela inclusão plena. Nós nos preocupamos com a não discriminação de todo e qualquer grupo e acreditamos que a Ordem é a grande interlocutora da sociedade civil nessa busca. Juntando isso ao reconhecimento da história de garra e seriedade que as mulheres detêm, em todas as profissões, à admiração pela sua coragem, o projeto fluiu naturalmente”.

Para auxiliar na indicação de nomes e na supervisão da pesquisa, Marcos Luiz convidou três advogadas de destaque nos quadros da Ordem no que concerne à luta pela igualdade de gênero e no pioneirismo nas suas áreas: Dea Matozinhos, Margarida Pressburger e Rosa Fonseca. Além delas, a advogada Marta Maciel Savio participou, com ele, da coordenação.

Presidente da Comissão OAB Mulher da Seccional, Rosa Fonseca diz que o grupo trabalhou em todo o processo de elaboração da obra junto à Editora Altadena e frisa a importância do resgate em tempos em que o machismo ainda é presente. “Esse livro é uma demonstração real do que a mulher brasileira é capaz. A partir de uma faculdade de Direito, elas se dedicam, com talento e perseverança, a derrubar preconceitos que envolvem a mulher que ocupa cargos de elevado nível na sociedade brasileira”.

Primeira advogada a dedicar-se totalmente à advocacia criminal, Dea Matozinhos ressalta a importância da personagem inicial do livro na carreira de todas que a seguiram. “Myrthes Gomes de Campos lutou mais do que todas nós. Costumo dizer que, se eu tivesse conhecido melhor a história dessa advogada no início da minha carreira, teria tido mais força para enfrentar todas as dificuldades, porque ela quis advogar em uma época em que mulher não podia ocupar função nenhuma”, observa.

Dea conta que foi chamada, inicialmente, para entrevistas, já que seria uma das personagens. “Quis seguir uma carreira exclusivamente dedicada à advocacia criminal, terreno que ainda era tabu para as mulheres”, diz ela, explicando que, antes, havia nomes de destaque na defesa dos presos políticos da época da ditadura militar, mas nenhuma ainda que tivesse se voltado totalmente à área.

Ela observa que o livro mostra exemplos, não se fecha nos nomes mais conhecidos: “Esta edição não esgota o rol de lutadoras, de guerreiras. Não haveria condições de colocar aqui todas as mulheres que deveriam estar”. Marcos Luiz reforça: “A ideia é que, nas próximas edições, possamos incluir mais. E esse livro é só o primeiro passo. Não vamos parar por aqui porque vimos que o material é muito rico. Vamos aprofundar essa pesquisa e pensar em projetos futuros de resgate dessas histórias”.

Sempre atuante na luta pelos direitos humanos, sendo membro do subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU) e tendo recebido por seu trabalho na área o Prêmio Direitos Humanos do governo federal, em 2012, Margarida Pressburger também tem sua trajetória relatada na obra.
Margarida relata que quebrou, entre outros, o tabu da advogada de empresa: “Quando me formei eu queria trabalhar em empresas e, naquela época, isso era totalmente inviável. O setor coorporativo era visto como algo exclusivamente masculino, pois ainda duvidavam da nossa capacidade e força. Se concorressem para uma vaga uma mulher e um homem, com certeza a vaga seria do homem. Mas eu conquistei meu espaço e trabalhei em várias multinacionais”.

A obra se divide entre as pioneiras no Direito, as mulheres do Judiciário, as advogadas e as delegadas. Na seção inicial, além de Myrthes e outras expoentes, o livro traz o exemplo de Auri Moura Costa, a primeira juíza do Brasil, e de Bertha Lutz, a bióloga feminista que ajudou a criar a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922, e cursou Direito para melhor defender os direitos das mulheres. Também reporta a história de Maria Rita Soares de Andrade, a primeira magistrada federal do país, que dizia que, antes de morrer, gostaria de ver uma mulher no Supremo Tribunal Federal (STF).

Tendo falecido em 1998, Maria Rita não viu seu sonho realizado. Somente dois anos depois, em 2000, Ellen Gracie entraria para a história do Direito como a primeira mulher no STF, vindo depois a ser também a primeira a presidir a corte, no biênio 2006-2008.

Ellen faz parte das mulheres do presente, que, segundo Marcos Luiz, foram consultadas exclusivamente para a obra – “privilegiamos a visão delas próprias em relação à sua atuação no Direito”, revela ele. Entre os  nomes do Judiciário, também figuram os de Luislinda Dias Valois dos Santos, a primeira juíza negra e, posteriormente, primeira a proferir uma sentença contra discriminação racial no país, em 1993; e o de Patrícia Acioli, juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo que, devido à sua atuação na repressão do crime organizado, entre milícias e grupos de extermínio, foi ameaçada e posteriormente morta com 21 tiros numa emboscada quando chegava em casa, em 12 de agosto de 2011.

As advogadas que lutaram na defesa de presos políticos, tornando-se ícones de ética, força e resistência para a geração seguinte, como Eny Moreira, Rosa Cardoso, Dyrce Drach e Flora Strozemberg, também são destacadas na obra, que retrata, ainda, mulheres que dividiram a paixão pelo Direito com outras profissões, caso das escritoras Lygia Fagundes Telles e Hilda Hilst.

Pioneiras dos dias atuais, Maria Adélia Campello, única mulher a presidir o Instituto dos Advogados Brasileiros; Leila Mariano, primeira na presidência do Tribunal de Justiça do Rio; Mirian Stanescon, primeira cigana a fazer faculdade no país; Joênia Batista de Carvalho, primeira indígena a advogar no país; e Maíra Fernandes, primeira à frente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio, são exemplos de que a luta pelo espaço feminino, com toda evolução, continua.

“Somos precursoras até hoje. Por isso eu digo que não chegamos ao fim da linha, não fechamos o círculo. Há muito a fazer, muito chão para percorrer”, salienta Margarida, concluindo: “A luta continua”.

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