13/08/2014 - 12:29

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Conselhos populares (Decreto 8.243)

13/08/2014 - 12:29

Conselhos populares (Decreto 8.243)

Iniciativa tenta enfraquecer papel do Parlamento

ÁLVARO DIAS*
O decreto federal 8.243, de 23 de maio de 2014, que “institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação (SNPS), e dá outras providências”, editado pela presidente da República, no uso de suas atribuições constitucionais relativas à edição de decretos e à organização da administração pública federal, foi, na melhor das hipóteses, um terrível engano.

Com a proposta de “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”, a presidente Dilma criou o PNPS. 

A iniciativa presidencial tenta enfraquecer o papel do Parlamento como casa de debates da sociedade brasileira. O decreto ratifica o desrespeito permanente que dedica ao Congresso Nacional, como o faz rotineiramente com a edição desenfreada de medidas provisórias e a dominação da pauta do Congresso.
Além de invadir as prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo federal, o PNPS não foi constituído com a devida e necessária participação dos legítimos representantes populares. Uma iniciativa dessa natureza, que decreta o alijamento do Congresso Nacional da discussão das políticas públicas, jamais poderia ter sido instituída sem o devido processo legislativo constitucional. 

Ademais, nenhum mecanismo que enseja a participação popular deve ser rejeitado em um país que quer aprimorar o regime democrático. Não é esse o caso, porque o decreto editado pela presidente Dilma está dispensando o Poder Legislativo, considerando desnecessário o papel do Congresso – uma instituição essencial da democracia. 

Uma vez que a Constituição Federal estabeleceu a forma de governo e de Estado e o sistema político de representação popular, cabe a cada um dos poderes públicos constituídos respeitar e cumprir o que lhe fora estabelecido pelo povo – titular único do poder.  A Carta Magna preceitua de forma cristalina, em seu artigo 14, que a representação popular será exercida por voto direto e mediante a realização de plebiscito, referendo e iniciativa popular.

Nesse contexto, com o objetivo de sustar essa inconstitucional proposta e preservar o poder de legislar que cabe ao Congresso Nacional, apresentei projeto de decreto legislativo que, se aprovado, anula os efeitos do decreto presidencial. O projeto já tem parecer favorável do relator, senador Pedro Taques (PDT/MT). 

Nossa esperança é de que o Parlamento brasileiro, vitimado pela tentativa de usurpação de competências, possa corrigir essa barbeiragem. A presidente Dilma precisa acordar para o erro, e nós, parlamentares – especialmente os da oposição –, faremos o possível para derrubar esse equivocado decreto.
 
*Senador pelo PSDB do Paraná

Decreto atendeu a antiga demanda de juristas e entidades

RUDÁ RICCI*
O Decreto Presidencial 8.243, de 23 de maio deste ano, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social, gerou um dos mais artificiais debates conceituais que o Brasil já vivenciou. Artificial porque foi provocado por um sofisma. Alguns advogados e articulistas sem nenhum envolvimento teórico e prático com o tema da reforma do Estado que foi inaugurado na década de 1990 sustentaram que o decreto adotava inspirações autoritárias, de natureza bolivariana, que colocaria em risco as prerrogativas do Legislativo. Foram além e sustentaram que se tratava de manobra do partido governista para efetivar um “assalto ao Estado” através do alinhamento de lideranças sociais de esquerda para definição das políticas públicas.
 
O decreto respondeu, em parte, a uma antiga demanda de juristas (como Fábio Konder Comparato e Dalmo Dallari), articulações de entidades, organizações não governamentais, especialistas articulados em diversos conselhos regionais profissionais (OAB, conselhos regionais de Economia e de Psicologia, entre outros), entidades confessionais (como pastorais sociais vinculadas à CNBB e Conselho de Igrejas Cristãs do Brasil) para definição de um marco regulatório da participação social na definição de políticas públicas em nosso país. O que esta plêiade de entidades e autoridades desejava era o aprofundamento do estabelecido na Constituição de 1988, em especial, o parágrafo único do seu primeiro artigo, a saber: o significado da definição de que todo poder emana do povo, inclusive diretamente. Esta orientação aparece em inúmeros outros artigos, como o 204, que, em seu inciso II, define que as políticas governamentais na área da assistência social serão realizadas com a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações. Este método se repete em leis federais, como a Lei Orgânica da Saúde, a Lei Orgânica da Assistência Social, o Estatuto da Criança e Adolescente, o Estatuto da Cidade, entre outras. Trata-se de metodologia de definição das orientações no âmbito do Executivo. Algo que supera, portanto, a definição meramente partidária ou da coalizão governista. Não há a menor citação em relação às ações e dinâmicas do Judiciário ou do Legislativo. No seu primeiro artigo, o decreto indica a criação de “instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Nenhuma citação de outros entes federativos ou poderes republicanos.

A má fé, contudo, foi além ao procurar fazer alarde a algo que parecia reeditar a jabuticaba tupiniquim. Nada mais falacioso. Esta proposição é definida como goodgovernance por órgãos internacionais multilaterais e adotada na França, Inglaterra, discutida recentemente como política a ser adotada nos EUA e na Índia. Enfim, é uma metodologia democrática de escuta e definição de políticas governamentais.
 
Algo já implantado em inúmeros municípios brasileiros, envolvendo mais de 30 mil conselhos de gestão pública existentes no Brasil, além da prática do orçamento participativo, que envolve administrações públicas lideradas pelas mais diversas agremiações partidárias. A democracia exige seriedade e avanços para que os cidadãos se manifestem e legitimem as instituições. Criar uma cortina de fumaça para reeditar o passado e garantir a plutocracia indica descaso com o diálogo franco e agregador e pode colocar em crise a própria lógica constitucional.
 
*Sociólogo, mestre em ciências políticas e doutor em ciências sociais. 
Membro do Observatório Internacional da Democracia Participativa

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