13/08/2014 - 12:02

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Falta juiz, sobra trabalho

13/08/2014 - 12:02

Falta juiz, sobra trabalho

Magistrados do Rio de Janeiro ocupam primeiro lugar no ranking de maior carga de trabalho no país. Carência de mão de obra faz com que acúmulo cresça cada vez mais
 
RENATA LOBACK

Cada juiz do Rio de Janeiro conclui, por ano, uma média de 2.272 processos, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Número cinco vezes acima do recomendado pelo indicativo das Organizações das Nações Unidas (ONU), cuja meta ideal é de 400 ações ao ano, por magistrado. Mesmo assim, ocupamos apenas a 19ª colocação nacional no índice de novos processos (89,77%) e temos a 5ª maior taxa de congestionamento (77,95%) do país. Culpa das mais de 16 mil ações, para cada juiz, que nos colocam no topo da lista de carga de trabalho por magistrado.
 
O quantitativo agrava-se pela falta de mão de obra para sanar este passivo: são apenas 542 magistrados na primeira instância e somente 96 nos juizados. A necessidade de mais julgadores é a bandeira levantada pela campanha Mais Justiça nesta edição.

De acordo com o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, são necessários mais 300 magistrados para suprir a carência. “Volto a bater na tecla de que a primeira instância é o gargalo do Judiciário. Com o número atual de juízes e a carga de trabalho deles, levamos, no mínimo, quatro anos para a conclusão de uma ação. Desconsiderando os números, devemos lembrar que por trás de cada processo há um cidadão aguardando muito tempo para a solução de um conflito e um advogado dependendo destas ações para o sustento da sua família”, destaca o presidente.

Mas somente o preenchimento das vagas em aberto não irá desafogar o Judiciário fluminense, acredita o coordenador da campanha Mais Justiça e assessor da presidência da Seccional, Willian Muniz. Para ele, é fundamental a criação de novas serventias. “Grande parte da morosidade é por conta da quantidade de ações que um único juiz tem que apreciar. Há comarcas que preenchem os requisitos para a criação de novas varas e juizados e, no entanto, elas não saem do papel”, afirma.

A 1ª Vara Cível de Magé, por conta das ações de execução fiscal, tem um acervo de 187.809 processos. Lá, o presidente da subseção, Edison de Freitas, disse estar impossível advogar. “Nada anda”, observa.
Em Rio das Ostras, de janeiro a dezembro do último ano, o número de  processos subiu de 50.724 para 170.704. A subseção da cidade já enviou alguns ofícios ao Tribunal de Justiça solicitando a criação de uma terceira serventia.

Em Paraíba do Sul, um único magistrado cuida de 27.200 processos. Mesmo assim, segundo o presidente da Ordem local, Eduardo Langoni, há uma discussão no tribunal para que a comarca volte a ser Vara Única. “Em 2006, o TJ rebaixou nossa entrância, extinguiu a Vara de Família, Infância, Juventude e Idoso e transformou a 1ª e 2ª varas cíveis em serventias mistas. Sofremos até hoje as consequências deste ato e a corte quer piorar ainda mais nossa situação”, lamenta Langoni.

Por conta das prioridades, menor e idoso, os processos cíveis de Paraíba do Sul acabam sendo preteridos. Para piorar, a comarca está há três anos e meio sem juiz titular na 1ª Vara. “O magistrado responsável pela 2ª Vara é quem acumula as funções das duas serventias e do Juizado Especial Criminal Adjunto. Sob a responsabilidade dele tramitam cinco mil ações da 2ª Vara, 1.700 do Jecrim, 18 mil de execução fiscal e os 2.500 da 1ª Vara. É humanamente impossível um juiz dar a devida atenção a cada um desses processos”, salienta o presidente.

No JEC de Paraíba do Sul, adjunto à 1ª Vara, a situação também não é a ideal, na opinião de Langoni. A responsável provisória pelos feitos é a titular do Juizado de Três Rios. “Como ela só comparece à comarca de Paraíba do Sul uma vez por semana, é necessário que os advogados se desloquem frequentemente até Três Rios, caso haja urgência de despacho”, relata.

Para tentar suprir a falta de magistrados e preencher as vagas ocupadas pelos acúmulos, o tribunal comprometeu-se a abrir concursos anuais para magistrados. No entanto, os números de aprovados são ainda muito abaixo da demanda. Nas quatro últimas provas passaram apenas 27, 21, 37 e três juízes – concursos XLV, XLIV, XLIII XLII, respectivamente – num universo de mais de cinco mil candidatos em cada.

Segundo Felipe, somente com o estabelecimento de metas, a exemplo do que é feito nos certames do Ministério Público, o quadro de juízes ficará completo. “As convocações não foram suficientes sequer para suprir a carência de aposentadorias e licenças. Com 20 mil candidatos, nos últimos quatro concursos, não podemos nos contentar com a nomeação de apenas 88 juízes. Estamos vivenciando um momento crítico, de comarcas abandonadas, sem o Estado na função de juiz presente”, pondera o presidente.

Em setembro, a comarca de Mendes completará sete anos sem juiz titular. Cambuci está há seis anos e meio sem titularidade. Nos dois casos, o tribunal argumenta que o baixo número de processos não justifica as nomeações. “Volto a bater neste ponto: o Judiciário não foi feito para gerar receita. Um juiz é fundamental para a garantia dos direitos das comunidades. O tribunal não pode abandonar uma comarca por ela ser economicamente pouco ativa”, defende Felipe.

Há um ano, por conta do contexto de baixa produtividade, a Vara Única de Mendes foi vinculada à comarca de Engenheiro Paulo de Frontin e à sua juíza, Denise Salume. Procurada pelo presidente da subseção, Paulo Afonso Loyola, para explicar o porquê de ir à comarca apenas uma vez a cada semana, a juíza afirmou que não pediu para ficar responsável pela serventia, segundo Loyola. A partir de agosto, conta ele, Salume disse que só tratará dos assuntos eleitorais. “Somos uma cidade pequena e já temos casos de advogados sem receber honorários há mais de três meses. Com esta determinação, como ficará o sustento dos colegas?”, questiona.

Durante a Copa do Mundo, com muitos feriados por conta dos jogos, o juiz que atende Cambuci e é titular em Italva, Rodrigo Pinheiro, não foi sequer um dia à comarca. “Ele costuma vir somente às quintas-feiras, mas na Copa simplesmente não esteve em Cambuci”, reclama o presidente da 46ª Subseção, Tony Correa. 

Para Loyola, essas situações desmotivam a população a buscar seus direitos. “A falta de juiz faz com que as pessoas não considerem ingressar com ações na cidade. E este baixo número de processos faz com que o TJ não reconsidere a nomeação de magistrado para a comarca. Um ciclo muito perigoso para o Estado democrático de direito”, afirma o presidente da OAB/Mendes. 

Não só de carência sofrem os advogados de Cambuci, conta Correa. Nos raros dias em que vai à cidade, o juiz produz pouco. “Ele julga improcedente a maioria dos processos e os mais complexos ficam parados. Há pilhas deles nas prateleiras do gabinete. Parece que nossa cidade virou um campus avançado da escola de magistratura. Só chegam juízes sem muita experiência. O atual, por exemplo, além de muito novo, transmite insegurança. A começar pelo fato de usar critérios diferentes em ações envolvendo a mesma situação e partes”, afirma.

Comprometimento, vocação e habilidade na gestão das serventias. Para o presidente da Ordem fluminense, mais do que a carência de magistrados, faltam a alguns dos juízes tais características e princípios básicos a um bom operador da Justiça. “Não raro, os presidentes de subseção reclamam de situações que poderiam ser solucionadas com o pulso firme de um juiz. Seja na hora de coordenar o trabalho dos servidores ou no momento de ditar o ritmo do andamento processual”, observa Felipe.
 

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