13/08/2014 - 12:15

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Paradoxo nas audiências

13/08/2014 - 12:15

Paradoxo nas audiências

Gustavo Albuquerque e João Gondim*
 
A advocacia dita “massificada” movimenta atualmente a maioria dos advogados de nosso estado. Devemos encarar o fato com a tranquilidade de quem está diante de fenômeno social aparentemente definido, tanto pela política instituída pela legislação e jurisprudência consumeristas, quanto pela Justiça fluminense, que facilita de forma ampla seu acesso ao cidadão.

Inúmeras são as medidas institucionais – algumas de alto valor pragmático – tomadas pelo Tribunal de Justiça no sentido de dar agilidade aos processos e evitar a demora na prolação das sentenças. Na dinâmica da atividade, com pouco ou nenhum tempo para discutir os problemas de forma adequada, a audiência se torna para o advogado, na prática, a única oportunidade concreta de defender autores e réus no curso processual.
 
E se assim ocorre, seria fundamental que a advocacia percebesse que é justamente dela que decorrem os resultados aguardados pelas partes.

A prática forense, todavia, em curioso paradoxo, nos encaminha para conclusão diversa.
Com o advento dos juízes leigos, o ato ganhou complexidade para a advocacia, na medida em que a experiência e o preparo dos juízes togados nem sempre podem estar a serviço da justiça. A saída da magistratura, de “terceirizar” a principal atividade dos juízes, pode ser criticada ou elogiada, dependendo de argumentos que, em geral, colocam em posição de conflito a eficiência da gestão processual – como corolário de uma Justiça mais rápida – e a melhor aplicação do Direito diante do que fora apresentado pelos envolvidos.

Posições ao largo, entendemos que a advocacia não pode – justamente porque se fundamenta na luta pelo direito da parte – abdicar de se fazer representar do melhor modo; devendo ter como foco a garantia de que o cliente será, ao cabo do processo, defendido da melhor forma possível.

O que assistimos na advocacia de consumidor nos dias atuais tem algo de ilógico. Se de um lado notamos o franco incremento da gestão procedimental por parte de empresas e escritórios especializados, com o exponencial aumento das metas e indicadores de controle das operações, sempre acompanhado de robustos investimentos estruturais de toda natureza, do outro enxergamos um significativo e crescente depreciamento do serviço jurídico mais relevante – e com maior alcance prático – prestado na atividade.

Acúmulo de processos por parte dos advogados, falta de treinamento adequado, “quarteirização” comercial indiscriminada e predatória dos serviços, ausência de estrutura em alguns juizados e, especialmente, os baixos valores que são repassados aos advogados audiencistas criam um novelo com um emaranhado de nós difícil de desatar.

Puxar o fio certo pode não ser tarefa das mais fáceis. Ao contrário, o acúmulo de problemas torna a retomada de um bom caminho desafio de extrema complexidade. Um auspicioso começo seria a adoção da premissa de que a advocacia, enquanto valor, não pode aceitar vibrar na frequência do pragmatismo exagerado. Deve causar mal estar em todo advogado, mesmo naqueles que não militam nesse tipo de contencioso, que colegas se ponham a representar a classe de forma precária, mal remunerada e, algumas vezes, subserviente a modelo tão nocivo.

Há muito a ser feito por todos os envolvidos para que a advocacia massificada seja uma atividade jurídica e filosoficamente sustentável. Os passos dados pelo Judiciário na gestão da volumetria dos processos que tramitam em juizados especiais resolvem questões de ordem prática e – apenas de certa forma – guardam correspondência com os anseios da população, na medida em que garantem a prestação de um serviço fundamental com alguma celeridade.

Parece-nos, entretanto, que a atuação contenciosa massificada carece de olhar mais detido e de ações mais incisivas na busca pela solução de conflitos de forma juridicamente mais aceitáveis, dentro de visão que venha na esteira dos princípios que permeiam advocacia e magistratura na luta pela aplicação do Direito.

O melhor e mais harmônico caminho na busca por uma advocacia novamente sustentável passa por ações de departamentos jurídicos e escritórios que detêm grandes carteiras. Mesmo no atual cenário é possível instituir políticas objetivas de treinamento, avaliação e – é claro – remuneração das equipes de advogados audiencistas, para que a primeira medida sensível a todos permita evidenciar que as atividades por eles desempenhadas são bolas na marca do pênalti de toda a cadeia produtiva desse tipo de advocacia contenciosa.

Departamentos jurídicos e bancas especializadas precisam, enfim, dizer um sonoro não para o evidente esgotamento do atual modelo das audiências. Afinal, valorizar e investir em política eficiente de sua gestão é, sim, uma forma de aumentar a rentabilidade das carteiras; mas é, fundamentalmente, a maior e mais poderosa ferramenta de comunicação com o Judiciário e com os próprios consumidores (ainda que momentaneamente autores das ações) no sentido de externar suas missões internas e valores intrínsecos.
 
*Advogados

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