05/05/2014 - 12:54

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Estudo de Impacto de Vizinhança, instrumento de cidadan ia ambiental

05/05/2014 - 12:54

Estudo de Impacto de Vizinhança, instrumento de cidadan ia ambiental

FLÁVIO AHMED*
 
A partir do marco legal da Constituição de 1988 e da interpretação da doutrina e da jurisprudência acerca do tema, tem-se que meio ambiente não abrange fauna e flora, mas se constitui – e isso também com base na sua definição holística vazada na Lei 6.938/81 – em algo mais amplo, contendo várias dimensões: o natural (fauna, flora, ar, solo, biodiversidade), o artificial (espaço urbano), o cultural (patrimônio cultural) e o do trabalho.

Portanto, a proteção do bem jurídico meio ambiente está associada não apenas à natureza, mas à qualidade de vida nas cidades. Sobre o espaço urbano, o legislador previu um catálogo de direitos sem os quais não poderá se viabilizar a dignidade da pessoa humana.
O legislador constitucional tratou do ordenamento urbano nos artigos 182 e 183 da Carta e o regulamentou com o Estatuto da Cidade, a Lei 10.257/2001, que trata do denominado meio ambiente artificial.

No seu artigo 2º, inciso I, o estatuto estabelece um direito às cidades sustentáveis “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”
 
Nesta perspectiva, falar em cidades é falar em meio ambiente. Não se trata mais de enfocar o tema na perspectiva do poder público que exerce uma relação administrativa sobre o território, mas na perspectiva do cidadão que exerce um direito sobre um espaço coletivo que lhe pertence, que é o espaço urbano, corpóreo (território) e incorpóreo (meio ambiente digital).

O tema aqui é Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). Como falar em cidades significa enfocar o uso do espaço urbano como espaço social, coletivo, por certo que o vocábulo vizinhança não vem tratado como relação jurídica entre particulares tão somente. Quando se fala em Estudo de Impacto de Vizinhança, o que se pretende proteger são as cidades.

O Estudo de Impacto de Vizinhança vem contemplado no artigo 4º, inciso VI, do estatuto como um dos instrumentos da política urbana e seu conteúdo mínimo plasmado no artigo 37. Ele visa  a “contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades” e inclui “a análise, no mínimo, das questões, relacionadas a: adensamento populacional (I); equipamentos urbanos e comunitários (II); uso e ocupação do solo (III);valorização imobiliária (IV); geração de tráfego e demanda por transporte público (V); ventilação e iluminação (VI); paisagem urbana e patrimônio natural e cultural (VII).

O artigo 36 dispõe que “lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de EIV”.

Não obstante muitos defendessem sua aplicação imediata, embora viesse sendo até utilizado em alguns casos, a verdade é que não era exigido, deixando o cidadão de contar com um importante instrumento destinado a preservar qualidade de vida, já que o que se visava com o EIV era garantir ao cidadão o controle sobre empreendimentos que impactam o meio ambiente urbano, para que se estabeleçam de forma menos afrontosa ao bem estar coletivo e de modo a melhor assegurá-lo no âmbito das cidades, já que estamos falando delas como bem ambiental, difuso, e portanto a todos pertencente.

Hoje, finalmente, encontra-se em discussão no âmbito do Executivo um projeto de lei para instituir a aplicação do EIV e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), versão menos técnica do anterior e que possui a função de traduzir em linguagem mais simples ao cidadão os impactos e medidas mitigadoras em relação a um determinado empreendimento. 

O que interessa a todos em tal debate? Um melhor controle do cidadão sobre as cidades, evitando-se que empreendimentos que impactem sua vida se estabeleçam sem os estudos técnicos necessários para se dimensionar tais impactos, sejam eles positivos ou negativos.
 
Claro é que, para que isso ocorrer, os documentos precisam ser os mais claros possíveis e os indivíduos devem poder possuir total acesso a eles, através não apenas dos meios oficiais, mas de sites na internet, de forma a garantir ao cidadão o pleno respeito aos direitos constitucionalmente assegurados da informação, da publicidade e da participação (com realização de audiências públicas), que consistirá na possibilidade de intervir no processo de licenciamento.

O projeto (a que inicialmente tivemos acesso) discutido prevê a publicidade, que deve ser, em nosso entender, melhor aprofundada. Quanto aos empreendimentos, elabora uma lista, sob a forma de anexo, e que compreende quartéis, aterros sanitários, estacionamentos, loteamentos em áreas superiores a 10 mil², indústrias, supermercados, dentre outros. A lista se apresenta de forma taxativa. Talvez a adoção de uma técnica exemplificativa, tal qual a adotada na Resolução Conama 237/97, fosse melhor, o que não significa deixar em aberto as hipóteses de exigibilidade – o que resulta em burocratização imensa e insegurança jurídica em detrimento do legítimo exercício do direito de propriedade.

O certo é que a importância de uma lei que efetive o EIV como instrumento de controle social do espaço urbano é fundamental. O momento é de reflexão e de discussão para que o projeto que seguirá para o legislativo represente uma conquista da cidadania sobre o uso do espaço urbano e não um instrumento de concentração de poder político em desfavor da população de nossa cidade.
 
*Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e diretor-geral da ESA

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