05/05/2014 - 14:12

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Marco Civil da Internet, a garantia de direitos fundamentais do usuário

05/05/2014 - 14:12

Marco Civil da Internet, a garantia de direitos fundamentais do usuário

ALESSANDRO MOLON*
 
Depois de três anos de embates na Câmara, em que os pilares do Marco Civil da Internet chegaram a ficar ameaçados por interesses que não os dos internautas, o projeto foi aprovado por ampla maioria na Casa, passou pelo Senado sem sofrer qualquer alteração e foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff. É lei! E o mais importante: com o respeito integral aos seus princípios mais caros. Ficaram, assim, garantidos direitos fundamentais dos usuários à privacidade e à liberdade de expressão, além da neutralidade da rede, configurando um verdadeiro presente a internautas do Brasil e do mundo, como afirmou o criador da World Wide Web (WWW), o físico britânico Tim Berners-Lee.

Diferentemente de leis pontuais aprovadas no Chile, na Holanda e em outros poucos países, tratando de apenas um ou outro aspecto da internet, o marco civil é uma espécie de Constituição para a web, definindo direitos e deveres. Por isso, é considerada a legislação mais avançada do mundo na área. Sua aprovação pelo Brasil, portanto, coloca o país na vanguarda, e não mais a reboque de outras nações. 
Muitos dos que ouvem falar sobre o marco civil pela primeira vez se perguntam se uma lei para a internet é necessária, depois de 18 anos de uso comercial no Brasil. Pois a resposta vem do próprio Berners-Lee: a rede livre, democrática e aberta que conhecemos encontra-se ameaçada mundo afora, seja por governos, seja por práticas comerciais. No cabo de guerra entre poderes, o lado mais fraco, o do consumidor, tende a sofrer os impactos negativos desta relação. Por isso, a importância de se garantir os direitos dos internautas em lei, e não apenas por resoluções de agências reguladoras.
 
No Brasil, práticas de mercado colocam em risco, por exemplo, a privacidade do usuário. Sem que seus clientes saibam, provedores de conexão, a quem pagamos para sermos conectados à internet, registram, guardam e vendem os dados de navegação dos internautas para empresas especializadas em marketing direcionado. Sua informação privada se torna um produto, e de alto valor. Para além de uma simples sugestão de compra de tênis, bombardeada por email a partir da análise de buscas que o internauta fez, temos diante de nós um cenário mais grave.

Imagine que uma pessoa, preocupada com sintomas que vem sentindo, procura informações sobre determinada doença na internet. Quando tenta contratar um plano de saúde, a empresa – que tem os dados de navegação deste possível cliente e, por isso, já sabe de sua condição – pede exames que comprovem que ela não tem a tal doença, antes de vender-lhe o plano.

O marco civil proíbe este tipo de prática, assegurando o sigilo da navegação do internauta. Garante, também, que a lei do nosso país deve ser respeitada, mesmo quando houver alguma disputa judicial envolvendo dados de brasileiros coletados no Brasil, mas guardados no exterior. Hoje em dia, um argumento comum das empresas é de que, como as informações estão armazenadas em servidores nos Estados Unidos, por exemplo, a lei aplicada deve ser a americana. O marco civil esclarece esta questão, encerrando as dúvidas.  

Outro avanço é a garantia da liberdade de expressão. Atualmente, um usuário descontente com comentário feito na rede pode enviar uma simples notificação ao provedor de aplicações pedindo a remoção do conteúdo. O site, blog ou rede social, temendo um processo judicial, muitas vezes retira o comentário apressadamente, numa espécie de censura privada. 

O marco legal determina que o provedor de aplicações só pode ser responsabilizado civilmente por conteúdo postado por terceiros caso descumpra uma decisão judicial determinando a retirada do comentário em questão. Estes casos poderão ser julgados em juizados especiais, para garantir a agilidade na apreciação do caso e a ponderação de argumentos de ambos os lados. O projeto, portanto, oferece uma importante segurança jurídica, garantindo o respeito à palavra e ao contraditório. 

Ponto que gerou mais resistência, justamente por proteger fortemente os interesses dos mais de cem milhões de internautas brasileiros, a neutralidade da rede impede que o provedor de conexão privilegie o acesso a determinados sites, fazendo-os carregar mais rapidamente no seu computador, em detrimento de outros. É como se um carro alugasse uma sirene, para passar à frente dos outros veículos, numa violação deste princípio: pela neutralidade, os pacotes de dados não podem sofrer discriminação por sua origem, destino ou conteúdo.

A neutralidade também impede que o acesso à internet seja fragmentado. Provedores querem poder cobrar separadamente por cada tipo de serviço acessado, como se usuários fossem optar apenas pelo acesso a emails, por exemplo. Seria o fim da web como a conhecemos, além de uma porta aberta para a exclusão digital. 

Felizmente, com uma resistência incansável, conseguimos impedir que estes pilares fossem burlados e descaracterizados. Aprovamos a melhor lei do mundo sobre internet, segundo os mais renomados especialistas, dentro e fora do Brasil. Agora, podemos comemorar, juntos, esta importante conquista para o povo brasileiro.  
 
*Deputado federal (PT/RJ) e advogado

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