05/05/2014 - 12:38

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Soluções para um Judiciário lento e pesado

05/05/2014 - 12:38

Soluções para um Judiciário lento e pesado

Campanha aponta falta de juízes, servidores, estrutura, investimentos e respeito aos advogados

RENATA LOBACK

Pelo oitavo ano consecutivo, as despesas de consumo das famílias brasileiras apresentaram aumento superior ao Produto Interno Bruto (PIB). Em 2013, o Brasil também registrou o terceiro maior crescimento econômico do mundo, atrás apenas de China e Coreia do Sul, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não é difícil relacionar o aumento de demandas judiciais em proporção a esse crescimento, principalmente no que se refere à primeira instância do Judiciário. No entanto, em suas visitas às comarcas do estado, o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, chegou a uma triste conclusão: a Justiça não se preparou para o desenvolvimento das cidades. “Mesmo considerado o gargalo do Judiciário, a primeira instância está abandonada”, constata.
 
Na tentativa de mudar este quadro, a Seccional fluminense lança, a partir desta edição da TRIBUNA, a campanha Mais Justiça. Pelo fim de um Judiciário lento e pesado, a mobilização buscará soluções para cinco problemas principais: a falta de juízes, de servidores, de investimentos nos juizados, de estrutura na primeira instância e mais respeito ao trabalho dos advogados.
 
Felipe ressalta que a campanha não é contra o Tribunal de Justiça (TJ). “Com os programas de incentivo às mediações e conciliações, grande parte dos processos se resolve sem chegar à segunda instância. O grosso da demanda processual está na primeira instância e ainda há muito a fazer para que ela funcione a contento. O que queremos é que o TJ lance o seu olhar para onde predomina a falta de estrutura”, diz.
Em paralelo à campanha, que contará com cartazes nas salas da Ordem de todo o estado, a diretoria da Seccional entregará um relatório à presidência da corte com os principais problemas encontrados em cada comarca do estado.

Para Felipe, o TJ tem meios para enfrentar os problemas, o que falta é uma mudança de mentalidade. “Basta comparar as condições físicas e os investimentos da segunda instância com os da primeira”, observa o presidente. Enquanto na primeira há apenas 572 juízes, com passivo de 16.733 processos cada um; na segunda, os 178 desembargadores têm 2.097, e ao menos dois assessores para auxiliar suas decisões.

“A presidente do tribunal fez promessas em relação à primeira instância, infelizmente ainda não cumpridas nesta reta final do seu mandato. Acredito que há falta de foco da administração, até por conta da pouca representatividade política dos juízes de primeira instância. A maior parte dos problemas que vamos apresentar em nosso relatório já foi levada ao conhecimento do TJ por mais de uma vez e recebeu resposta positiva quanto às suas soluções. Mas parece que a presidência fica tão dedicada a aparelhar os desembargadores que se esquece do que prometeu”, observa Felipe.

Mais de 16 mil processos por magistrado colocam o Rio de Janeiro no primeiro lugar no ranking de juízes com maior carga de trabalho no país. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012 cada magistrado do estado concluiu uma média de 2.272 processos. É pouco se comparado ao passivo, mas cinco vezes acima do recomendado pelo indicativo das Organizações das Nações Unidas (ONU) – em que se determina a apreciação de apenas 400 ao ano por juiz. Resultado desta conta: um processo no estado demora em média 1.376 dias (quatro anos) para chegar à sua conclusão, com somente 89% das novas demandas judiciais encerradas.

Os únicos problemas apontados pelo presidente da Ordem na segunda instância referem-se à distorção na distribuição dos processos de cada desembargador. Os das câmaras criminais recebem uma média de 35 ações ao mês, enquanto os das câmaras de consumidor apreciam cerca de 500. “Não é possível que um desembargador receba uma carga de trabalho tão superior à de outro”, observa Felipe.
Ainda de acordo com o relatório do CNJ, o aumento do número de magistrados na primeira instância, em 2011 e 2012, não foi suficiente para compensar a queda de 2010. Há de se considerar ainda aposentadorias, licenças e afastamentos.

“Tenho sido insistente com o TJ ao pedir mais juízes”, diz o presidente da Ordem. “Mesmo com magistrados comprometidos com o andamento processual de suas serventias, a demanda de processos precisa de novas titularidades”, salienta. 

Há seis anos a comarca de Cambuci está sem juiz titular na Vara Única. De acordo com o presidente da OAB local, Tony Correa, além da demora para conclusão dos processos, os advogados reclamam das dificuldades para despachar com o magistrado substituto, que só comparece uma vez por semana ao fórum da cidade, já que é titular em Italva. 

Em Araruama, a advogada Renata Ribeiro mostrou ao presidente da Seccional dois de seus processos prontos para conclusão desde maio do ano passado e que, até hoje, aguardam sentença por falta de juiz titular no Juizado Especial Cível. Os processos acumulados nas 1ª e 2ª varas cíveis de Araruama passaram de 12.312 para 29.872, entre janeiro e dezembro de 2013, tempo em que os juízes das duas serventias revezaram-se para dar andamento aos feitos do JEC. 

“Falamos em números, mas por trás deles há famílias esperando muito tempo por soluções em conflitos não solucionados fora do litígio”, destaca o presidente da Seccional.

Por conta do acúmulo de processos de execução fiscal na 1ª Vara Cível de Magé, o mesmo juiz ficou responsável por mais de 187.809 processos (dados de dezembro de 2013). Um salto de 1.949%, se comparado com as 9.637 ações de janeiro. Lá, o presidente da subseção local, Edison de Freitas, disse estar impossível advogar. “Nada anda”, afirma.

Apesar de o TJ abrir concursos anuais para magistrado, a OAB/RJ sugere o estabelecimento de metas, a exemplo do que é feito nos certames do Ministério Público, a fim de que seja completado o quadro de juízes do estado.

De acordo com o presidente da Seccional, há de se ressaltar que desde 2007, quando a Seccional denunciou ao CNJ irregularidades na prova, os concursos do tribunal têm apresentado lisura. Mas, infelizmente, sublinha Felipe, ainda aprova menos que o necessário.

“Em uma prova recente foram aprovados somente três candidatos. Não é possível que haja, num universo de milhares de aspirantes, tão poucos capacitados para a função. Gostaríamos que o concurso tivesse metas de aprovação mais ambiciosas”, sugere Felipe.

Somam-se à deficiência de magistrados a carência e o despreparo de servidores. Segundo o presidente da Seccional, o próprio sindicato dos serventuários aponta a necessidade de mais de dois mil funcionários. O TJ, na tentativa de compensar esta falta, tem se valido cada vez mais da contratação de estagiários. Em três anos, o número de estudantes nos quadros da corte subiu de 1.519 para 4.086, enquanto o de servidores caiu 2% no mesmo período – queda motivada principalmente pelo plano de demissões voluntárias. 

“Além de não ser correto substituir a força de trabalho de um servidor pela de um estagiário, o convênio do TJ com o Centro de Integração Empresa Escola (Ciee) permite a contratação de estudantes de diversos cursos e não apenas do Direito, como deveria ser. Da mesma forma, o concurso ainda permite graduação em diferentes áreas. Isso gera um quadro de mão de obra despreparada e não resolve o problema de mais servidores”, frisa Felipe. 

Em Cachoeiras de Macacu, há uma desproporcionalidade. No recém inaugurado fórum, com 32 banheiros, existem apenas dois funcionários para cada um dos dois cartórios. Sendo que, na 1ª Vara Cível, os processos já passam dos 38 mil.

Dos sete servidores que saíram pelo plano de demissão voluntária em Piraí, nenhum foi substituído. E em Nilópolis são constantes as reclamações de estagiários atendendo no balcão. Por causa da carência de servidores na comarca, a diretoria da OAB/Queimados fará uma manifestação na porta do fórum no dia 15 de maio.

Quando o Judiciário não funciona, aponta Felipe, o que se percebe é o desestímulo das pessoas em buscar seus direitos. “Em Cambuci, a distribuição tem se mantido baixa. Entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, subiu de 6.845 para apenas 9.941. O cidadão fica com a sensação de que não adianta distribuir na cidade e desiste de recorrer à Justiça. Aí, o Judiciário vira uma fantasia, uma promessa não cumprida”, analisa o presidente da Ordem.

Um dos argumentos do tribunal para o abandono em Cambuci, o de que não se justifica investimento maior em uma região que não gera receita, é fortemente combatido por Felipe. “O TJ não é uma loja. É o Estado atuando na função de juiz naquela localidade. Cambuci tem baixa distribuição, só que o juiz é fundamental para o funcionamento da cidade. Mesmo que a OAB admitisse o argumento de que só é necessário investimento em comarcas economicamente importantes, o tribunal não está atendendo a esta expectativa”, diz.  

É o caso de Rio das Ostras. Apesar de todos os números processuais e econômicos da cidade terem crescido, principalmente por conta da indústria do petróleo, o TJ não ampliou a quantidade de serventias no local. Hoje há apenas duas. Somente na 1ª Vara Cível, os processos subiram de 50.724 em janeiro para 170.704 em dezembro (dados de 2013). 

Um estudo da Comissão de Apoio à Qualidade dos Serviços Judiciais (Comaq), feito em novembro passado, aponta a necessidade de criação de uma 3ª Vara na cidade, mas até agora o Órgão Especial do tribunal não respondeu a este pleito.

“Queremos é que o TJ não abandone uma comarca só porque ela é economicamente pouco ativa, como também que responda com rapidez, quando há uma explosão de desenvolvimento na região”, defende Felipe.

Apesar dos inúmeros problemas nas serventias do estado, ainda se concentram nos juizados especiais cíveis as principais dificuldades. Criados para serem soluções, justamente por sua natureza célere e informal, os juizados não acompanharam o aumento das demandas. “Em uma sociedade que consome e cresce cada vez mais e cujas agências reguladoras e companhias não seguiram este crescimento, os juizados se transformaram no maior gargalo de processos do estado e, no entanto, são tratados como Justiça de terceira classe”, critica o presidente da OAB/RJ.

Em fevereiro último, cerca de cem advogados de Campo Grande reuniram-se em frente ao TJ para cobrar providências sobre o mau funcionamento dos JECs. Lá, os problemas não se limitam à péssima prestação jurisdicional. A cobrança da Cedae pela captação de esgoto, serviço inexistente na região, continua. O abuso foi denunciado na edição de setembro de 2013 da TRIBUNA e lembrado no ato. “Estamos relegados ao segundo plano. Ainda culpam os advogados pelo crescente número de processos”, reclamou o presidente da subseção, Mauro Pereira, , na ocasião.

Para Felipe, 50% dos problemas na Justiça do Rio seriam resolvidos com mais investimento nos juizados. “Esta carência de recursos mata a Justiça como canal de acesso. Só seria correto afirmar que há judicialização em demasia, como alguns magistrados insistem em argumentar, se existissem outros meios de solução. Mas, na realidade do país, o Judiciário ainda é o melhor balcão para garantia de direitos”, pondera.

Enquanto isso, sobram problemas nos JECs do estado. Em Resende, apesar de um magistrado que se esforça para manter o funcionamento do juizado, a estrutura física do prédio põe em risco quem busca por Justiça. O presidente da subseção local, Samuel Carreiro, conta que para tentar resfriar o quadro de força e evitar as constantes quedas de energia – e um possível incêndio –, o tribunal pôs um ventilador no local. “São constantes as quedas de luz no prédio, que atrapalham, inclusive, o funcionamento na sala dos advogados, onde só é possível ligar um computador por vez”, relata Carreiro.

O abandono em que se encontram os prédios do Judiciário no estado é um dos itens do relatório que será levado ao TJ como parte da campanha Mais Justiça. Na passagem de Felipe pelas comarcas, foi possível constatar como os prédios da primeira instância precisam de mais estrutura.

Em Angra dos Reis, por exemplo, a 1ª e a 2ª varas cíveis funcionam em um prédio alugado de três andares, onde o acesso é feito apenas por escadas. Não há ventilação e os advogados e partes são obrigados a aguardar as audiências nos degraus, uma vez que os corredores são pequenos. Na cidade, um fórum novo estava sendo erguido para solucionar o problema, mas as obras foram embargadas há cerca de um ano. 

Situação semelhante é a dos fóruns de Arraial do Cabo e Iguaba Grande. Desde que o TJ rescindiu o contrato com a empresa responsável pela construção dos dois fóruns novos, há mais de dois anos, os canteiros de obras encontram-se abandonados. Devido ao tempo, os prédios, que já estavam em fase final de construção, apresentam problemas na estrutura. 

Na opinião do presidente da OAB/São Pedro da Aldeia [cuja jurisdição engloba Iguaba Grande], Julio Cesar Pereira, é obrigação do TJ dar andamento às construções. “Um processo de licitação não pode demorar tanto tempo. Enquanto aguardamos o reinício do trabalho, uma série de problemas surge nos canteiros de obras”, salientou.

Apesar de inacabado, o Fórum de Iguaba Grande já tem nome. Em março, o Órgão Especial do TJ decidiu homenagear o juiz Carlos Alfredo Flores da Cunha dando o nome dele ao imóvel. 

A falta de estrutura no prédio do Juizado Especial Cível de Barra do Piraí já foi tema de diversas reclamações da diretoria da Ordem. Falta acessibilidade para os três andares, a sala de audiências fica no último patamar e é necessário que o juiz atenda no térreo quando há alguém com dificuldades de locomoção participando de audiência. Por ser um edifício antigo, a fiação está exposta e a falta de água é frequente. 

No dia da passagem de Felipe pela cidade, havia um vazamento de água no último andar que inundou o corredor e as escadas. De acordo com a presidente da subseção, Denise de Paula, não foi a primeira vez. “Na última ocasião, uma advogada caiu da escada e quebrou o braço”, contou.

Em Porciúncula, vigas de madeira escoram a marquise da entrada do prédio, por conta do risco de desabamento. A construção também enfrenta problemas com infiltrações.

A falta de climatização nos corredores dos prédios do Judiciário e a precária manutenção das máquinas de autoatendimento foram os problemas mais listados pelos presidentes de subseção.

“Todas essas situações desrespeitam a população que precisa de Justiça e afetam diretamente a qualidade de trabalho dos advogados. Quando cobramos por mais juízes, servidores, estrutura e investimentos, estamos cobrando mais respeito à advocacia”, afirma Felipe. 

De acordo com o presidente, não bastassem as dificuldades com a estrutura da primeira instância, são comuns os casos de desrespeito às prerrogativas dos advogados. No entanto, juízes que não atendem ou que comparecem apenas às terças, quartas e quintas nas comarcas, prejudicando o funcionamento das serventias, enfrentarão postura mais incisiva da OAB/RJ.

“Estamos elaborando um procedimento padronizado de reclamação, pelo qual a Ordem vai contabilizar as denúncias dos colegas e ingressar com pedido de providências no CNJ sem expor o nome dos advogados”, anuncia Felipe.

Na Leopoldina, o presidente da subseção, Frederico Mendes, comentou as constantes dificuldades que os colegas têm em despachar com os juízes e o risco que correm quando fazem denúncias.
 
“Recentemente, uma colega denunciou o comportamento da magistrada e da escrivã responsável pelo XI JEC, e a juíza desde então se julgou impedida nos processos dela. A situação gerou preocupação nos colegas quanto a fazer representações e acabar sofrendo represálias”, contou Mendes.
 
Como no novo procedimento da OAB/RJ não irá constar o nome dos advogados, Felipe acredita que situações como estas serão evitadas. 

“A solução para todos os problemas levantados pela campanha Mais Justiça é o tribunal focar o seu planejamento estratégico na primeira instância”, acredita Felipe. Para ele, a boa notícia é que o TJ tem recursos para melhorar sua estrutura, visto que as custas judiciais do Rio de Janeiro são uma das mais caras do país. “O que pretendemos modificar com esta campanha é a falta de vontade política de investir na primeira instância”, conclui o presidente.

Como o Conselho Nacional de Justiça ainda não disponibilizou o relatório referente ao ano de 2013, os números apresentados na matéria têm 2012 como base.

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