05/05/2014 - 12:43

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Um juiz, 36 mil presos, 150 mil processos

05/05/2014 - 12:43

Um juiz, 36 mil presos, 150 mil processos

OAB/RJ pleiteia a descentralização da execução penal no Rio de Janeiro, um dos estados brasileiros com maior número de detentos, e dos poucos que contam apenas com uma vara na área, o que, segundo entidades, agrava a situação carcerária
 
CÁSSIA BITTAR
Com 52 estabelecimentos prisionais, o Rio de Janeiro tem hoje aproximadamente 36 mil presos, uma população carcerária que é a terceira maior do país e não para de crescer, segundo dados levantados pelo Conselho Penitenciário estadual (Cperj). O número já é cerca de 6% maior do que o apurado pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, o InfoPen, em dezembro de 2012. Mesmo assim, o estado conta com apenas uma Vara de Execução Penal (VEP), cujo acervo atinge cerca de 150 mil processos.

Tendo uma demanda parecida – em torno de 31 mil detentos, em 31 unidades prisionais –, o Estado do Paraná, por exemplo, mentém três VEPs na capital e nove no interior. Já no Mato Grosso, são 15 varas para cerca de 10 mil presos e 64 estabelecimentos.

A criação de uma nova vara no Norte Fluminense vem sendo, nos últimos anos, pleito da OAB/RJ, do Cperj, da Defensoria Pública e do Ministério Público. A região concentra hoje mais de três mil presos nas três unidades penais de Campos dos Goytacazes e no presídio de Itaperuna.

Para a presidente do conselho e representante da Seccional na Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB Nacional, Maíra Fernandes, os números em Campos impressionam: 779 presos provisórios na Cadeia Pública Dalton Crespo de Castro, 245 detentas no Presídio Feminino Nilza da Silva Santos e 1.416 encarcerados no Presídio Carlos Tinoco da Fonseca. Já Itaperuna tem cerca de 634 apenados no Presídio Diogenes Vinhosa Muniz.

De acordo com o presidente da OAB/Campos, Carlos Fernando Monteiro, os dados indicam superlotação: “O problema é que vemos unidades prisionais superlotadas com pessoas que já poderiam estar soltas”. Ele acredita que a morosidade da Justiça para a liberação das que já cumpriram suas penas é agravada, principalmente, pela concentração dos processos em um único juízo. “A centralização na capital cria demanda enorme para uma vara e, consequentemente, o andamento se torna lento”.

O problema da execução penal na região se revela ainda mais grave se consideramos a logística: Campos está a 274 km do Rio de Janeiro e Itaperuna, a 314 km. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da 12ª subseção, Luiz Celso Alves Gomes observa que a dificuldade dos colegas da região para tratar do caso de cada cliente torna-se muito maior por conta da distância: “O advogado que tem sua vida profissional em Campos e precisa ir até o Rio de Janeiro para tratar de um caso, e talvez passar dois, três dias cuidando de execução de pena, acaba sendo obrigado a aumentar seus honorários. Considerando que a maioria dos presos é de família pobre, muitos acabam não tendo condições de pagar um profissional e dependendo da Defensoria Pública, que nem sempre consegue atender à demanda”.

Maíra reforça: “Os advogados da região Norte Fluminense se deslocam para a capital até mesmo para despachar os pedidos mais urgentes. Se o preso precisa ser transferido para outra unidade por motivo de segurança ou saúde, o requerimento só chegará às mãos do juiz no dia seguinte, a menos que seu advogado pegue a estrada de madrugada”. Segundo ela, a distância dificulta também a inspeção das unidades: “Mesmo diante de uma grave denúncia de maus tratos ou tortura, talvez só seja possível chegar ao local no dia seguinte”.

Em pesquisa coordenada pelo desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) Geraldo Prado, que analisou processos judiciais nas varas de Execução Penal do Rio de Janeiro e de João Pessoa buscando identificar os principais aspectos da atuação do Poder Judiciário na área, foi avaliada a distinção de tratamento por parte dos defensores públicos às penintenciárias do Norte Fluminense.  De acordo com o levantamento, o comparecimento por parte desses profissionais às unidades prisionais da região é quinzenal, enquanto na Região Metropolitana é semanal.

Considerando esse cenário, a OAB/RJ enviou, em abril, juntamente com o Conselho Penitenciário, petição ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ) recomendando a criação de uma VEP no Norte Fluminense; de uma vara especializada em penas e medidas alternativas, de forma a reduzir o acervo e a concentração da VEP da capital; e de uma terceira, com jurisdição sobre medidas de segurança.

O documento aponta a descentralização da execução no Rio de Janeiro como “importante passo no sentido de se atingirem o ideário constitucional e os inúmeros aspectos positivos que restam irrealizados da própria Lei de Execução Penal” e afirma que “a interiorização da execução é, acima de tudo, uma exigência de otimização da execução, de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e de respeito aos presos, aos seus advogados e aos defensores públicos em atuação junto à população carcerária”.

O ofício reforça o pedido de providências que o Ministério Público enviou ao CNJ em novembro de 2013 com dados sobre a situação da execução penal no estado. De acordo com o texto, assinado pelo procurador de Justiça Fabiano Rangel, o Norte Fluminense tem a pior concentração de presos do Rio e “celas, algumas delas com perímetro inferior a 1m² por preso, com o maior número médio de ocupantes, tudo levando a crer que a ausência do advogado constituído e de uma Vara de Execuções Penais descentralizada seja um fator determinante”.

O pedido frisa ainda que a distância entre Campos e Itaperuna e o juízo “descortina o clarão deixado pelo Poder Judiciário na má realização de sua função constitucional. A inoperância constatada gera irreversíveis males aos presos e à própria sociedade, o que não acontece nas unidades prisionais próximas à Região Metropolitana”.

Coordenador do DMF/CNJ, o desembargador Guilherme Calmon observa que, apesar de os pedidos ainda estarem em apreciação, o conselho já havia se posicionado em favor da descentralização dos processos de execução penal no relatório do Mutirão Carcerário de 2011, que recomendou ao TJ a criação de, no mínimo, mais duas varas de Execução Penal, “sendo uma destinada exclusivamente às penas e medidas alternativas e de segurança e outra destinada a dividir com a vara atual os processos de execução de penas privativas de liberdade”.

O relatório do novo mutirão, realizado em março deste ano, também deve recomendar o redimensionamento das atividades da VEP, de acordo com matéria publicada no site do CNJ. Em reunião na sede da OAB/RJ no dia 19 de março para ouvir as reivindicações de diversas entidades, o juiz Marcelo Menezes, coordenador da ação no Rio de Janeiro, afirmou que a interiorização das VEPs é uma questão de “humanização do sistema”.

“Essa é uma reivindicação de todos os órgãos da execução penal. Somos uníssonos. Todos percebem o quanto essa estrutura de juízo único atravanca a execução penal”, frisa Maíra. A presidente do Cperj destaca que o elevado número de pessoas cumprindo livramento condicional levou à instalação de um patronato em Campos: “A própria Secretaria de Administração Penitenciária entendeu como necessária a descentralização de seu patronato, para melhor atender aos egressos daquela região, mas a Vara de Execuções Penais insiste em não observar essa realidade”. Segundo ela, também poderia ser pensada a criação de uma VEP no Sul Fluminense, onde também há unidade prisional e um patronato. “Mas a urgência, sem dúvida, é no Norte”, completa.

Porém, no que diz respeito à instalação de mais varas na capital, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Execução Penal do Ministério Público, Maria da Glória Figueiredo, pondera: “Deve haver um estudo mais detalhado para a sugestão de criação de mais juízos na capital, porque a maioria dos presídios está na Região Metropolitana. Precisamos avaliar se o desmembramento de uma vara não pode gerar conflito de decisões dentro da mesma unidade, por exemplo”.

A promotora afirma que não vê a descentralização como solução automática: “É necessário avaliar não só as necessidades, mas também os efeitos. Imagine se, havendo dois ou três juízes, cada um pense de uma forma sobre um determinado benefício para presos de um mesmo estabelecimento penitenciário. Será que isso não poderia gerar um problema maior, até de segurança?”, questiona.

Já o coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública, Felipe Almeida, acredita que são, sim, necessários mais juízes: “Hoje a vara funciona com um titular e três auxiliares. Mas, é bom lembrar, estamos diante de uma situação muito complicada, com uma vara concentrada para cuidar de mais de 35 mil presos”, frisa.

Segundo Maíra, caso o pleito da OAB/RJ e do Cperj seja atendido, na capital um juiz cuidaria da execução de apenados presos; o outro, de condenados a medidas alternativas; e o terceiro, de medidas de segurança. “Não haverá propriamente o problema sinalizado pela promotora, pois não existiria qualquer tipo de divergência nas decisões”. 

De qualquer forma, a presidente do Cperj não vê, no futuro, problema na criação de mais juízos de execução na capital: “Atualmente, temos 43 varas criminais no TJ e cada magistrado julga com base em sua absoluta independência funcional. Em casos absolutamente idênticos, um réu é absolvido e outro condenado de acordo com a convicção do juiz. Não há porque ser diferente na execução da pena, embora possam ser recomendáveis uniformizações de jurisprudência. Meu receio é justamente o inverso: que ao concentrar em um juízo único, isto sim possa ter impactos na segurança. É muita responsabilidade deixar toda a execução da pena a cargo de um único magistrado”, ressalta. Na opinião de Maíra, o que comumente gera problemas de segurança nos estados “não é a decisão do julgador, mas a falta dela”.

Procurado pela reportagem da TRIBUNA DO ADVOGADO, o juiz da VEP do Rio de Janeiro, Carlos Augusto Borges, não quis se manifestar. 
 
 

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