25/03/2014 - 10:16

COMPARTILHE

Barandier abre projeto que registra história de grandes advogados

25/03/2014 - 10:16

Barandier abre projeto que registra história de grandes advogados

EDUARDO SARMENTO

A história do Direito brasileiro passa necessariamente pela trajetória de seus maiores expoentes. Partindo dessa premissa, a OAB/RJ iniciou, em fevereiro, o projeto Memórias da Advocacia, que visa a registrar em vídeo o depoimento de advogados consagrados. "Queremos montar um quebra-cabeça de nossa classe, contando casos e fatos marcantes e traçando paralelos com a vida social do país", explica o vice-presidente da OAB/RJ, Ronaldo Cramer. Os testemunhos colhidos serão exibidos em sessões especiais do Conselho Seccional e editados no formato de internet para disponibilização no SITE e nas redes sociais da Ordem.

Inspirado em modelos de preservação histórica de outras instituições, como a Fundação Getúlio Vargas e o Museu da Imagem e do Som, o Memórias da Advocacia foi idealizado pelo conselheiro seccional Renato Tonini. Ele celebrou o começo do trabalho e afirmou que a iniciativa pode beneficiar, também, as futuras gerações. "É sempre bom ver uma ideia sair do papel, mas vamos aprendendo ao longo do processo. Além do registro histórico, teremos a oportunidade de difundir um conhecimento especial a respeito do Direito para os novos profissionais", ressalta.
Próximos convidados
  • Calheiros Bonfim
  • Sérgio Fisher
  • Lousada Câmara
  • Condorcet Rezende
  • Marcelo Cerqueira
  • Ricardo Lyra
  • Seabra Fagundes

Aos 77 anos, o criminalista Antônio Carlos Barandier foi o primeiro convidado a eternizar seu testemunho nos arquivos da OAB/RJ. Ele esteve na sede da Seccional, no dia 19 de fevereiro, acompanhado dos advogados João Carlos Castellar, Carlos Eduardo Machado, Marcia Dinis e Márcio Barandier, seu filho, que, com a colaboração de Tonini, conduziram o depoimento. "É uma honra dar início a um projeto como este", afirmou Barandier logo antes de entrar na sala-estúdio da Escola Superior de Advocacia (ESA), onde a estrutura de áudio e vídeo foi montada.

A cessão do espaço tem relação direta com o propósito da escola, segundo o diretor-geral da ESA, Flávio Ahmed. "A recuperação de referências é fundamental para a permanente construção de uma identidade da advocacia", observa. A lista com os próximos nomes a serem ouvidos está pronta, embora as datas não estejam definidas. Benedito Calheiros Bonfim, Sérgio Fisher, João Baptista Lousada Câmara, Condorcet Rezende, Marcelo Cerqueira, Ricardo Lyra e Eduardo Seabra Fagundes serão os convidados seguintes.
 
Da burguesia de Ipanema ao fascínio pelo Tribunal do Júri

Nascido em uma família de nove irmãos na cidade de Petrópolis, Região Serrana do Rio, Antônio Carlos Barandier é apaixonado pela advocacia desde jovem. Em sua estreia no júri, ainda estudante, sentiu o nervosismo típico das primeiras vezes. "O coração bateu forte, as pernas começaram a tremer", relembra.
 
Durante quase duas horas de depoimento, Barandier falou sobre a desconfiança enfrentada por ser filho de juiz e recordou sua vinda para o Rio, quando fez parte do que se chamava "juventude dourada de Ipanema". A experiência de transmitir seus conhecimentos para os jovens e os grandes advogados que serviram de inspiração foram outros pontos levantados. Barandier descreveu os artifícios utilizados e perigos enfrentados durante a ditadura militar e falou, ainda, de sua atuação no Direito Esportivo, quando teve a chance de defender seu clube de coração, o Fluminense.
 
Leia abaixo trechos do depoimento.
 
Infância
 
"Nasci há muito tempo, em 1936, na linda e serrana Petrópolis. Tive uma infância normal, sem grandes acontecimentos. Éramos nove irmãos e me relacionei muito bem com todos eles, que não retribuíam por achar que eu era o protegido da mamãe".
 
Vinda para o Rio
"Foi uma fase em que eu era um péssimo estudante. Futebol, namoradas e as conversas na esquina das ruas Montenegro [atual Vinicius de Moraes] e Prudente de Morais. Eu era um burguês da Zona Sul carioca".
 
Interesse por política
"Em 1950, fiquei muito espantado com um quebra-quebra nos bondes por causa de um aumento nas passagens. Começou aí meu interesse político. Por que aqueles bondes eram destruídos? Nas campanhas, os candidatos faziam comícios e as pessoas iam. Minha escolha política foi feita sem qualquer interferência. Via por toda a cidade a mensagem 'O petróleo é nosso'. Essa campanha entrou em mim". 
 
A opção pelo Direito
"Estava muito bem quando fui designado interinamente para o 2º Tribunal do Júri como escrevente. Alguns sempre reclamavam das escalas e eu gostava de fazer os julgamentos. Nessa época eu já estava fascinado, nenhuma profissão me tiraria da advocacia. Eu sonhava dias e dias em ocupar a tribuna como os notáveis advogados que eu via, como Evandro Lins e Silva". 
 
Filho de juiz
"Fui fazer um concurso. Fiz a prova e cheguei em casa contando vantagem. Meu pai perguntou quanto eu achava que tinha tirado e eu respondi: 100. O resultado saiu no Diário Oficial e minha nota foi 48. Pedi revisão, quem corrigiu a prova não havia contado a última questão. Falei com o corregedor, que me deu razão mas disse que iria indeferir. 'Fiz esse concurso acenando com a bandeira da moralidade e agora o filho do juiz tem uma correção? Não é possível', retruquei. Foi uma experiência que tive e jamais esquecerei das injustiças que podem ocorrer".
 
Estreia no tribunal
"Eu era estudante, escrevente, e me sentia frustrado de não poder subir na tribuna. Então, apareceu um advogado e me convidou para subir no Júri junto com ele. O juiz aceitou, mas meu nome não constaria em ata. Eu fiquei na expectativa de o juiz me dar a palavra quando estava acabando. O promotor pediu a condenação como medida de justiça. Quando chegou a vez de falar eu fui: "Meritíssimo senhor juiz, presidente do tribunal tal, (...) Senti bater o coração, as pernas tremerem". 
 
Mudanças no Tribunal do Júri
"O Júri era frequentado pelo povo, estudantes iam aos julgamentos. O plenário ficava cheio, as pessoas escutavam no rádio. Advogados davam entrevistas, criticavam até os juízes. O mesmo faziam os promotores, que criticavam os advogados. Com o tempo, os plenários foram se esvaziando. Acho que os júris perderam o vigor naturalmente. Com a ditadura de 1964, os advogados passaram a concentrar suas atenções nos processos das auditorias militares".
 
Ditadura I
"Poucos advogados militavam na Justiça Militar. Antes, aliás, era Justiça Comum, depois veio a lei que transferia a competência para a Justiça Militar. Aí, ficou melhor pra nós, por paradoxal que pareça. Os juízes tremiam nas bases quando ouviam falar em Segurança Nacional e coisas assim. Eu quero dizer, que dos vários brasileiros que participaram desta causa, nenhum esteve à altura de Sobral Pinto".
 
Ditadura II
"Os advogados fizeram um trabalho magnífico. O AI-5 proibia o habeas corpus. No começo ficamos atordoados. Resolvemos da seguinte forma: dando a impressão de que o habeas corpus era para uma pessoa qualquer. E o tribunal pediu informações. Trouxemos o preso para a luz".
 
Memórias da Advocacia
"Uma honra ter sido convidado. É bom que advogados de muitas áreas venham e tenham muitas coisas pra contar".

Abrir WhatsApp