17/03/2014 - 16:25

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Entre o fórum e a sala de aula

17/03/2014 - 16:25

Entre o fórum e a sala de aula

Conheça um pouco da experiência de profissionais que dividem seu tempo entre a advocacia e o magistério
 
VITOR FRAGA

“Professor, você também trabalha ou apenas dá aulas?”. Apesar de um tanto estranha, a pergunta é uma brincadeira comum nas faculdades de Direito, segundo o advogado e professor substituto de Direito Penal da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo de Almeida Jr. – e pode indicar como, muitas vezes, a carreira docente é enxergada pelos alunos. É como se dar aulas não fosse também, da mesma forma que o exercício da advocacia, um ofício. Para entender um pouco melhor o universo dos advogados que também atuam como professores, a TRIBUNA conversou com alguns profissionais que exercem essa dupla função.

Atraído pela carreira acadêmica desde o início da graduação, Almeida considera isso uma exceção. “Sempre houve a intenção de desenvolver as duas funções, muito embora o interesse pela docência, especialmente nos primeiros anos de faculdade, seja mínimo. Desenvolvi atividades de iniciação científica e monitoria, mas também busquei estágios, tentando completar minha formação tanto na área acadêmica quanto na advocacia”, explica. A advocacia e o magistério vieram juntos também para o advogado e professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj) Christiano Fragoso. “Sempre gostei de estudar, acho que a vontade de ser professor veio em decorrência disso”. Para ele, são atividades complementares. “Não há melhor banco de provas para uma teoria jurídico-penal do que a prática diária do fórum. A advocacia obriga a pensar e a repensar as teorias jurídico-penais, seus fundamentos e seus fins, em busca de soluções justas para os casos práticos”, diz.

No caso do advogado, procurador do Estado e professor adjunto do Departamento de Direito do Estado da Uerj Gustavo Binenbojm, a vocação para o magistério é anterior à advocacia – ele já lecionava em um curso pré-vestibular durante a graduação. “Dava aulas de geografia, e era muito feliz. Na Faculdade de Direito da Uerj, percebia que minha inclinação maior seria pelo magistério jurídico. Poderia até exercer outras atividades, mas minha identidade primária sempre seria a de professor”, revela.

O professor de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e vice-presidente da OAB/RJ, Ronaldo Cramer, pensava em seguir carreira acadêmica desde que era estudante. “Gostava muito de Processo Civil para lidar com essa matéria apenas nos casos concretos da advocacia. Queria estudar em tese, contribuir de alguma forma para o desenvolvimento dessa área do Direito e dividir meus estudos com outras pessoas”.

Já a advogada e professora de Mediação de Conflitos da PUC-Rio Samantha Pelajo relata que sua vida acadêmica surgiu inesperadamente. “Meus primeiros anos de formada foram em parte dedicados à advocacia, e em parte ao aprofundamento do estudo do Direito de Família. O magistério aconteceu inesperadamente, um convite me desafiou a ousar por esse caminho, que se revelou muitíssimo prazeroso e rico”, destaca.

Binenbojm, que se autodefine como “um professor que advoga, e não um advogado que ministra aulas”, considera que lecionar dá sentido à sua vida profissional. “Não é uma atividade permeada apenas de prazer, mas também de significado. A possibilidade de intervir na formação das novas gerações é um projeto que me realiza”, pondera ele, para quem ser professor “é a arte de tornar-se desnecessário”. 

Participar da formação de futuros advogados através de um “ensino crítico” também é um fator que motiva Reinaldo Almeida. “O ensino jurídico tornou-se em parte o que Paulo Freire chamava de ‘educação bancária’. Aulas muito teóricas, expositivas, que pouco buscam levantar casos e trazer reflexões críticas para os alunos”, critica, acrescentando que vai “no sentido contrário” dessa tendência. “Tento ser um facilitador da conscientização crítica dos estudantes, para que não sejam meros operadores do Direito jogados no mercado para reproduzir uma tendência dominante, mas compreendam as vinculações entre o Direito e as relações econômicas dominantes na sociedade. Que possam se tornar pensadores livres do Direito, criar Direito”.

Desafios da dupla função
 
Embora ressaltem o prazer de exercer a dupla função, os entrevistados apontam desafios para quem escolhe esse caminho. Segundo Cramer, a vida pessoal fica prejudicada. “O dia a dia da advocacia é imprevisível. O magistério exige uma rotina previsível. Nesse conflito, o advogado professor acaba renunciando a parte de seus momentos pessoais, de seu lazer”.

 Para Binenbojm, é difícil conciliar o magistério e a advocacia. “Sinto-me sempre em débito com a leitura de livros, artigos, monografias, dissertações e teses. As tarefas do cotidiano profissional ocupam muito da energia vital que a atividade intelectual exige. Além disso, é preciso cuidado para que a advocacia não resulte por instrumentalizar a vida acadêmica”, avisa. 

Pelajo concorda que a agenda é a grande dificuldade. “O ritmo dos tempos modernos é frenético. Por isso é difícil conciliar o exercício do magistério e da advocacia. Mas vale muito a pena”, pondera. A carga horária também é apontada por Almeida como barreira a ser superada. “Tanto a advocacia quanto a docência são atividades que exigem tarefas fora do horário de expediente tradicional. A advocacia exige muitas horas de estudo e pesquisa em relação ao caso fora das atividades forenses. A atividade docente requer a preparação das aulas, o que pode dificultar o ajustamento”, argumenta.

Mas afinal, ao perguntarem se os professores “também trabalham ou apenas dão aulas”, os bacharéis estão indicando que só atribuem valor à experiência no mercado da advocacia? Cramer admite que isso de fato ocorre, em alguns casos, mas assinala que é preciso valorizar os aspectos teóricos da formação. “Na minha área, o professor precisa conhecer a prática para poder explicar melhor a teoria. Porém, há setores do Direito que reclamam dedicação à vida acadêmica. Os que vivem da academia deviam ser mais valorizados, eles são a espinha dorsal do ensino. Se houvesse mais apoio à pesquisa universitária, teríamos instituições melhores e seríamos uma sociedade melhor”.

A opinião de Binenbojm é semelhante. “Os alunos apreciam lidar com professores que são também operadores do Direito, em função de sua experiência prática. Mas há espaço para os exclusivamente dedicados ao magistério, cuja contribuição será diferenciada do ponto de vista teórico”.

Na opinião de Fragoso, mais do que professores que “estão no mercado”, os alunos querem “mestres comprometidos com a academia, que não faltem por qualquer motivo, que não deleguem suas funções, saibam ensinar e estejam disponíveis para o prazeroso intercâmbio que a academia pode ser”.

Para Almeida, é preciso equilíbrio. “Valorizo mais os professores que estão nos dois lados, mas não estou desvalorizando quem atua em dedicação exclusiva. Acredito na unidade entre a teoria e a prática, principalmente nas disciplinas de natureza mais dogmática, como o Direito Penal e outros”.
 

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