17/03/2014 - 17:07

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Financiamento de campanhas eleit orais

17/03/2014 - 17:07

Financiamento de campanhas eleit orais

VÂNIA AIETA*

Dinheiro, tal como água, sempre encontrará uma saída...

 
O imaginário social brasileiro tem sido novamente assombrado pelos eternos “fantasmas” da corrupção. Embora, em muitos casos, isto até seja verdade, devemos lembrar que o ataque às instituições democráticas atende apenas aos interesses de setores conservadores que, utilizando-se de discurso falsamente moralista, buscam reduzir as conquistas sociais, entre elas o livre exercício dos direitos políticos. Este discurso é conhecido e neste ano – 50 anos do golpe militar – precisamos lembrar que é o mesmo de então.
   
Não sejamos ingênuos. Não se faz campanha sem dinheiro. Contudo, deve-se asseverar que não é o financiamento privado o responsável pela corrupção. É o corrupto. O que é imprescindível é observância rigorosa de transparência e controle de contas, paradigmas do Direito Eleitoral no que se refere ao financiamento de campanhas. Fazer do financiamento privado o bode expiatório responsável pelas mazelas administrativas e eleitorais serve para “justificar” responsabilidades. 

A possibilidade de fazermos doações aos candidatos de nossa predileção é direito político legítimo do exercício da cidadania. E esta não pode ser recepcionada no seu grau mínimo, no mero ato de votar. Somos responsáveis também pelas escolhas que fazemos, e a participação política pode ser realizada por meio da doação de dinheiro inclusive das pessoas jurídicas. Não há nada de errado em se ter posição política. A imprensa não é neutra, os financiadores não são neutros. Não existe neutralidade. O que precisamos é que as máscaras caiam.

O chamado financiamento público de campanha já existe. Ele se concretiza mediante a utilização de recursos do fundo partidário, do horário “gratuito” das emissoras reservados aos partidos, cujo custeio advém de compensação fiscal.

Não é só a ambição dos políticos que explica a intimidade dos partidos e candidatos com o poder financeiro. Pensem na presença do Estado na economia. Quase dois terços da atividade econômica dependem de empréstimos, financiamentos, subsídios ou isenções fiscais, investimentos diretos ou indiretos do poder público. É dinheiro público tomado via impostos, taxas e contribuições de toda sorte e também via dívidas tomadas no mercado financeiro. Não pode o empresário, portanto, ficar fora do processo de escolha das políticas públicas e do orçamento, no Executivo ou no Congresso. 

Se os partidos representam setores da sociedade, seu financiamento pode ser feito também por parcelas dela, e não apenas pelo Estado. Não se trata de permitir os recursos privados ao estilo laissez-faire, pois a Constituição determina a repressão do abuso do poder econômico e político, assim como já existe a obrigação dos candidatos e partidos prestarem contas à Justiça Eleitoral. 

A proibição do financiamento privado só irá gerar a deflagração das facções políticas secretas e o aprofundamento dos grupos de interesses nos bastidores, conhecidos como lobbies, que, ao contrário de outros países, aqui não são regulamentados e fiscalizados, o que gera guetos na arrecadação em um submundo invisível ao controle da sociedade.

Não somos contra o financiamento público. Seu exclusivismo é que será nefasto à democracia, favorecendo a marginalidade eleitoral pois, como alertou sabiamente o já aposentado juiz Paul Stevens, da Suprema Corte Americana, “dinheiro, tal como água, sempre encontrará uma saída...”
 
*Conselheira seccional da OAB/RJ, doutora em Direito Constitucional da PUC-SP e professora de Direito Eleitoral da Uerj

Empresas não devem ter o poder de influenciar no resultado 

DANIEL SARMENTO*

 
O princípio democrático se assenta na igualdade política entre os cidadãos, exigindo que a todos se assegure a mesma capacidade de influir no processo eleitoral. Já o princípio republicano postula que a “coisa pública” seja gerida no interesse de toda a coletividade, sem espaço para a captura dos agentes públicos pelos interesses dos detentores do poder econômico. Lamentavelmente, estes princípios fundamentais da Constituição são violentados pelas normas que regem o financiamento das campanhas eleitorais no país.

A maior parte dos recursos que irrigam as nossas eleições é de origem privada. Mais de 90% dos valores doados provêm de pessoas jurídicas, e os principais doadores são grandes empresas, que mantêm fortes relações com os governos, com predomínio das empreiteiras. O acesso a recursos pelos candidatos, por sua vez, constitui fator decisivo para o êxito nas eleições. E as campanhas estão cada vez mais caras.

Este modelo gera desigualdade política entre os cidadãos, pois aumenta o poder dos ricos em detrimento dos pobres e da classe média. A desigualdade se manifesta também entre os candidatos, beneficiando indevidamente os mais bem aquinhoados, que podem custear a própria campanha, ou os que têm maior acesso ao mundo do capital. E a promiscuidade que tende a surgir entre os candidatos e seus financiadores é perniciosa, sendo a fonte de boa parte dos esquemas de corrupção que sangram os cofres públicos.
  
Neste cenário, o Conselho Federal da OAB ajuizou no STF a ADI nº 4650, em que se pleiteia, dentre outras medidas, a proibição das doações de campanha por pessoas jurídicas. Empresas não são cidadãos e não devem ter o poder de influenciar no resultado das eleições. É razoável, porém, que os eleitores possam contribuir para campanhas dos seus partidos ou candidatos preferidos, pois esta é uma forma legítima de participação cívica. Contudo, os limites para tais doações não devem ser proporcionais ao rendimento dos doadores, como prescreve a legislação, pois isto implica permitir que os ricos contribuam muito mais do que os pobres, em afronta à isonomia. Tais limites devem ser uniformes e fixados em patamares modestos, como também postulou a OAB na sua ação.

Se o pedido da OAB for acolhido, não faltarão recursos para as campanhas. Afinal, as doações por cidadãos não serão proibidas, e o sistema vigente já prevê significativo aporte de verbas públicas para os partidos, além do acesso gratuito ao rádio e televisão. Ademais, campanhas mais baratas talvez permitam um foco maior no debate de propostas, com menos espaço para pirotecnias publicitárias. 
Não se ignora que a mudança pretendida não eliminará, sozinha, as doações provenientes do “caixa 2” das empresas. Mas, ao impor o barateamento das campanhas, ela aumentará a visibilidade dos gastos desproporcionais às receitas contabilizadas, facilitando o combate a esta grave irregularidade.

Por estas razões, o Conselho Federal da OAB deve ser parabenizado pela propositura da ação. O placar do julgamento até agora – 4 a 0 em favor da ADI – nos enche de esperança de que o STF cumprirá, mais uma vez, o seu papel de guardião da Constituição, e de que em breve o país poderá contar com um processo eleitoral mais democrático e republicano.
 
*Procurador regional da República e professor de Direito Constitucional da Uerj. Foi um dos autores da representação ao Conselho Federal da OAB que gerou a propositura da ADI 4.650

 

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