31/03/2014 - 11:47

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PL criminaliza divulgação de vídeos e fotos íntimas na internet

31/03/2014 - 11:47

PL criminaliza divulgação de vídeos e fotos íntimas na internet

VITOR FRAGA
 
No final do ano passado, o tema da divulgação não autorizada de vídeos e fotos íntimas via internet ganhou manchetes em todo o país por conta, principalmente, do caso de Francielly, uma vendedora de 19 anos, de Goiânia, que em outubro teve um vídeo, em que aparece nua, compartilhado na internet sem sua autorização. Embora seja vítima, Fran, como ficou conhecida, teve que abandonar o trabalho em uma loja e mudar toda a sua rotina. Em novembro, outros casos também foram noticiados em sequência, como o da aluna da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP) Thamiris, 21 anos, que também passou a viver de forma mais reclusa após ter uma foto nua divulgada na rede. Porém, dois exemplos acabaram dando um tom ainda mais trágico às denúncias: o de Júlia, 17 anos, em Parnaíba (PI) e de Giana, 16, de Veranópolis (RS), que cometeram suicídio após a divulgação dos vídeos em que foram expostas.

Embora as vítimas nunca tivessem se conhecido e vivessem a quilômetros de distância umas das outras, o fato de as denúncias ocorrerem em um espaço de poucas semanas ajudou a fomentar o debate, que não é novo, sobre a criminalização da divulgação de fotos e vídeos íntimos nas redes. Ainda em outubro de 2013, o deputado Romário (PSB/RJ) apresentou o Projeto de Lei (PL) 6.630/13, que altera o Código Penal tipificando "a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima". Segundo ele, a iniciativa foi motivada por um anseio social. "Houve grande avanço tecnológico nos últimos dez anos e as pessoas mudaram a forma de se relacionar e de se comunicar, com a popularização de smartphones, redes sociais, aplicativos de celular. Novos tipos de crime surgiram e ouvíamos delegados dizendo em entrevistas como era difícil tipificá-los. Como legislador, me senti no dever de apresentar o projeto com penas mais duras para estas condutas criminosas", diz.
Ato de culpar a vítima pelo crime encontra eco em boa parte das reportagens que retrataram o caso

O presidente da Comissão de Segurança Pública (CSP) da OAB/RJ, Breno Melaragno, apoia a proposta. "A divulgação de material com nudez ou de ato sexual sem autorização da pessoa não atinge somente a sua honra, difama ou injuria, mas principalmente afeta sua privacidade. Viola um dos aspectos mais íntimos, delicados e valorosos da pessoa, sua sexualidade e privacidade sexual, expondo-a a consequências psicológicas e sociais muitas vezes devastadoras. O projeto vai facilitar a tipificação das condutas, não deixando dúvidas jurídicas penais para o delegado, o Ministério Público e o Judiciário", afirma.  

A grande repercussão dos casos pode ser medida também pelo fato de que, além do projeto proposto por Romário, há outras quatro propostas semelhantes em tramitação na Câmara – todas apresentadas em 2013. A principal é o PL 5.555/13, do deputado João Arruda (PMDB/PR), ao qual foram apensadas as propostas de Romário e as outras três que tratam do tema. Apresentado em maio, antes dos casos citados ocorrerem, o projeto de Arruda altera a Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha), criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na internet. O projeto tramita na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), com relatoria do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), e em seguida irá para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). A tramitação tem caráter conclusivo, o que significa que se a proposta for aprovada não necessita ir a plenário. Os outros projetos apensados são os PLs 5.822/13, 6.713/13 e 6.831/13.
 
No início de 2014, Romário apresentou requerimento para desapensação de sua proposta. "Quando um projeto é apensado, a análise dele pode ficar prejudicada, perdendo, talvez, algum artigo que julgo importante. Por exemplo, o PL 6.630/13, de minha autoria, não discrimina gênero. As punições são para homens e mulheres que divulgarem o material íntimo, enquanto o do deputado João Arruda altera a Lei Maria da Penha, que se aplica unicamente às mulheres", explica Romário. Enquanto o PL 5.555/13 amplia a quantidade de delitos abrangidos pela Lei Maria da Penha (a violação da intimidade, pela internet ou qualquer outro meio, sem consentimento, passa a ser considerada violência doméstica e familiar contra a mulher), o PL 6.630/13 acrescenta um artigo ao Código Penal, considerando crime a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima. Na opinião de Melaragno, a desapensação poderia facilitar a tramitação, mas é preciso evitar desproporcionalidades no conjunto de leis penais. "Se um mesmo tema tem o condão de modificar diversos conjuntos de normas jurídicas e há vários projetos direcionados a modificar cada um deles, é mais seguro que tramitem juntos para evitar situações jurídicas penais desequilibradas e irracionais".

O assunto foi tema de incontáveis debates em sites sobre sexualidade e direitos da mulher. Para a jornalista e autora do blog Pimentaria, Nathalia Ziemkiewicz, ao reconhecer esse tipo de conduta como criminosa, a legislação impede que o debate seja regido apenas por questões morais. "Para alguns, é imoral que uma mulher permita ser filmada ou fotografada durante o sexo. Para outros, o absurdo está no fato de um cidadão expor a intimidade publicamente e sem o consentimento do parceiro. A existência de uma lei para punir aqueles que divulgarem esse tipo de conteúdo diz o que a sociedade aceita ou não. De que lado está a má fé e a falta de caráter?", questiona a jornalista.
 
A jornalista entende que esse processo pode esvaziar o discurso de que a vítima é culpada pelo crime. "Por esse raciocínio machista e retrógrado, poderíamos absolver os estupradores que 'só' cometeram o crime porque a vítima estava com 'roupas indecentes'. Nem sempre as leis têm a capacidade de provocar uma reflexão profunda, mas elas podem impedir que outros crimes aconteçam porque funcionam como aviso de que há consequências".
 
A postura da sociedade, principalmente dos homens, é muito cruel. As mulheres que têm sua vida íntima exposta começam a ser abordadas de forma vulgar, recebem até convite para prostituição 
Romário
Deputado estadual
Da mesma forma, a economista e tradutora Renata Lins, autora do blog Biscate Social Club, considera que "embora a distância entre a lei e o comportamento seja mais complexa do que sonha nossa vã filosofia", a tipificação do crime pode evitar novos casos. "O que tem poder real de mudar, acredito, são campanhas de debate e esclarecimento, e sobretudo uma revisão honesta dos motivos que fazem com que esses jovens achem razoável expor pessoas com quem tiveram um relacionamento a esse tipo de tratamento degradante", argumenta.

Repercussão

A repercussão dos fatos em redes sociais amplia o sofrimento das vítimas - que, ao contrário dos acusados que costumam permanecer anônimos, têm sua privacidade devassada. Foi o caso de Fran, filmada pelo ex-parceiro enquanto faziam sexo. Em determinado momento do vídeo, compartilhado por milhares de pessoas através do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, ela pergunta se o parceiro gostaria de fazer sexo anal e faz um gesto de "ok" com a mão. Em poucos dias, milhares de pessoas publicaram fotos em que repetiam o gesto.

"No caso da Fran, houve dois momentos: o de reprodução do gesto como forma de ridicularizar e, posteriormente, em solidariedade e em repúdio à primeira leva. Foi importante porque gerou uma onda muito grande de apoio e impulsionou o debate sobre o tema", analisa Lins. Para Natália, é fácil perceber a diferença entre uma atitude e outra. "Basta reparar nos sorrisos e comentários que acompanham o gesto. Eu mesma pedi que me fotografassem fazendo esse sinal para postar no meu site. Estava com uma postura séria, como se dissesse 'qual o problema de essa mulher fazer sexo anal ou ser filmada enquanto transa?'", questiona ela, autora de um dos textos mais reproduzidos em defesa da jovem. Carta a Fran, a menina massacrada por um vídeo de celular teve mais de um milhão de visualizações em apenas três dias, alcançou mais de 180 mil manifestações de apoio e mais de dois mil comentários no Facebook. Foi traduzido para outros idiomas e republicado em colunas e blogs. 

A jornalista conta que não esperava tanta repercussão. "Tinha lançado meu site, o Pimentaria, havia 15 dias. Meu marido comentou comigo sobre o vídeo da Fran, que recebeu por meio de um grupo de amigos no Whatsapp. Achei que era mais um desses conteúdos de filmes pornôs. Foi então que ele me contou a história", relata. Indignada, a jornalista escreveu o texto em 30 minutos e publicou em sua página pessoal no Facebook. "Até então, não havia uma voz em apoio a ela. Fui contra o efeito manada que a condenava, dei minha cara a tapa ao defendê-la e inverter o rumo do debate. Antes de apontar o dedo para alguém, pense que poderia ser sua mãe, sua irmã, sua filha", alerta.

O ato de culpar a vítima pelo crime encontra eco em boa parte das reportagens que retrataram o caso. Quase todas alertavam para os perigos da prática de filmar relações sexuais, algo que estaria cada vez mais comum. O erro apontado, no caso, não é a divulgação nem o compartilhamento dos vídeos, mas sim o ato de permitir a filmagem. No início de outubro, foi criada a página Apoio Fran no Facebook, com "a intenção de apoiar a Fran, porque ao contrário do que muitos estão dizendo ela é a vítima". A página tem comentários defendendo a jovem, palavras de ordem como "Porque todas somos Fran. Contra o machismo em forma de piada e o sexo como tabu", ou "Em apoio à garota que foi exposta na rede por fazer o que todo mundo faz", além de artigos que criticam a divulgação de material íntimo sem autorização, relatos de outros casos e algumas mensagens da própria Fran.
 
Até o fechamento desta edição, a página tinha 40.797 apoiadores. No dia seguinte, na mesma rede social, foi criada a página Força Fran, autodefinida como "humorista" e que exibe comentários como "Sorte do dia: tô famosa", "Bobeou cai na net", além de várias fotos em que usuários reproduzem, sorrindo, o gesto do vídeo. Até o fechamento desta edição, Força Fran tinha 5.069 manifestações de apoio.

Na opinião de Romário, o preconceito contra as vítimas agrava os danos sofridos. "A postura da sociedade, principalmente dos homens, é muito cruel. As mulheres que têm sua vida íntima exposta começam a ser abordadas de forma vulgar, recebem até convite para prostituição", lamenta. O deputado entende que a aprovação da lei não resolverá tudo. "É necessária uma mudança de mentalidade, inclusive na hora de reagir ao problema. As vítimas não devem se abater e sim virar o jogo, porque o criminoso cresce na medida em que a vítima se oprime. Elas devem ter a consciência de que foram alvos de um crime e acusar publicamente quem divulgou as fotos", diz.

Pornografia de revanche

As denúncias apontam que as mulheres são, na maioria absoluta dos casos, as principais vítimas de revenge porn (em português, "pornografia de revanche"), como têm sido chamados os vazamentos intencionais de fotos e vídeos íntimos. A própria denominação já indica que se trata de uma forma de vingança - quase sempre o acusado é um ex-parceiro que não aceitou o fim do relacionamento. No entanto, há quem culpe as vítimas.
 
quot;Tendo em vista as mulheres com quem conversei, vítimas do chamado 'pornô de revanche', acho que são muitas dores e danos antes mesmo do preconceito. Primeiro, um sentimento de culpa por ter realizado uma fantasia sexual que envolvia filmagem ou fotografia – como se o erro estivesse aí e não no caráter daquele que expôs algo particular", critica Natália. Ela considera os insultos contra as vítimas igualmente criminosos. "Palavras que estupram, o tempo todo, de novo e de novo. Se a sociedade como um todo amparasse essa vítima, em vez de taxá-la como 'puta' ou 'burra', será que ela entraria em tamanho desespero a ponto de se suicidar?", pergunta.
 
Para Lins, o preconceito sofrido pelas vítimas é a pior parte dessa divulgação. "É o 'não ter para onde correr', pois já foram julgadas e condenadas depois de expostas, o que gera essa sensação de estarem acuadas e em alguns casos leva até ao suicídio".

Em novembro de 2013, a estudante de Letras da USP Thamiris também foi vítima da divulgação de uma foto sua com os seios nus, sem autorização. Ela acusou o ex-namorado, o búlgaro e estudante da mesma faculdade Kristian Krastanov - quase um mês antes, ela o havia denunciado à polícia por ameaças de morte via redes sociais. O acusado publicou nota em sua página no Facebook negando ser responsável pelo vazamento das imagens e admitindo que fez as ameaças, mas "jamais cogitou concretizá-las".
 
As mulheres são, na maioria absoluta dos casos, as principais vítimas de 'pornografia de revanche'
A universitária afirmou na época, em entrevista ao site G1, que a humilhação foi tão grande que pensou em mudar de cidade e até mesmo em cometer suicídio. Mas decidiu enfrentar a situação, e publicou um texto no Facebook sob o título Meu desabafo como vítima de "revenge porn", que teve cerca de 3 mil compartilhamentos. Thamiris foi criticada pela família do ex-namorado, mas obteve apoio entre colegas e professores da faculdade.

No mesmo mês, com uma diferença de quatro dias, aconteceram os casos com as consequências mais graves. No dia 10, Júlia, de 17 anos, se enforcou depois de receber pelo celular um vídeo no qual ela aparecia fazendo sexo com uma amiga e um rapaz, todos menores de idade, na cidade de Parnaíba, no litoral do Piauí. No dia 14, na cidade de Veranópolis, a estudante Giana foi avisada por uma colega de escola que circulava na internet uma foto em que ela aparecia nua. Três horas depois, a adolescente foi encontrada morta em seu quarto pelo irmão - segundo a polícia, ela também se enforcou. Em ambos os casos, os familiares só souberam dos vídeos após as mortes. E também nos dois casos, as adolescentes publicaram mensagens de despedida no Twiter. "Hoje à tarde eu dou um jeito nisso. Não vou ser mais estorvo para ninguém", escreveu Giana no dia de sua morte. "Eu te amo, desculpa não ser a filha perfeita, mas eu tentei", escreveu Júlia à mãe, também antes de se enforcar.
 
No caso de Júlia, a Polícia Civil do Piauí informou que vai acionar a Polícia Federal para investigar a venda do vídeo íntimo, que estaria disponível por R$ 4,90 em um site internacional, que prometia o envio do link para o e-mail do comprador sem identificação na fatura do cartão de crédito. O mesmo site também teria disponibilizado o vídeo de Fran.
 
Histórico de violência contra a mulher

Todos os casos citados ocorreram no final do ano passado, mas a "pornografia de revanche" está longe de ser uma novidade. Em 2006, no interior de São Paulo, a então estudante de Direito Francine teve uma série de fotos em que aparecia nua fazendo sexo com dois homens divulgadas no site de relacionamentos Orkut. Segundo reportagem da revista Época na ocasião, outro caso havia acontecido no mesmo período, também no interior paulista. Francine foi apresentada no vídeo como a filha de "um advogado conhecido por todos na cidade", e chegou a receber mais de 10 mil mensagens pela internet, a maioria com ofensas.
 
A reportagem conta ainda que, no primeiro dia em que foi à faculdade após a divulgação das fotos, Francine foi hostilizada por cerca de 300 alunos que cercaram sua sala de aula dizendo querer "ver 'a vagaba da internet', xingá-la de 'prostituta', avisar que eram 'os próximos da fila', atirar preservativos, empunhar cartazes de 'tire aqui a sua senha'". Com o apoio do professor e de alguns colegas, a estudante conseguiu sair da sala, mas só saiu do prédio após a polícia ser chamada e utilizar bombas de gás para dispersar a aglomeração. A jornalista Elaine Brum citou como exemplo na matéria o depoimento de uma das estudantes que tentou minimizar a agressão dizendo que Francine "não seria linchada, ninguém ia agredi-la fisicamente. Se a polícia não chegasse, no máximo ficariam passando a mão na bunda dela".
 
Embora sejam exceções, algumas vezes os culpados são identificados e punidos. Uma reportagem da revista Marie Claire, de novembro de 2013, cita outra situação que envolveu uma pedagoga de Minas Gerais. Após o término do relacionamento, o ex-namorado, que era técnico em informática, invadiu a conta de e-mail da pedagoga e enviou fotos íntimas dela para toda a sua lista de contatos como se fosse a própria - inclusive, para aos membros da banca de mestrado um dia antes de ela defender sua dissertação.
 
Em fevereiro de 2013, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ordenou que ele pagasse R$ 50 mil como indenização pelos danos causados - ele não poderá mais recorrer da sentença. Outro exemplo citado na mesma reportagem é o da jornalista Rose Leonel, cujas fotos nuas foram divulgadas na internet como se fossem propaganda de prostituição. A jornalista, que na época chegou a receber 500 ligações por dia, perdeu o emprego e viu seus filhos sofrerem as consequências - o mais velho acabou indo morar fora do Brasil. O ex-namorado foi condenado a um ano e sete meses de prisão.
 
No início do ano passado, Rose Leonel criou a ONG Marias da Internet, para dar apoio psicológico e jurídico a mulheres que foram vítimas de crime cibernético.

Em novembro de 2013, em ação que tramita em segredo de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a empresa Google deveria indenizar em R$ 50 mil uma mulher que foi demitida da emissora de televisão em que trabalhava após um vídeo em que aparecia fazendo sexo - com imagens gravadas no interior da empresa – ter sido descoberto em seu e-mail corporativo. O vídeo também foi publicado no Orkut. O Google se comprometeu a excluir os resultados, mas descumpriu duas vezes o acordo.

Redes sociais
 
Se a sociedade como um todo amparasse essa vítima, em vez de taxá-la como 'puta' ou 'burra', será que ela entraria em tamanho desespero a ponto de se suicidar?
Nathalia Ziemkiewicz
jornalista
No início de 2014, outro exemplo ocorrido no Piauí gerou revolta. A delegacia de Altos, que fica a 37 km da capital Teresina, instaurou procedimento administrativo para investigar a responsabilidade de um adolescente de 15 anos na divulgação de fotos íntimas de uma criança de apenas 12 anos. O caso chegou ao conhecimento da polícia na primeira semana de janeiro. A menor tentou suicídio duas vezes após o ocorrido.

Há quem culpe as redes sociais e as novas tecnologias pelos crimes. O WhatsApp acabou se tornando para alguns um verdadeiro mercado de pornografia amadora. Nos Estados Unidos, a prática se popularizou há anos e ficou conhecida como sexting, expressão que une as palavras sex (sexo) e texting (ato de enviar mensagens). O sexting seria cada vez mais recorrente entre adolescentes. Um estudo divulgado em fevereiro deste ano pela MSI Pesquisas revelou que 54% dos brasileiros entre 18 e 24 anos já receberam conteúdo sexualmente sugestivo de alguém no celular.

Existem hoje milhares de grupos fechados nas redes sociais e nos aplicativos para troca de mensagens por celular. É possível receber todo o tipo de conteúdo, e basta um clique para repassá-lo a uma teia de contatos. "Logo se perde a origem, fica dificílimo rastrear a primeira fonte. Como as pessoas sabem que é simples esconder-se nesse anonimato virtual, nem refletem sobre o material que encaminham", aponta Natália.
 
ara Lins, se as redes sociais e as novas tecnologias facilitam a divulgação, este não é um resultado automático da tecnologia "Não é um oversharing [exposição de informações em excesso na internet] inocente. Quem divulga fotos de sexo ou de pessoas sem roupa sabe que está causando dano àquela pessoa. E a facilidade com que se faz isso é, a meu ver, o foco da discussão", diz.

Lei Carolina Dieckmann

Conhecida como Lei Carolina Dieckmann (a atriz teve seu computador invadido por um hacker), a Lei 12.737/12 - que criminaliza "a invasão de computadores para obter vantagem ilícita, como a falsificação de cartões de crédito e a interrupção de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública" - entrou em vigor em abril de 2013. Porém, a proposta não prevê este tipo de conduta criminosa. "Ao contrário do que muitos pensam, essa lei pode até ser aplicada aos casos envolvendo aspectos sexuais, mas não foi elaborada especificamente para isso. O bem jurídico tutelado nela é outro, e de maneira difusa. O projeto de lei do Romário é específico em relação à privacidade sexual", explica Breno Melaragno.

Para Romário, são textos bem diferentes. "A Lei 12.737/12 criminaliza a invasão de computadores para obter vantagem ilícita. O PL 6.630/13 não trata de roubo, mas da divulgação". Perguntado se existe a possibilidade de o projeto ser aprovado ainda este ano, o deputado demonstra a habilidade de sempre para fazer críticas. "Seria importante, mas sabemos o quão morosa é esta Câmara".

Enquanto isso, o machismo ainda alimenta a condenação das vítimas, especialmente mulheres. "Existe sempre aquela parcela da sociedade que considera que a vítima, ao se expor, estaria 'buscando'. O que, evidentemente, só uma sociedade muito machista, como a nossa, poderia pensar. A mensagem que se passa para as novas gerações é que devemos desconfiar de todos, inclusive das pessoas com quem mantemos relações íntimas?", questiona Renata Lins. Ela lembra o caso de um jovem ator da Rede Globo, cujas fotos íntimas foram divulgadas recentemente. "A reação dele foi dizer que a menina que divulgou as fotos estava passando atestado de piranha. Ou seja: quando a mulher divulga as fotos, não é culpada por isso, mas por divulgar que estava na cama com o sujeito".

Na opinião de Nathalia, embora nem sempre as vítimas sejam mulheres, os tratamentos são distintos. "Um homem pode ser vítima do 'pornô de revanche' e tem o mesmo direito de exigir punições legais aos criminosos. No entanto, desconfio que a imagem ou vídeo em que um homem pratica sexo não repercuta de forma tão avassaladora e vexatória, porque consideramos 'normal' que homens gostem de sexo, de pornografia, de 'baixaria'. As mulheres são infinitamente mais julgadas por suas preferências e práticas na cama. Basta notar que, em qualquer mesa de bar, ainda se usa a expressão 'mulher para casar'".

As adolescentes Julia e Giana, mesmo sendo vítimas, deram fim às próprias vidas porque não suportaram a pressão de serem expostas nuas fazendo sexo em uma sociedade que divisa quais são as "mulheres para casar". A Tribuna tentou entrar em contato com Francielly e Thamiris, vítimas da "pornografia de revanche", mas até o fechamento desta edição não havia obtido resposta. Diante do ocorrido, é um silêncio que soa perfeitamente compreensível.
 
Versão online da Tribuna do Advogado.
 

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