19/07/2018 - 16:50

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Susp – Sistema Único de Segurança Pública

19/07/2018 - 16:50

Susp – Sistema Único de Segurança Pública

JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO*
 
“Fica instituído o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania a ser executado pela União, por meio de articulação dos órgãos federais, em regime de cooperação com os Estados(...) visando a melhoria da segurança pública”. Este texto é da Lei 11.530, que está em vigor há quase 10 anos (24/10/2007). Mas no dia 12 de junho deste ano foi sancionada a Lei 13.675, trazendo nova linguagem para a mesma preocupação, como consta em seu artigo primeiro: “Esta lei institui o Sistema Único de Segurança Pública e cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social(...).”

Não faltam boas intenções e tudo o mais que o papel aceitar para leis e planos que se sucedem, mas não direcionam medidas concretas para a redução da violência no país que, ao contrário, continua em expansão. A lei do Pronasci “não pegou”. Será que desta vez vai com o Susp, o novo nome do remédio para tratamento da violência?

A segurança pública pode tomar carona no modelo do Sistema Único de Saúde, criando modelo em que os órgãos federais, estaduais e municipais se articulariam para produzir melhor resultado para a segurança pública? Na segurança não é bem assim, principalmente sem o orçamento obrigatório como o do SUS. A segurança do Estado de São Paulo teve um dos melhores desempenhos do mundo nos últimos 15 anos, enquanto estados do Nordeste estão entre as piores expressões de violência do mundo ocidental. E tudo isso independentemente dos governos federais que se sucederam ou de outras instituições. Não há esse sistema para a segurança, nem se pode dizer que seja único, numa federação com múltiplas realidades.

Claro que há aspectos positivos na nova lei, como o estabelecimento de mecanismos de planejamento, coordenação e avaliação de desempenho das polícias e órgãos vinculados como guardas municipais, agentes penitenciários e peritos criminais, além de novas orientações para a reestruturação de sistemas de informações criminais e penitenciárias. Mas tudo isso já poderia estar sendo feito sem que fosse preciso criar uma lei para dizer aquilo que uma eficiente administração federal já deveria estar fazendo.

Com a criação de incumbências a estados e municípios que gozam de autonomia para dispor de seus órgãos de segurança, a coordenação federal dependerá de dois insumos escassos: sólida liderança federal e recursos financeiros para induzir e condicionar a adoção de programas de modernização organizacional e governança dos aparatos policiais e prisionais, além de outras medidas previstas na lei. Medida provisória editada junto com a lei pretende repassar um naco das lotéricas (cerca de R$ 800 milhões ao ano) para financiar a segurança, recurso que corresponderia a pouco mais de 10% das necessidades. Lembrando que esse valor corresponde quase ao custo diário da brutal violência no país. Curioso é que a lei pretende, em 6.640 palavras, melhorar a segurança pública, mas contemplando em apenas 11 vezes a palavra polícia, cuja obsoleta estrutura continuou intocável. Não é possível fazer a segurança prometida com tão pouca polícia e tão pouco dinheiro.
 
*Coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Foi consultor do Banco Mundial e é pesquisador do Instituto Fernand Braudel.

Da fragmentação crônica ao ajuntamento invertebrado

JACQUELINE MUNIZ*
LUCIANE PATRÍCIO** 
 
O Susp vira lei. Da formulação até a aprovação foram 15 anos na fila à espera de votação. Em 2003, cria-se o Susp no Ministério da Justiça de Lula. Em 2012, vira projeto de lei da presidência de Dilma. Em 2018, ressuscita rápido da gaveta do Congresso para dar sustança ao recém, e apressado, Ministério Extraordinário da Segurança Pública de Temer.

Na esplanada, interessados e interesseiros alteraram a lei do Susp, tornando seu marco legal distante da concepção original. Qual? Ser um sistema, de verdade, e único, de fato. Ter um arranjo afim ao desenho político-administrativo brasileiro, garantindo atribuições federativas equilibradas e o seu financiamento.

Cabia ao Susp redefinir e regulamentar o art. 144 da Constituição Federal que reproduz, desde a carta de 1946, uma lógica fragmentária e de quase monopólios policiais. Seu papel era transformar órgãos avulsos e concorrentes em partes interdependentes de um todo cooperativo e governável. Para ter capacidade de governo, construir o pacto federativo da segurança pública, definindo competências exclusivas, partilhadas e redundantes dos entes federados. Para ter capacidade de gestão, pôr de pé a arquitetura institucional do Susp. Tudo isso foi esquecido. 

Nós, que ajudamos a criar o Susp, recomendamos correções e inclusões encampadas por parlamentares progressistas. A relatoria acatou o que não afetava o coração da lei.

O Susp da lei retrocedeu a segurança pública à questão policial e rebaixou o Susp a um clube de serviços, que incluiu participantes mediante lobbies corporativistas. Foi-se da fragmentação crônica ao amontoado invertebrado. Pontificaram os conflitos de competência, a bateção de cabeça e as carteiradas entre agentes da lei. Juntos e misturados, e por isso, debilitados institucionalmente e disponíveis como moeda político-eleitoral.

O Susp da lei vira uma agência de fomento de operações policiais. Inaugura-se o caixa extra para o mundo reativo e provisório das ações conjuntas e forças-tarefa. Desvaloriza-se a rotina dos policiamentos para todos em favor da excepcionalidade do espetáculo operacional que serve a alguns. A política fica refém de saldos policiais. Adota-se o extraordinário como modo de governar.
 
O Susp da lei traz um horizonte perigoso de nacionalização que mobiliza indivíduos armados ao invés de integrar suas instituições. Diante de greves ou outros motivos, arrisca-se dar vida a um exército do B, que desestabiliza o jogo democrático e desafia a capacidade de agir das forças armadas.

O Susp da lei mantém o palavreado democrático: direitos humanos, cidadania, participação. Embalagem bonita, recheio duvidoso. A ideia-força é a defesa social, um fóssil de 70 anos. Sepultou-se a segurança cidadã em favor do entulho criminológico do “nós contra eles”, ineficaz no controle do crime e que perverte o trabalho da Polícia e da Justiça.

É bom que atores políticos ao centro, à esquerda e à direita percebam que a espada, entregue a si mesma, corta a língua da política e rasga a letra da lei. Governar requer que a espada não defina, ela mesma, a extensão e profundidade de seu corte.
 
*Antropólogas e professoras do Departamento de Segurança Pública – Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – Ineac – UFF

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