03/08/2018 - 21:00

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Inconstitucionalidade das patentes pipeline

03/08/2018 - 21:00

Inconstitucionalidade das patentes pipeline

Inconstitucionalidade das patentes pipeline

 

Proteção patentária deve atender ao interesse social

Renata Reis *

Segundo a OMS, cerca de 30% da população mundial não têm acesso aos medicamentos de que necessita. No Brasil, 51,7% abandonam o tratamento por falta de recursos para comprá-los.

O preço dos remédios tem relação com patentes na medida em que estas permitem que os laboratórios explorem suas tecnologias exclusivamente, gerando monopólios e afastando a concorrência. Há drástica redução no preço tão logo as patentes expiram, devido à concorrência de produtos genéricos. No caso da Aids, o preço da terapia de primeira linha caiu de US$ 10.439 por paciente/ano em 2000 para US$ 87 em 2008.

O Brasil alterou sua Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279) em 1996, adequando- se às regras estabelecidas pela OMC. No entanto, foi além e incorporou um instituto conhecido como pipeline (art. 230 e 231), dispositivo temporário por meio do qual foram aceitos depósitos de patentes em campos tecnológicos não reconhecidos até então, sem análise de mérito no país. No Congresso, os que defendiam sua inclusão observavam que, assim, o país tranquilizaria empresas estrangeiras. Foram realizados 1.182 pedidos de patentes, incluindo centenas de remédios para Aids, câncer e antipsicóticos.

Inconformada com essa situação, a sociedade civil, através do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, representou junto ao Ministério Público em 2007, solicitando o ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A ADI pipeline (nº 4234), proposta em 2009, até o momento não foi julgada.

É urgente que o STF julgue procedente a inconstitucionalidade das pipeline. A Constituição, ao determinar a proteção da propriedade industrial, estabeleceu também seus objetivos, associando-a ao interesse público. A proteção patentária deve atender ao interesse social, o que é impossível de ocorrer no caso das pipeline. Tais patentes não trouxeram bem-estar adicional para a sociedade, pois não estimularam novos investimentos em P&D, e, em última instância, permitiram monopólios de medicamentos que poderiam já estar sendo comercializados em versões genéricas.

É com esse espírito que defendemos a correção de uma injustiça histórica, com a devolução ao domínio público de tecnologias tão caras à sociedade. Convocamos todos e, em especial, os operadores do Direito para que se engajem na campanha STF julgue as patentes pipeline inconstitucionais! pelo site www.deolhonaspatentes.org.br, assinando uma petição a ser endereçada ao STF.

* Membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ e advogada da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia)

 

Alegações que constam da ADI são contestáveis

Flávio Leonardos *

As únicas exigências previstas nas regras transitórias dos arts. 230 e 231 da Lei nº 9279/96 são: (i) que o objeto patenteável não tivesse sido colocado no mercado pelo próprio titular ou por terceiro por ele autorizado nem, tampouco, (ii) tivessem sido realizados por quaisquer terceiros, no Brasil, preparativos para a exploração do objeto patenteável.

Legitimamente instigada por várias entidades, a Procuradoria Geral da República ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4234) desses artigos, alegando que as pipeline não preenchem requisitos de novidade; violam direitos adquiridos e impedem o desenvolvimento tecnológico.

Contestando estes pontos note-se que o Estado brasileiro sempre conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a proteção à propriedade industrial. O artigo 5º, XXIX, da CF/88, é claro ao dizer que “a lei assegurará”. Não consta deste mandamento constitucional o requisito da novidade.

A novidade não foi eliminada, mas tão-só deslocado seu momento de apuração (tal o direito de prioridade) ou suspenso o período em que a tecnologia cai em domínio público (tal o período de graça). Com efeito, basta se atentar para as exigências das regras transitórias. Repito: regras transitórias!

Quanto à possível violação de direitos adquiridos, não prospera. Não existe direito adquirido à alteração de regime jurídico disciplinado por lei, e a natureza do direito adquirido é individual, vinculada ao patrimônio econômico de pessoas físicas e/ou jurídicas, de direito público ou privado.

Quanto ao argumento de as pipeline impedirem o desenvolvimento tecnológico, lamento, mas é ideológico e há muito ultrapassado. Patente é meio, não fim do ciclo produtivo. É um incentivo à produção contínua e à manutenção do estado da arte. Eventuais abusos devem ser coibidos na forma da lei, seja a própria 9279/96 ou a 8884/94 ou ambas em conjunto.

Por fim, notem que inconstitucionais são a Portaria 239/01 e a RDC 45/ 08, da Anvisa, por absoluta falta de previsão legal, pois o artigo 6º da Lei nº 9782/66 não lhe conferiu poderes para examinar requisitos de patenteabilidade. Tampouco, lhos concede o artigo 229-C, da Lei nº 9279/ 96. Tanto porque incluído nas disposições transitórias só se aplicaria às pipeline, ali também inclusas, quanto porque a competência da Anvisa, na forma da lei, é para promover a proteção da saúde e não para examinar novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

* Advogado e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército


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