12/06/2013 - 10:23

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Em entrevista, professor da USP fala sobre embate de poderes

12/06/2013 - 10:23

Em entrevista, professor da USP fala sobre embate de poderes

A aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional 33, que submete decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso Nacional, acirrou ânimos e provocou debates no Judiciário e no Legislativo. Nesta entrevista à Tribuna, o professor titular de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Virgílio Afonso da Silva analisa a PEC e o embate entre os poderes.

Em seu ponto mais criticado, a PEC 33 prevê que uma decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional seja analisada pelo Congresso Nacional, o qual, caso a ela se opuser, deverá enviar o caso a consulta popular. Qual sua opinião a respeito?
 
Essa pergunta envolve considerações mais complexas do que as que têm sido feitas ultimamente. Ao contrário do que muitos parecem supor, a Constituição não define com clareza que cabe ao STF a última palavra sobre emendas constitucionais. O próprio STF, quando se deparou pela primeira vez com a questão, teve que fazer uma deliberação prévia para analisar se ele era competente para controlar a constitucionalidade de emendas. O fato de ter decidido a favor de si mesmo não pode ser um argumento definitivo de que essa é a única forma de ver a questão.
 
Além disso, quem diz que a PEC 33 fere a separação de poderes tem que definir o que exatamente significa a Constituição dizer que uma PEC não pode tender a abolir a separação de poderes. Significa que o arranjo institucional decidido em 5 de outubro de 1988 é imutável? Não pode ser, caso contrário outras emendas deveriam ter sido declaradas inconstitucionais.
 
Apenas para ficar em dois exemplos: a criação de agências reguladoras e a reforma do Judiciário (que, dentre outras coisas, criou o CNJ e a súmula vinculante) com certeza alteraram a separação de poderes. Nem por isso foram declaradas inconstitucionais. O que a Carta brasileira exige é que tenhamos uma separação de poderes que garanta um controle recíproco entre eles. Ela não fossilizou uma determinada concepção de separação, definida em 1988. Com isso não quero dizer, claro, que o STF não deve ou não pode ter a última palavra sobre emendas, mas apenas que essa questão não é assim tão simples.
 
No fundo, trata-se mais de conveniência e oportunidade do que de mera interpretação constitucional: decidir se é o STF - e não o Congresso ou o povo - quem deve ter a última palavra sobre a Constituição que queremos não é algo que decorre da própria Carta, mas envolve questões como tradição jurídica, expectativa de proteção de direitos, estabilidade democrática e legitimidade do Poder Legislativo, dentre outras.
 
A aprovação da admissibilidade da PEC pôs em maior evidência o embate entre Legislativo e Judiciário, este acusado por parlamentares de exercer, cada vez mais, protagonismo no processo legislativo. O senhor avalia que, de fato, o Judiciário tem avançado nas competências do Congresso?
 
Não existe uma fronteira sempre nítida entre as competências desses poderes em matéria de interpretação da Constituição. O que é certo é que, nos últimos anos, o STF tem tido um protagonismo que nunca teve antes. Isso, em si, não é bom nem ruim, apenas um fato. Na minha opinião, o que é ruim é o uso estratégico, por parte do STF, de suas possibilidades de interpretação constitucional.
 
Às vezes, o Supremo, claramente e sem grande constrangimento, avança na competência do Legislativo. Em outras ocasiões, quando não quer ter o ônus de decidir, diz que não pode fazê-lo porque não quer avançar no campo legislativo. Essa variação estratégica na definição dos limites de sua própria competência é algo que confunde os termos do debate.

Alguns estudiosos da área jurídica, a despeito de repelir a possibilidade de esvaziamento do Judiciário e sua submissão ao Congresso, avaliam que a PEC contém aspectos interessantes. No que diz respeito às súmulas vinculantes, seria razoável a exigência de que sejam chanceladas pelo Legislativo. Qual a sua avaliação?
 
A súmula vinculante nasceu acusada de inconstitucionalidade. Muitos pareciam não se conformar com ela e a acusavam de avançar na competência do Legislativo. É interessante perceber como, menos de dez anos depois, uma tentativa de limitar um pouco a competência do STF na edição de súmulas vinculantes – mas sem chegar nem perto de voltar ao status quo de dezanos atrás - é vista por tanta gente como inconstitucional.
 
Parece-me que há duas razões para isso: em primeiro lugar, muitos simplesmente gostaram das súmulas vinculantes e, em segundo lugar, uma proposta de limitar uma competência do STF que seja apresentada pelo Legislativo parece despertar a desconfiança automática de todos (mesmo daqueles que eram contra as súmulas vinculantes no passado). Neste âmbito, também, não há uma resposta clara, que decorra da Constituição. Ou seja, não é uma questão de interpretação constitucional, mas de política legislativa e judicial.
 
Mas, na medida em que o Legislativo, se quiser, pode superar uma súmula vinculante (por meio da edição de uma nova lei cujo teor seja contrário a ela), exigir que as súmulas sejam aprovadas pelo Legislativo talvez seja um obstáculo a mais no já amarrado dia a dia do Judiciário e do Legislativo.
 

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