14/09/2015 - 12:13

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Autonomia da PF

14/09/2015 - 12:13

Autonomia da PF

Por mais independência no combate ao crime

MARCOS LEÔNCIO RIBEIRO*
No topo do cenário nacional com a deflagração das 18 fases da Operação Lava Jato e por seu trabalho de combate ao crime organizado e à corrupção, a Polícia Federal busca sua autonomia administrativa e funcional com a PEC 412/2009 para que o órgão possa definir as prioridades de investimentos e diminuir burocracias em suas atividades, facilitando a organização das forças-tarefas de combate à corrupção.

A discussão sobre o melhor e mais adequado modelo administrativo para garantir a autonomia necessária da Polícia Federal no combate ao crime organizado e à corrupção é algo que não se pode evitar. É um assunto relevante diante da atual conjuntura do Brasil, e a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal entende que o processo de autonomia da PF não somente dará maior independência ao órgão como também acabará com eventuais suspeitas sobre o seu processo de investigação. 

Com a PEC 412/2009, a Polícia Federal busca autonomia para criar mais equipes de investigação no combate ao crime organizado e ao desvio de recursos públicos; garantir uma polícia republicana, sem interferências indevidas no trabalho policial; assegurar os investimentos na estrutura necessária para recuperar o dinheiro desviado pela corrupção; valorizar profissionalmente seus servidores no combate ao crime organizado; e conferir tratamento mais justo com as demais carreiras jurídicas, em cumprimento das leis 12.830/2013 e 13.047/2013.

Na verdade, a autonomia orçamentária, administrativa e financeira aqui defendida é a mesma que foi dispensada à Defensoria Pública da União na PEC 247/2013. Em que pese tratar-se de um pleito mais do que justo, que representa claramente o fortalecimento da prestação de um serviço social essencial à população, este é um avanço merecido e urgente, alcançando fortalecimento institucional graças ao reconhecimento de sua autonomia funcional.

E, mais, a ideia é que a PF continue submetida ao controle finalístico do Ministério da Justiça, ao qual permanecerá vinculada, guardadas as devidas proporções. Não se está propondo independência funcional absoluta.

Se a Defensoria Pública mereceu todo o apoio estatal, posto que o seu objetivo é a defesa dos menos assistidos, a Polícia Federal não poderá receber tratamento diferente, eis que, na estrutura da segurança pública, é órgão responsável pelo combate ao crime organizado e à corrupção na sociedade brasileira. Não adianta o discurso vazio de prioridade para as ações de segurança pública, quando isso não se concretiza em ações governamentais práticas de investimentos em recursos financeiros, orçamentários, materiais e humanos.

Com efeito, a Polícia Federal também atua de forma essencial à justiça para que ocorra a prestação jurisdicional decorrente da interrelação das partes com o órgão julgador. Não é por menos que a edição da Lei 12.830/2013 propõe que a investigação seja técnica e isenta, em um cenário onde a defesa assuma o seu papel de destaque em paridade de armas em relação à acusação, com objetivo de garantir a prevalência dos direitos e garantias dos cidadãos.
 
*Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
 
Mudança deixaria instituição sem freio algum

LUIZ FERNANDO V. C. LESSA* 
Em todas as democracias, a polícia é o instrumento usado pelo Poder Executivo, chefiado por um representante democraticamente eleito, para empregar a força contra o cidadão, dentro de limites determinados por lei e sob rigorosos controles civis. Poder civil desarmado, controlando o poder armado, com a finalidade de proteger e servir o povo e apurar a autoria e materialidade de crimes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o FBI tem sua atuação e administração submetidas ao procurador-geral, que indica o seu diretor, cargo hoje ocupado por um promotor federal.

A premissa de contenção civil do poder armado cai por terra com a autonomia reclamada, quer por meio não só da PEC 412/09, mas pelas PECs 361/13, 430/09 e 184/07. Em comum, essas propostas constitucionalizam o inquérito policial, apesar de sua notória disfuncionalidade, eis que no Brasil só 8% dos homicídios são resolvidos, e relegam investigadores e peritos, figuras essenciais na apuração de ilícitos, a posição subalterna, submetendo técnica aos poderes hierárquicos do delegado. Esse último se transformaria em autoridade suprapolicial com, dentre várias prerrogativas pretendidas, o privilégio de compor os tribunais pátrios. A polícia viraria um superpoder, sem controle externo ou interno do Ministério Público ou do Executivo, em contradição direta com o Handbook on police accountability, oversight and integrity [recomendações de boas práticas da polícia] da ONU,  e o MP sairia da investigação criminal, atividade que tem por objetivo instruir a ação penal que lhe cabe mover.

A mudança pretendida deixará sem freio algum uma instituição que, sem autonomia, em cinco anos, matou mais do que toda a polícia dos Estados Unidos em 30 anos, segundo o 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2014), e que ficou famosa internacionalmente por adotar a tortura como técnica de investigação (vide os relatórios sobre o tema produzidos pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU). Aprovadas as PECs, um efetivo de mais de meio milhão de agentes armados com fuzis, metralhadoras, transportados em blindados, ganha carta branca para dispensar sua própria tutela criminal sem processo ou contraditório, abolindo de vez o Direito Penal. Contra tal poderio, não poderia contar sequer com o emprego heterodoxo das Forças Armadas que, com 320 mil militares, seria insuficiente para defender o povo.
 
Se a autonomia é a solução para a ineficiência do Executivo na segurança, por que a mesma medida não é pleiteada para outros órgãos executores dessa atribuição, como as Forças Armadas ou a Abin [Agência Brasileira de Inteligência]? Por que só a polícia ou uma parcela desta seria privilegiada? Ora, a democracia pressupõe a submissão do Estado ao povo, e a autonomia pretendida é incabível por ir na direção contrária, privilegiando status funcional em detrimento da efetividade da investigação criminal, preterindo a segurança da população e submetendo o poder civil ao poder armado, em prejuízo do  Estado democrático de Direito. 
 
*Doutor em Direito e mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio, professor de Direito Penal, 
procurador regional da República

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