14/09/2015 - 11:53

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Uber: legal ou ilegal?

14/09/2015 - 11:53

Uber: legal ou ilegal?

OAB/RJ promove audiência pública para debater transporte polêmico

EDUARDO SARMENTO
Os questionamentos acerca da legalidade do Uber, que oferece transporte individual remunerado de passageiros por meio de aplicativo de celular, levaram a OAB/RJ a promover audiência pública sobre o tema. O encontro aconteceu no dia 20 de agosto, na sede da Seccional, e reuniu representantes da empresa e dos taxistas, que consideram o serviço ilegal, além de dirigentes de comissões da Ordem relativas ao assunto.

O presidente da casa, Felipe Santa Cruz, abriu a audiência esclarecendo que a intenção da OAB/RJ, como mediadora das posições opostas dos interessados, é buscar uma solução – a ser definida posteriormente pelo Conselho Seccional – que seja benéfica, principalmente, para os usuários. “Não existe advocacia sem contraditório, a paixão do advogado é ouvir, e depois, em cima do contraditório, construir seus argumentos. O que a Ordem intenta nessa mediação, antes de qualquer coisa, é respeitar a polêmica jurídica que existe, inclusive, em nossas comissões. Mas temos uma opinião que nos une: estamos sentindo falta de usar esse debate para discutir também o sistema de transporte e sua qualidade do ponto de vista do usuário, às vésperas das Olimpíadas”, afirmou Felipe.

Ele reforçou a posição da Seccional pela imparcialidade. “Não há nisso nenhum julgamento das partes, mas sim uma vontade da Ordem de ser voz da cidadania, desse usuário que hoje não se encontra satisfeito em sua plenitude com o sistema de transporte no Rio de Janeiro.”

O diretor de relações governamentais da Uber, Daniel Mangabeira, argumentou que o serviço não é ilegal por se tratar de um sistema privado, e não público, de transporte. “Sabemos que a Uber é o expoente de um novo modelo de economia, que causa controvérsia. Queremos agradecer à OAB/RJ por proporcionar o diálogo, porque não temos tido muitas oportunidades para expor nosso posicionamento. A Uber não é um transporte público individual, nosso sistema é privado, que serve a pessoas determinadas. O modelo é, portanto, legal, mas ainda não regulado”, defendeu.

 O assessor jurídico da Organização das Cooperativas Brasileiras do Rio de Janeiro (OCB/RJ) e da Associação Brasileira das Associações e Cooperativas de Motoristas de Táxi (Abracomtaxi), Abdul Nasser, falou em nome dos taxistas. “Não há ilegalidade no aplicativo em si, mas sim no uso que se faz dele. A Constituição prevê a livre concorrência, mas esse é um princípio que precisa ser sopesado com outros. É óbvio que o táxi tem que melhorar, mas há uma série de elementos a serem considerados antes de o poder público decidir pela entrada de novos operadores”, disse Nasser.

Além de Felipe, a mesa foi composta pela secretária-adjunta da OAB/RJ, Fernanda Tórtima; pelos presidentes das comissões de Acompanhamento e Estudo da Legislação do Trânsito, Armando de Souza; de Direito dos Transportes, Jonas Lopes Neto; de Defesa do Consumidor, Roberto Monteiro; de Direito Cooperativo, Ronaldo Gaudio; e pelo assessor especial da direção da casa, Anderson Prezia.

Protestos
O serviço oferecido pelo aplicativo Uber, lançado no Brasil em maio de 2014, resultou em protestos de taxistas em diversas partes do mundo. No Brasil, houve manifestações contrárias à empresa no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Aqueles que são contra o Uber argumentam que se trata de prática concorrente ilegal do serviço de táxi. A empresa, por sua vez, afirma conectar motoristas parceiros a usuários, facilitando a prestação do serviço de transporte privado individual e promovendo o compartilhamento de veículos e de viagens como forma de reduzir a quantidade de carros circulando nas cidades.
 
O debate sobre o assunto chegou às ruas. Na imprensa, cariocas insatisfeitos com a precariedade do serviço oferecido pelos taxistas manifestaram-se favoráveis ao aplicativo.  No meio jurídico, no entanto, é unânime a afirmação da necessidade de regulamentação do serviço. Embora discordem em determinados pontos, Jonas Lopes Neto e Armando Silva de Souza afirmam: hoje, os carros que prestam serviço para o Uber não deveriam circular.

No entendimento de Lopes, o Uber é ilegal e contraria direta e claramente a legislação vigente. Ele cita o artigo 2º da Lei 12.468/2011 como exemplo. “Essa lei federal afirma que é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros”, afirma, antes de lembrar o artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro e a resolução 4.287 da Agência Nacional de Transportes Terrestres, que também trazem uma série de exigências para o transporte remunerado de pessoas.

Para rebater tais argumentos, o Uber se baseia na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), que define duas modalidades diversas de transporte individual de passageiros: o público e o privado. Em resposta aos questionamentos da TRIBUNA, a empresa afirma prestar “serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens
individualizadas”.

Ainda segundo o Uber, “a Lei 12.468/2011 afirma que os táxis detêm exclusividade para oferecer os serviços de transporte público individual remunerado de passageiros. Estes provedores de transporte público individual podem, por exemplo, pegar passageiros nas vias públicas sem terem sido previamente chamados. Já o serviço facilitado pela tecnologia provida pelo Uber se encaixa na categoria de transporte privado individual, serviço de acesso público, mas não aberto ao público, já que dependente da observação de algumas premissas e requisitos (conexão à internet, acesso via smartphone, cartão de crédito válido previamente cadastrado etc.) para sua realização”.

Por fim, a empresa reconhece a ausência de regulamentação específica, ressaltando, contudo, que isso não implica ilicitude. “Um debate regulatório produtivo gira em torno dos contornos que a regulação deverá tomar para acomodar e promover a inovação, e não em torno de banir ou proibir a tecnologia”, diz o texto enviado à revista.

No mesmo sentido, Souza busca na Constituição Federal argumentos para defender uma discussão mais aprofundada sobre o tema por parte do poder público. “Nossa Carta defende os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, salienta. Em que pese ser legal, segundo ele, é fundamental a regulamentação. “Do ponto de vista administrativo os carros estão irregulares, já que foram licenciados como particulares e estão exercendo uma atividade profissional. Cabe à prefeitura habilitar de forma correta o serviço”, explica.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) afirmou não reconhecer o Uber como transporte alternativo, mas sim como uma “prática ilegal, sem regulamentação ou autorização do poder público para fazer o transporte remunerado de passageiros”.
 
Segundo a secretaria, o aplicativo não garante ao usuário a segurança que um sistema de táxi regulamentado oferece, já que os condutores do Uber não passam pelos mesmos critérios nem cumprem exigências requeridas a um taxista pela prefeitura, como a apresentação de antecedentes criminais, seguro de responsabilidade civil e de passageiros, além da vistoria anual nos veículos.

Em contrapartida, o Uber aponta que o percentual de aprovação dos serviços chega a 97% no Brasil e que os motoristas têm avaliação média de 4,85 pontos, em uma escala de 1 a 5. Segundo normas da empresa, aqueles que têm nota abaixo de 4,6 são excluídos do cadastro.

Outra parte interessada, o Sindicato dos Taxistas Autônomos do Município do Rio de Janeiro se posiciona radicalmente contra os serviços do Uber. De acordo com o presidente da entidade, Luiz Antônio Barbosa da Silva, as reivindicações dos motoristas de táxi se restringem ao cumprimento da lei e não têm nada em contrário ao uso da tecnologia. “Não entendemos é a resistência a trabalhar com o transporte legal. Poderiam se associar aos táxis, que são regulamentados para tal. Outros aplicativos já fazem isso, mas o Uber faz questão de trabalhar com carros de particulares e, consequentemente, ficar à margem da lei”, frisa.

Para ele, a própria regulamentação seria complicada, já que os serviços prestados são similares e existe uma fila de motoristas em busca de autonomia. “Existe uma regra e motoristas auxiliares têm prioridade na concessão de habilitação para que se tornem permissionários. Regulamentando os carros que atendem ao Uber, você tiraria o direito dos que estão na espera”, considera.

Em relação às agressões cometidas por taxistas a motoristas e passageiros do Uber, Barbosa se põe frontalmente contra. “Taxista não tem poder de polícia. Da mesma forma que defendemos a legalidade na prestação de serviço, acreditamos que os motoristas podem, no máximo, acionar a polícia a fim de denunciar transporte clandestino”.

A deficiência do transporte nos táxis da cidade foi outro ponto abordado. Barbosa reconheceu a má fama, mas afirmou que a própria prefeitura vem trabalhando, em conjunto com os taxistas, para a melhoria dos serviços. “Como em toda profissão, existem os que mancham a reputação de toda uma classe”, admitiu.

A SMTR confirmou a informação e adiantou que a partir de 1º de outubro próximo, todos os motoristas novos que ingressarem no sistema terão de passar por treinamento e apresentar certificado de conclusão de um curso para a obtenção de autorização para operar táxi. O conteúdo programático está dividido em seis áreas: relações humanas; direção defensiva; primeiros socorros; mecânica e elétrica básicas; noções do Código Disciplinar Municipal e de informações turísticas.

A discussão chegou à Câmara Municipal, que no dia 25 de agosto aprovou, em segunda discussão, por 42 votos a 1, projeto de lei que proíbe a circulação de motoristas que façam transporte particular de passageiros como do Uber. A partir da data da aprovação, o prefeito Eduardo Paes teria 15 dias para sancionar ou vetar a norma, que só então entraria em vigor.

Em paralelo às ações do Legislativo e do Executivo, no dia 14 de agosto o Tribunal de Justiça (TJ) fluminense concedeu liminar a um motorista cadastrado no Uber impedindo a qualquer agente público multá-lo pelo transporte de passageiros.

De acordo com o consultor jurídico da Procuradoria da OAB/RJ, Guilherme Peres, o assunto pode terminar no Judiciário. Segundo ele, caso o prefeito sancione o projeto, cabe recurso junto ao TJ. “Em tese, o Uber poderia ainda entrar com uma representação de inconstitucionalidade alegando que cabe apenas à União regular matéria de transporte”, explicou.

Até o fechamento desta edição, Paes ainda não havia decidido se sancionaria ou vetaria a lei aprovada pelos vereadores. De qualquer forma, a polêmica parece estar longe do fim.
 

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