17/11/2016 - 15:36

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PEC 241

17/11/2016 - 15:36

PEC 241

Proposta vende gato por lebre

PEDRO ROSSI*
No linguajar popular, “vender gato por lebre” é o mesmo que enganar alguém intencionalmente. Pois é o que o discurso oficial tem feito; vende a falsa ideia de que a aprovação da PEC 241 vai trazer crescimento e estabilidade fiscal, mas, no fundo, entrega outro projeto de sociedade, incompatível com a Constituição de 1988. 

Para o remédio funcionar, primeiro é preciso acertar o diagnóstico. Mau começo, a PEC 241 parte do diagnóstico equivocado de que o gasto primário é a principal causa do aumento da dívida pública. Na última década, o Brasil só teve déficit primário nos últimos dois anos; como isso explica o aumento da dívida pública? Esta cresceu por conta da acumulação de ativos públicos (principalmente reservas cambiais), da enorme queda da arrecadação nos anos recentes – decorrente da crise e das desonerações fiscais – e do aumento dos gastos com juros, que em 2015 somaram mais de R$ 500 bilhões (ou 8% do PIB).

Além disso, a defesa da PEC se apoia no argumento de que o ajuste fiscal traz crescimento econômico e redução dos juros. Mas isso é alvo de controvérsia entre os economistas, as experiências com austeridade mostram o contrário; corte de gastos públicos em momentos de crise econômica são contraproducentes e tendem a fragilizar a economia e piorar a situação fiscal. 

O documento Austeridade e retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil [elaborado por iniciativa do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política e Plataforma Política Social] apresenta uma projeção dos gastos públicos do governo federal sob a vigência da PEC 241. O gasto total do governo federal passaria de 20% do PIB em 2015 para 12% em 2036. Nesse mesmo período, os gastos com despesas previdenciárias vão subir de 7,4% do PIB para 9,1% do PIB, em um cenário que já considera a reforma da previdência. Isso significa que os demais gastos serão espremidos.

Ou seja, se o objetivo for congelar o gasto real com saúde e educação, este passará de 4% do PIB em 2015 para 2,7% do PIB em 20 anos, quando a população brasileira será 10% maior. Enquanto que os outros gastos (excluindo previdência e juros), que eram de 7% do PIB em 2015, serão de 0,6% do PIB em 2036.

Nesse contexto, é possível aumentar a qualidade da educação e saúde públicas? É possível enxugar todos os outros gastos (Judiciário, Legislativo, Polícia Federal, Exército, investimento, cultura, bolsa família etc.) para caber em 0,6% do PIB? Talvez nas planilhas dos tecnocratas, mas isso não parece factível aos olhos de qualquer gestor público. A PEC 241, além socialmente injusta e tecnicamente equivocada, é inviável sem a conflagração de graves conflitos dentro e fora do orçamento público.

Em síntese, a PEC 241 não é um plano de estabilização fiscal, mas um projeto de Estado mínimo. Se a sociedade brasileira optar por esse caminho, tudo bem, mas isso sequer está sendo debatido e muito menos foi legitimado em um pleito eleitoral.

Por fim, ser contra a proposta não significa ser contra o ajuste das contas públicas, pois existem diversas alternativas que não sacrificam os gastos sociais e nem comprometem o funcionamento da máquina pública.

*Professor de Economia da Unicamp e diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política

Não suficiente nem necessário para conter a crise fiscal

JOLANDA E. YGOSSE BATTISTI*
Albert Einstein falou uma vez que, “se tivesse uma hora para resolver um problema, gastaria 55 minutos pensando sobre o problema e cinco minutos em soluções”. Começamos, portanto, com o problema. Estamos à beira de uma crise fiscal e, se o governo não tomar medidas para conter essa crise, a inflação voltará com muita força. Diante de dois males – enfrentar reformas fiscais dolorosas ou sofrer os custos da volta de inflação alta –, é preciso escolher o mal menor. Não há dúvida de que cobrar um “imposto” inflacionário gera mais injustiças sociais de que cortar gastos públicos ou cobrar mais impostos. Porém, a solução fiscal apresentada pelo governo na PEC 241 pode não ser uma solução suficiente, nem necessária, para conter essa crise.

O déficit fiscal primário fechará em torno de 3% do PIB esse ano, um aumento de 50% de 2015 para 2016. O déficit fiscal nominal também será mais alto: de 12% do PIB, em 2015, para 13% a 15%, em 2016. Isso colocou a dívida pública em um caminho crescente e não sustentável e aumentou o risco de que o governo no futuro próximo não seja capaz ou disposto a servir a dívida. O default na dívida pública interna se dá na forma de inflação.

Por que a PEC 241 não é suficiente nem necessária para mudar o quadro da insolvência fiscal pendente? Primeiro, pelo mero fato de que essa regra fiscal somente olha para as despesas, não para as receitas. Isto serve outro objetivo: o direcionamento do tamanho do governo. De fato, a proposta não estabilizará a dívida no curto ou médio prazo. Com projeções de que essa dívida aumentará acima de 90% do PIB nos próximos anos, o risco de insolvência aumentará, já que ter uma dívida pública tão alta é algo inédito no país.

Segundo especialistas, regras fiscais diretamente ligadas a sustentabilidade fiscal são aquelas que determinam limites para a dívida e o déficit público. O Brasil operou de 1999 a 2008 com um compromisso claro de manter superávits primários compatíveis com esse objetivo. Isso mudou com a adoção de políticas de redução de tributos, inicialmente em resposta à crise mundial, mas logo em seguida como escolha de política econômica.

Mesmo que adotar um teto de gastos não necessariamente resolva a crise fiscal, pode haver outros méritos em determinar o tamanho do governo através de limites nos gastos, prática já adotada em vários países no mundo. Porém, há diferenças importantes entre a PEC 241 e a prática internacional que merecem uma discussão mais profunda. Qualquer teto determina o espaço fiscal para políticas sociais. É inédito determinar esse espaço na Constituição. É também inédito determinar isso para os próximos seis governos. Além disso, a falta de transparência dos projetos de lei orçamentária dificulta avaliar o impacto da PEC na sociedade nos próximos 20 anos. A adoção de um limite genérico de gastos não é comum, pois não resolve a questão importante sobre quais deles o governo deveria cortar, o que pode resultar em alterações da distribuição dos que não reflitam a preferência do eleitor mediano. 
 
*Economista e professora de macroeconomia e economia brasileira na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundacão Getúlio Vargas


 

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