14/10/2015 - 16:46

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Eleições: o que muda para 2016

14/10/2015 - 16:46

Eleições: o que muda para 2016

STF acata ação do Conselho Federal da OAB e proíbe doação de empresas para campanhas; reforma eleitoral promove outras mudanças
 
VITOR FRAGA
As próximas eleições municipais, em 2016, serão realizadas em um cenário bastante diferente em relação aos últimos anos. No centro de uma polêmica entre Legislativo, Judiciário e Executivo, cujo desfecho durou pouco mais de uma semana, estava um ponto central: a questão sobre quem pode doar recursos para partidos e candidatos. Após a aprovação do Congresso, em 9 de setembro, da “minirreforma eleitoral” (Projeto de Lei 5.735/13) que modificou alguns pontos da legislação, um dispositivo acabou por entrar em choque direto com julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) concluído no dia 17. Por oito votos a três, a corte acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, impetrada pelo Conselho Federal da OAB, que argumentava que a doação por pessoas jurídicas feria o princípio constitucional da isonomia. 

A decisão judicial tornou, assim, ilegal um dos artigos da proposta aprovada no Parlamento (que regulamentava esse tipo de financiamento), e que acabou sendo vetado pela presidente da República ao sancionar a lei no fim do mês passado. Como ambas as decisões estão dentro do prazo de um ano anterior ao pleito, valem já para as próximas eleições, cujas campanhas poderão ser financiadas apenas por doações de pessoas físicas – além do fundo partidário e do uso da rede de telecomunicações a que cada legenda tem direito.

Por outro lado, existe ainda a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 182/07, aprovada na Câmara e atualmente em tramitação no Senado, que pretende, entre outras mudanças, transformar o financiamento empresarial em artigo constitucional – o que poderia significar o retorno à batalha jurídica em torno do tema. Juristas ouvidos pela TRIBUNA consideram que uma emenda constitucional não pode afrontar cláusulas pétreas, caso do princípio da isonomia, o que garantiria o cumprimento da decisão do STF. Mas como ficam, então, as eleições municipais de 2016?
 
Empresas não podem financiar
A ação junto ao STF, proposta pelo Conselho Federal em setembro de 2011, começou a ser julgada em março de 2014. Porém, quando a votação já estava 6 a 1 pelo fim das doações empresariais, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e a sessão foi suspensa por um ano e meio, sendo retomada somente no mês passado. Concordaram com a tese da Ordem os ministros Luiz Fux, relator do caso, Rosa Weber, Cármem Lúcia, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Foram favoráveis à manutenção do investimento empresarial os ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Celso de Mello.

O financiamento de campanhas eleitorais no Brasil, dessa forma, permanece sendo público e privado. Candidatos e partidos podem receber dinheiro do fundo partidário (composto por recursos do orçamento, multas, penalidades e doações) e de pessoas físicas, até o limite de 10% do rendimento do ano anterior ao da eleição. Este último item havia sido alterado pelo Senado (que propôs como teto fixo o valor total de rendimentos do doador) na votação do Projeto de Lei (PL) 5.735/13, mas ao aprovar o texto final da minirreforma a Câmara restabeleceu o critério.

O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, elogiou os esforços da OAB. “Quando empresas escolhem determinados candidatos, elas estão fazendo um investimento, que muitas vezes vem acompanhado da devida contraprestação, que é a vantagem indevida e ilegal em contratos públicos. Defendemos não o financiamento público, mas o financiamento individual nas campanhas”, afirma.

Já o presidente do Conselho Federal, Marcus Vinícius Furtado, usa a expressão “não há almoço grátis” para resumir a posição da entidade. “Chamamos de investimento empresarial em candidatos e partidos, para deixar bem claro do que se trata. Ninguém doa milhões de reais a um candidato por amor à pátria. Salvo honrosas exceções, há sempre um interesse por trás, um interesse político-ideológico, em obras, em aproximação”, avalia Furtado. Ele rebate os argumentos de que a decisão aumentará a prática conhecida como caixa dois. “Muitos alegam que, como consequência, haverá caixa dois. Mas então o que se deve fazer? Legalizar o que está errado para que, quando aconteça, esteja na lei?”, questiona.

O secretário-geral da OAB Nacional e conselheiro federal pelo Rio de Janeiro, Claudio Pereira de Souza Neto, diz que a decisão é uma grande vitória da Ordem e um avanço para o país. “Não era mais possível que as eleições fossem dominadas pelo poder das empresas, isso era ruim para a democracia. O próximo passo é a criminalização do caixa dois. A OAB irá lançar em breve uma campanha com o objetivo de propor o fim dessa prática, que contribui para a corrupção”, adianta. O vice-presidente da Comissão de Estudos em Processo Civil (Ceproc) da Seccional, Guilherme Peres, também considera que a decisão reforça princípios importantes para a democracia. “Uma empresa não tem ideologia, quem exerce cidadania é que deve ter o poder de influenciar as eleições, seja votando ou financiando. Isso tudo é cláusula pétrea, é a formação do próprio Estado de Direito”, argumenta.
 
Polêmica jurídica
A decisão do Supremo tem eficácia imediata, ou seja, entra em vigor de pronto. Com isso, dois conflitos poderiam surgir: por um lado, com a minirreforma eleitoral, sancionada no fim do mês passado, e por outro, com a PEC 182/07, que tramita no Senado.

Em relação ao PL 5.735/13 – que altera dispositivos do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), da Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) e da Lei das Eleições (9.504/97) –, a eventual contradição foi resolvida, em tese, com o veto da presidente Dilma Rousseff ao trecho que tornava legal a doação de empresas (foram sete vetos ao todo), reforçando o entendimento do Supremo. “Tínhamos a convicção de que a presidente iria vetar esse artigo. Quando a lei é inconstitucional, cabe ao presidente vetá-la, é um poder-dever. É papel da chefe do Executivo sancionar apenas as leis que não sejam inconstitucionais”, diz Claudio Pereira. 

Guilherme Peres ressalta que alguns ministros já haviam se manifestado no sentido de que a lei nascia com um item inconstitucional, o que endossava a convicção de que, caso fosse necessário entrar com outra ação, o entendimento do STF provavelmente seria o mesmo. “Não é automático que o projeto de lei seja inconstitucional. O Supremo pode mudar de posição sobre a constitucionalidade ou não de uma lei, não é só uma questão abstrata, tem um substrato de realidade. Porque a sociedade pode mudar de alguma forma, cultural ou socialmente. Mas, nesse caso, nada aconteceu em poucas semanas que justifique essa eventual alteração de posição”, analisa. 

Ele lembra ainda que, tecnicamente, o veto da presidente pode ser derrubado. “Nesse caso, os legitimados para a ADI poderiam entrar com uma nova ação, pedindo medida cautelar para suspender os efeitos da lei imediatamente. Certamente o Supremo concederia, porque acabou de declarar a inconstitucionalidade. O único risco que existe é a relatoria cair para um dos que tenham votado contra a ADI, e esse ministro não conceder a medida cautelar. Mas isso seria absolutamente contraditório com a ideia de que o Supremo é um órgão colegiado”, defende Peres.

Segundo o professor da FGV Direito Rio Michael Mohallem, não se pode dizer que a derrubada do veto seja uma possibilidade remota, dada a “situação de antagonismo do Congresso” em relação ao governo. “Por outro lado, derrubar um veto exige maioria absoluta, o que nem sempre é simples de se conseguir. Ou seja, a possibilidade existe mas vai depender do grau de interesses e capacidade de articulação do Congresso. Caso se consiga derrubar o veto, rapidamente o Supremo pode ser provocado e possivelmente concederia a cautelar para tornar inaplicável a lei. Não sei se o Congresso vai querer esse desgaste”, pondera.

A PEC 182/07, por sua vez, ainda não foi votada pelo Senado – o que, em princípio, impede que sua eventual aprovação valha para as próximas eleições, já que falta menos de um ano para o pleito. Como, durante a tramitação do PL 5.735/13, o Senado manifestou-se contrário ao financiamento por empresas – foram 36 votos pela rejeição e 31 favoráveis –, a expectativa é que mantenha sua posição. No entanto, ainda que a casa mude o entendimento, a PEC estaria prejudicada pelo fato de que não pode se chocar com cláusulas pétreas da Carta. “De fato, a igualdade é uma cláusula pétrea, e não pode ser afrontada por uma emenda constitucional. Alguns ministros do STF, como Luiz Fux, já se manifestaram nesse sentido”, diz Claudio Pereira.

Especialista em Direito Público e professor da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Rafael Tomaz de Oliveira considera a interpretação possível, mas alerta para o fato de que a solução não pode ter perspectiva puramente normativa. “Ela precisa considerar os aspectos políticos envolvidos. E, com relação a estes, parece-me claro que a intensidade da intervenção judicial no caso acabará levando a uma série de descompassos e imbróglios jurídicos que serão difíceis de resolver”, critica. Para Oliveira, é preciso considerar os limites da Justiça. “A própria Constituição, no artigo 102, parágrafo 2º, coloca o Legislativo a salvo da vinculação, dizendo que as decisões do STF em ações direta de inconstitucionalidade serão vinculantes para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a administração pública. E exclui-se por um motivo óbvio: somos um Estado democrático de Direito e não uma ‘juristocracia’. Corremos o risco de transformar o STF numa espécie de ‘poder constituinte do B’ e, com isso, enfraquecermos nossa democracia”, conclui.

O professor Mohallem observa que, apesar de a maioria dos senadores já ter votado de forma contrária ao financiamento por empresas, o cenário pode mudar muito rapidamente. “A questão da cláusula pétrea ainda não é clara. É preciso esperar o acórdão do STF. Se a decisão foi de fato calcada em cláusula pétrea, aí sim a PEC poderia estar prejudicada. Porém, alguns votos parecem ter interpretado o artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, que fala em normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”, explica. 

Nesse caso, alguns ministros podem entender que, ao estabelecer limite linear para doação, não haveria afronta à Constituição. “A participação exagerada do capital de empresas feriria a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral, mas não seria o caso se um teto razoável fosse estabelecido. São linhas de argumentação, quando tivermos a publicação do acórdão e todos os votos conhecidos, teremos mais certeza, e mesmo assim a questão só deverá ser resolvida com a manifestação do STF em novo processo sobre a eventual emenda constitucional”, afirma Mohallem, acrescentando uma ressalva importante: “Lembro que a PEC 182/07 foi aprovada por uma ‘pedalada constitucional’ do presidente da Câmara, em um processo que violou a Constituição porque a matéria foi posta duas vezes em votação. O STF pode então pôr em votação a questão processual, se antecipar e liquidar a questão antes mesmo de a matéria ser votada pelo Senado”.

Na opinião de Guilherme Peres, a defesa de PEC seria uma “manobra do Congresso” para incluir na Constituição a permissão para o financiamento empresarial, visando a eliminar a possibilidade de o Supremo manifestar-se em contrário. “Isso não é verdade. O próprio presidente Lewandowski já se manifestou dizendo que toda a fundamentação para a decisão foi baseada em cláusula pétrea, em princípios fundamentais. Toda PEC está sujeita a controle de constitucionalidade”, reforça. Ele critica a continuidade da tentativa de legalizar a doação de pessoas jurídicas para campanhas. “Embora juridicamente possível, é absolutamente reprovável que o Congresso aprove uma lei igual a outra que acabou de ser declarada inconstitucional, sem qualquer mudança na sociedade que justifique isso. Seria desafiar a autoridade do STF”, condena Peres.
 
Outras alterações
A questão do financiamento de campanhas não é a única mudança na legislação para as próximas eleições. Entre as principais, a que permitiu a “doação oculta” gerou bastante polêmica. Uma resolução de 2014 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que se aplicava também às pessoas jurídicas, exige que a doação feita ao partido e depois repassada aos candidatos deve ser identificada, permitindo que se conheça quem financiou cada candidato individualmente.

A minirreforma acaba com esse rastreamento, definindo que nesses casos os valores serão declarados somente como repasse das próprias legendas, “sem individualização dos doadores”. A ADI proposta pelo Conselho Federal pedia também que o Congresso fosse instado a debater um limite de financiamento individual. “O limite fixo é justamente para reforçar a isonomia. Hoje ele é percentual, quem é mais rico tem mais poder de influenciar a eleição”, completa Peres.

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