14/10/2015 - 16:34

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OAB/RJ e subseções firmam compromisso em favor do Paraíba do Sul

14/10/2015 - 16:34

OAB/RJ e subseções firmam compromisso em favor do Paraíba do Sul

Conscientização ambiental e plantio de árvores nas margens do rio estão entre as ações que serão promovidas em todo o estado
 
NÁDIA MENDES
A crise hídrica enfrentada pelo Sudeste em 2014 está bem longe de ser um problema superado. Um dos rios mais importantes da região, o Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 75% da população do Estado do Rio de Janeiro, está degradado e assoreado. Preocupada com o futuro do abastecimento de água e com a situação ambiental, a OAB/RJ deu partida, em 14 de setembro, com um ato em Três Rios, em uma campanha em defesa do rio. Dezoito subseções se comprometeram a agir como multiplicadoras da ideia de ajudar em sua preservação e recuperação.

O presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, destaca que os problemas ambientais estão cada vez mais presentes na vida da população: “Essa é uma discussão urgente e não distante, como imaginávamos há alguns anos. É uma questão fundamental para a sobrevivência produtiva do nosso estado e para a população que depende da água do Paraíba do Sul, milhões de pessoas. E a OAB/RJ tem a credibilidade necessária para atrair atenção para o tema”. Ele explica que os presidentes de subseção irão escolher áreas em suas comunidades para reflorestar e propagar a campanha, levando a iniciativa para todo o estado. “Esse reflorestamento será o símbolo da nossa esperança”, diz Felipe.

Segundo o presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ, Flávio Ahmed, é muito importante incluir essa discussão de forma permanente na pauta da entidade e mobilizar advogados e cidadãos, com debates e acolhimentos de medidas que visem a alcançar os objetivos propostos. “Nossa atuação se dará junto a empresas e departamentos jurídicos para despertar a necessidade de campanhas por um uso consciente da água, além de acompanhar as medidas anunciadas pelo poder público, que poderão, em curto e longo prazos, minimizar a crise hídrica”.

Ahmed explica que, além de atuar junto aos órgãos oficiais, a Ordem também terá irá ao Judiciário, propondo ações relacionadas ao saneamento básico. “Um dos grandes entraves no abastecimento hídrico não é a quantidade de água, mas a qualidade, comprometida pelo despejo de efluentes líquidos. Ações pontuais são necessárias para que o poder público cumpra sua função constitucional de garantir o pleno estabelecimento do direito ao saneamento ambiental”, esclarece.

A falta de tratamento de esgoto é outro fator que intensifica o problema da qualidade da água. “Com o adensamento das cidades que cresceram às margens do Paraíba do Sul, não houve preocupação em cuidar da faixa de proteção marginal. Onde existe cidade às margens do rio, existe degradação, assoreamento e despejo de materiais biológicos”, explica Ahmed.

O volume útil do reservatório da bacia do Paraíba do Sul está pela metade em relação ao mesmo período do ano passado. A Agência Nacional de Águas (ANA) divulga periodicamente os dados referentes à bacia e, em 22 de setembro de 2015, o volume era de 335 metros cúbicos, o que equivale a 7,71% do volume útil total. Em 2014, na mesma data, o armazenamento era de 14,3%.

Segundo relatório do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão vinculado à Secretaria Estadual do Ambiente e responsável por executar as políticas ambientais de recursos hídricos e de recursos florestais no Rio de Janeiro, além das indústrias e das atividades agrícolas, o Paraíba do Sul abastece, direta ou indiretamente, cerca de 12,3 milhões de habitantes. 

Mas, mesmo o rio sendo tão importante, sua situação preocupa. Em Santo Antônio de Pádua, por exemplo, os sinais de descaso são claros, com grandes pontos de assoreamento e poluição. Segundo o presidente da OAB/Pádua, Adauto Furlani, o rio enfrenta a pior baixa da história na cidade. “Tivemos uma grande cheia em 2011, desde então a vazão vem diminuindo”, diz. Além de 2011, Pádua passou por grandes enchentes em 1979 e 2008 e a solução encontrada pelo governo foi construir diques de contenção e muros de concreto nas margens do rio para conter possíveis inundações. “Esse projeto foi posto em prática sem comunicar à população e à sociedade civil organizada. É um projeto sem a documentação devida e, muito menos, estudo de impacto ambiental”, salienta.

A OAB/Pádua procurou o Ministério Público Federal e deu início a um inquérito civil. “A orientação do MPF foi pela paralisação das obras até a apresentação do estudo de impacto ambiental, documentação mínima exigida”. As obras estão paradas desde junho, mas Furlani diz estar receoso de que a empreiteira responsável apresente um estudo de impacto e retorne às atividades, já que os funcionários estão realizando as medições nas margens do rio. “A sociedade civil organizada de Pádua contratou um engenheiro especialista nesse tipo de obra. Ele nos informou, categoricamente, que esta não é a medida adequada. Diques e muros de contenção não são obras a serem feitas dentro de cidades”.

Segundo Furlani, uma das preocupações é em relação a possíveis vítimas em decorrência de um eventual rompimento dos diques de contenção. “Nessas grandes três enchentes não houve perda de vidas.
 
Obviamente, a população foi prejudicada quando o rio subiu, as pessoas tiveram que ser retiradas de suas casas nos locais alagados. Com o rompimento de um dique, a possibilidade de vítimas fatais é iminente e quase certa. Um dique de terra batida já foi construído, acarretando alto risco para a população das proximidades”, observa.

E os problemas se repetem em toda a extensão do Paraíba do Sul, com algumas particularidades em cada região. Na outra ponta do estado, em Três Rios, Sul Fluminense, além do assoreamento, é possível ver uma espécie de “tapete verde” em um trecho do rio, graças à multiplicação da gigoga, planta que se prolifera na poluição.

Segundo o Inea, o período de estiagem severa começou em abril de 2014 e desde então o órgão vem trabalhando para economizar os estoques de água dos reservatórios da bacia fluvial. “Graças à economia de 1,62 trilhão de litros de água, temos conseguido garantir a segurança hídrica do conjunto de usuários, com prioridade para o abastecimento humano. Essa economia permitiu, ainda, criar um estoque substancial de água para atravessar o atual período seco, que vai de maio a outubro”, afirma o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa.

Ainda de acordo com o secretário, os últimos meses foram ainda mais secos que os de 2014, o que acelerou o esvaziamento dos reservatórios. “Persistindo este cenário, serão utilizadas as reservas técnicas emergenciais dos reservatórios, se necessário, com o objetivo de evitar o desabastecimento dos usuários fluminenses”, explica, reforçando o apelo pelo uso consciente da água.

Entretanto, a falta de chuvas não é o único fator preocupante. Para o membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ João Theotonio Mendes, a interferência humana na natureza é determinante. “A população precisa preservar a mata ciliar para que não ocorra o assoreamento. E é preciso que os responsáveis pela água façam o tratamento correto do esgoto, evitando que seja despejado ao natural nos rios. É um trabalho conjunto”, destaca. Em relação ao consumo, Mendes defende que a economia tem que partir de todos os usuários. “É importante ressaltar que a maior parte da água vai para o agronegócio, principal vilão do consumo, e as indústrias vêm em segundo lugar. A população consome muito menos, o que não a isenta de responsabilidades. É preciso cobrar posicionamento e ação dos governantes”. 

O engenheiro civil e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jefferson Martins explica que o descaso com o rio acontece há bastante tempo, com o “uso irresponsável e perdulário, já que nem os cidadãos nem as autoridades têm cuidado com o Paraíba do Sul”. Martins critica a falta de incentivo ao reuso da água e a formas alternativas de captação, para diminuir a dependência do rio. “As indústrias deveriam ter uma política de racionamento de água e de energia, poderiam aproveitar água do subsolo. A Baía de Sepetiba, por exemplo, é bastante promissora em água subterrânea. Mas isso é caro. A água mais barata vem do Guandu”. 

O sistema Guandu é responsável pela maior parte do abastecimento do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense e recebe água do Paraíba do Sul por meio da transposição deste para a bacia do Rio Ribeirão das Lajes, constituída das usinas elevatórias de Santa Cecília e do Vigário. 

Segundo Martins, a exploração desenfreada do Paraíba do Sul vem desde o ciclo do café e é preciso um esforço conjunto dos três estados que o rio percorre para tentar melhorar a situação. “O Rio de Janeiro é altamente dependente do Paraíba do Sul e mesmo assim há um abandono total. Em São Paulo, existem alguns estudos de perspectiva de crescimento populacional, vazão e proteção do rio, mas nada foi implementado. Já Minas Gerais não tem uma tradição de proteção de seus mananciais. O estado não cuidou do São Francisco, por exemplo. E os rios que mais contribuem para o Paraíba do Sul a partir de Três Rios são os que vêm de Minas Gerais, como o Muriaé, o Pomba e o Carangola. A partir do reservatório do Funil não existe mais nenhuma represa de acumulação de água para regulação de vazão. Tornou-se muito complexo cuidar da calha do Paraíba do Sul e proteger a bacia como um todo”, afirma.

Participaram do ato em Três Rios, além do presidente da Seccional, os presidentes das subseções de Angra dos Reis, Cid Magalhães; da Barra da Tijuca, Ricardo Menezes; de Cambuci, Tony Correa; de Duque de Caxias, Geraldo Menezes; da Ilha do Governador, Luiz Carlos Varanda; da Leopoldina, Frederico Mendes; de Madureira e Jacarepaguá, Remi Ribeiro; do Méier, Humberto Cairo; de Mendes, Paulo Afonso Loyola; de Paraíba do Sul, Eduardo Langoni, de Piraí, Gustavo de Abreu dos Santos; de Santo Antônio de Pádua, Adauto Furlani; de Resende,  Samuel Carneiro; de Rio Claro, Adriana Moreira; de São Fidélis, Rodrigo Gentil; de Três Rios, Sérgio de Souza; de Valença, Fábio dos Anjos; e a representante da subseção de Vassouras, Vivian Rocha.

Transposição em curso 
Segundo o Inea, um acordo que garante a segurança hídrica na bacia do Paraíba do Sul foi firmado em março. Pelos termos do documento, todas as decisões relativas à gestão compartilhada da bacia vão exigir a anuência dos três estados antes de serem oficializadas pela ANA. Além disso, o limite mínimo de vazão na elevatória de Santa Cecília não poderá ser inferior a 190 metros cúbicos por segundo. O acordo passa a valer após o período de estiagem severa na bacia e vai redefinir as condições de operação do sistema hidráulico do rio.

O documento também avalizou a viabilidade hidrológica da transposição para o Sistema Cantareira, em São Paulo, com início das obras em 2 de outubro. Uma adutora de 13,4 quilômetros fará a transposição da represa Jaguari para a Atibainha, um dos reservatórios do Cantareira.

Desde 27 de agosto, a captação no Paraíba do Sul para o sistema Guandu caiu de 80 para 75 metros cúbicos por segundo. Segundo boletim divulgado pela ANA, o reservatório de Paraibuna, maior entre os quatro da bacia do Paraíba do Sul, atingiu 1,36% de seu volume útil, o que significa que está bem próximo de atingir o volume morto, quando a água precisa ser puxada por bombas. 
 
 
      Medidas propostas pela Seccional
  • Mobilizar e conscientizar advogados, ONGs e empresas para gerar campanhas de reflorestamento
  • Atuar junto a departamentos jurídicos de empresas para a criação de campanhas de uso consciente da água
  • Acompanhar e cobrar medidas anunciadas pelo poder público que podem, em curto e longo prazos, minimizar a crise hídrica. Um exemplo é a construção do Guandu 2, que ampliaria a produção de água em 30%
  • Verificar e monitorar a implementação do Plano de Ações Complementares para a Gestão da Crise Hídrica na Bacia do Rio Paraíba do Sul, publicado em junho de 2015 pela ANA. O plano apresenta soluções de otimização de captação e gestão do rio pelos municípios banhados por ele
  • Propor ações que garantam o pleno estabelecimento do direito ao saneamento básico ambiental
  • Incluir o tema de forma permanente na pauta da OAB/RJ, com discussões e acolhimento de medidas que visem a alcançar os objetivos propostos
 
Nas águas de um rio, três estados
O Paraíba do Sul resulta da confluência dos rios Paraibuna e Paraitinga, nasce em São Paulo, atravessa todo o Estado do Rio de Janeiro e deságua no Oceano Atlântico, em São João da Barra. Ele também estabelece o limite entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em seu leito, estão localizados os reservatórios das usinas hidrelétricas de Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Funil – o único no Rio.

Um dos mais importantes do Sudeste, corresponde a quase metade do território fluminense. Dos 44 mil quilômetros quadrados do estado, 21 mil estão na bacia do Paraíba do Sul, que tem uma área de aproximadamente 62 quilômetros quadrados e abrange 184 municípios, 88 em Minas Gerais, 57 no Rio de Janeiro e 39 em São Paulo.

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