14/10/2015 - 17:04

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Sinal de alerta

14/10/2015 - 17:04

Sinal de alerta

Entre as diversas peculiaridades do Brasil, algumas podem ser bem incômodas. Uma delas é o descumprimento de legislações específicas, sobre diversos assuntos. São as famosas leis que não “pegam”. Para buscar entender o fenômeno e suas causas, a TRIBUNA inicia em outubro uma série de reportagens sobre o tema. As sinaleiras sonoras de garagem são o primeiro assunto abordado. Abolidas por lei municipal aprovada em 2012, elas podem ser vistas – e ouvidas – por toda a cidade.
 
EDUARDO SARMENTO
Principal causa de perda de audição, a poluição sonora é um dos maiores problemas enfrentados nas grandes cidades e motivo de alerta para ambientalistas, médicos e legisladores. A preocupação em elaborar leis com o intuito de minimizar prejuízos à saúde e garantir o conforto da população é antiga. A Lei do Silêncio, por exemplo, está em vigor no estado desde 1977. Algumas determinações, no entanto, são frequentemente desrespeitadas. É o caso da Lei 5.526/2012, que veda a instalação e funcionamento de sinaleiras sonoras de entrada e saída de veículos em edificações situadas em bairros e logradouros residenciais no município do Rio de Janeiro.

Basta caminhar pelas ruas da cidade para constatar que, apesar de estar em vigor há três anos, a norma é frequentemente ignorada. Autor da lei, o vereador Dr. João Ricardo (SD), explica a proposta. “Fui procurado por muitas pessoas que viviam em locais de grande adensamento populacional, especialmente Botafogo e Copacabana, com a mesma reclamação: as sinaleiras de garagem que tocam noite e dia, perturbando o descanso dos cidadãos. Fizemos estudos, procuramos leis similares em outros locais e encaminhamos o projeto, que teve parecer positivo de todas as comissões da Câmara Municipal”, relata. 

O presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ, Flávio Ahmed, confirma a questão como um dos desafios enfrentados pela sociedade urbana. “A poluição sonora é líder de queixas nas grandes cidades e o número de reclamações aumenta. A exposição frequente a ruídos pode causar depressão, fadiga e estresse, além da perda de audição em casos mais graves”, detalha.

Ao ser questionado sobre o porquê da resistência dos condomínios em cumprir uma legislação aparentemente simples, João Ricardo conta que o principal temor dos síndicos é serem responsabilizados em caso de acidentes na saída das garagens. “É um receio injustificado, já que os motoristas são os responsáveis pelo que acontece quando estão ao volante”, ressalta.

A explicação do vereador é confirmada pelo produtor cultural Nano Ribeiro. Morador da Praia de Botafogo, ele vive no segundo andar de um prédio cuja sinaleira não foi desligada. “Pela manhã, é como se fosse um despertador. Como a garagem é pequena e os carros precisam ser manobrados para que caibam todos, por vezes a sinaleira toca por quase dez minutos ininterruptos”, relata. Segundo Nano, o fato de os porteiros muitas vezes manobrarem os veículos dificulta um acordo. “Eles ficam com medo de acontecer algo e serem responsabilizados, por isso deixam o som ligado”, constata.

Situação semelhante pode ser observada em diversos pontos de Copacabana. Na Rua Pompeu Loreiro, cinco edifícios em sequência possuem sinaleiras com o alerta sonoro ativado. A denúncia é feita pelo contador Maurício Cordeiro, que possui um apartamento do outro lado da rua, em frente ao conjunto. “O barulho acontece em qualquer horário, em qualquer dia da semana. Desde gente chegando de festas às 2h até o pessoal indo trabalhar às 6h. Um inferno”, resume. Para ele, o cuidado que deve ser tomado por motoristas ao sair das garagens torna desnecessário o alerta sonoro. “A calçada já é do pedestre. O carro não pertence àquele lugar e, portanto, deve aguardar a liberação e sair devagar”, afirma.

João Ricardo argumenta no mesmo sentido e rechaça o principal argumento dos que se opõem à legislação. “Em nenhum dos municípios onde leis parecidas foram aprovadas houve registros de acidentes com deficientes visuais decorrentes do desligamento do alerta sonoro. Basta que os motoristas dirijam com cuidado e respeitando as normas de trânsito”, sublinha. O vereador confirma que continua sendo procurado para tratar de questões referentes à lei. “Sempre que recebemos reclamações, encaminhamos à Guarda Municipal e enviamos uma cópia da legislação ao condomínio”, explica.

Em caso de descumprimento, a lei prevê advertência por escrito, notificando-se o infrator para sanar a irregularidade em 30 dias. Caso o alerta sonoro não seja desativado, o condomínio está sujeito ao pagamento de multa de R$ 1.500. Os síndicos dos prédios visitados não foram encontrados pela reportagem.
 

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