11/02/2014 - 18:04

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As ações de nulidade de patentes mailbox para produtos farmacêuticos

11/02/2014 - 18:04

As ações de nulidade de patentes mailbox para produtos farmacêuticos

GABRIEL LEONARDOS*
 
A recente propositura de centenas de ações de nulidade das patentes mailbox pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial gerou perplexidade nos titulares de direitos de propriedade intelectual (INPI). São chamadas de mailbox as patentes que visam a proteger produtos farmacêuticos e produtos químicos para a agricultura (doravante “pfpqas”) e que foram depositadas, no Brasil, entre 1º de janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997. A proteção assegurada por tais patentes ainda está em vigor no Brasil, e o término de sua vigência deverá ocorrer ao longo dos próximos anos.

Ocorre que o acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), do qual faz parte o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Adpic), entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 1995. Naquele momento, passou a valer a norma do artigo 70, § 8 do Adpic, segundo a qual o Brasil deveria passar a aceitar pedidos de patente para os “pfpqas”. Lembre-se que tais produtos, segundo a lei interna então em vigor no Brasil na época (Lei 5.772/71), não eram patenteáveis.

Sobreveio a nova lei brasileira de patentes (Lei 9.279/96 - LPI), que aboliu a maior parte das antigas restrições à patenteabilidade, mas não implementou a regra do artigo 70, § 8 do Adpic. A LPI entrou em vigor um ano após sua publicação, em 15 de maio de 1997, e apenas a partir desse dia passaram a ser aceitos pedidos de patente para “Pfpqas”. Ou seja, durante quase dois anos e meio o Brasil descumpriu a regra do acordo internacional, algo que poderia acarretar sanções ao país.

A fim de remediar a situação, em 1999 o governo brasileiro editou a Medida Provisória 2.006 (posteriormente convertida na Lei 10.196/2001), através da qual o artigo 229 da LPI foi modificado, passando-se a permitir que fossem deferidos pelo INPI os pedidos de patentes para “pfpqas” que foram apresentados entre 1º de janeiro de 1995 (quando entrou em vigor o Adpic) e 14 de maio de 1997 (último dia de vigência da lei antiga de patentes – Lei 5.772/71). 

Ocorre, porém, que a nova redação do artigo 229 da LPI dispôs que os pedidos de patentes mailbox seriam decididos pelo INPI até 31 de dezembro de 2004, e que o prazo de vigência de tais patentes estaria limitado ao prazo do caput do artigo 40 da LPI, segundo o qual a vigência das patentes no Brasil é de 20 anos contados do depósito.

Ou seja, aparentemente, o artigo 229 da LPI não permite que se aplique o prazo do parágrafo único do artigo 40 da lei, que assegura ao titular da patente a vigência mínima de dez anos após a concessão, e que se destina exatamente a compensar o titular da lentidão no processamento administrativo pelo INPI (o qual, corriqueiramente, demora mais de dez anos para examinar e conceder uma patente).

Não haveria qualquer dúvida caso o INPI tivesse cumprido a norma que o obrigava a decidir os pedidos de patentes mailbox até 31 de dezembro de 2004, mas, como o prazo não foi cumprido, tais pedidos de patentes tiveram seu exame concluído somente após decorridos mais de dez anos de tramitação, e, naquele momento, o INPI outorgou aos mesmos o prazo suplementar de dez anos, contados a partir da concessão.

Pois bem: recentemente o presidente do INPI aprovou um parecer jurídico interno que defende a tese de que o instituto errou ao conceder o prazo maior, de dez anos após a concessão, pois deveria ter limitado a vigência da proteção a 20 anos contados do depósito.

Percebe-se que, de um lado há uma norma que parece não autorizar a concessão do prazo suplementar de vigência, e, de outro lado, há o descumprimento, pelo INPI, do prazo dentro do qual deveria ter exarado sua decisão, além da proibição, no próprio Adpic (artigo 27, § 1), de que exista qualquer discriminação de direitos patentários com base no setor tecnológico.
 
Embora a única dúvida interpretativa consista no correto prazo de vigência dessas patentes, surpreendentemente, o INPI optou por mover ações judiciais de nulidade, e está pleiteando judicialmente que seja declarada a invalidade das patentes mailbox. Como se sabe, caso declarada a nulidade, é como se jamais tivesse existido a patente: a decisão retroage à data da concessão, e desta circunstância podem advir consequências jurídicas relevantes. Apenas como pedido sucessivo, caso não seja declarada a nulidade, requer o INPI em juízo que seja corrigido o prazo das patentes.

Essa conduta do INPI gerou, compreensivelmente, indignação para muitos titulares de patentes nessa situação. Deve-se lamentar que o instituto tenha optado por pleitear judicialmente a nulidade de patentes que foram regularmente examinadas e concedidas, uma conduta que demonstra hostilidade ao sistema de patentes. Resta confiar que o Poder Judiciário brasileiro irá rejeitar completamente os requerimentos de nulidade e limitar-se a decidir a respeito do correto prazo de vigência das patentes mailbox.
 
*Presidente da Comissão de Propriedade Industrial e Pirataria da OAB/RJ, mestre em Direito (USP)

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