11/02/2014 - 17:42

COMPARTILHE

O lobby deve ser regulamentado?

11/02/2014 - 17:42

O lobby deve ser regulamentado?

Foco deve estar na abertura do processo de decisão política

CAIO LEONARDO BESSA RODRIGUES*

 
Lobby é um termo cujos significados, mais do que diferentes, são conflitantes. Numa acepção, lobby é a antítese da República, a intromissão do interesse privado no processo de decisão política por meio da captura do tomador de decisão com oferta de vantagem ilícita. Nessa acepção, é um instrumento do “patrimonialismo” que Raymundo Faoro identificou nas relações entre o público e o privado na constituição da sociedade brasileira, e que pode ser definido pela prática da apropriação da esfera política pela esfera privada. Noutra acepção, aquela designada como “relações governamentais”, é a atividade por meio da qual os atores sociais impactados por proposições legislativas (Parlamento) ou por políticas públicas (Executivo) fazem chegar aos tomadores de decisão política a sua visão sobre a matéria, com o intuito de (i) mitigar riscos econômicos, sociais, institucionais ou operacionais; (ii) oferecer modelo mais equilibrado; (iii) apresentar sugestões pontuais para o melhoramento da proposição; (iv) apresentar fatos, dados e informações importantes para a melhor compreensão do universo sobre o qual a medida terá impacto, de modo a que o tomador de decisão pondere mais elementos na formulação de proposição legislativa ou política pública; (v) alertar para inconstitucionalidades, injuridicidades (inadequação ao ordenamento jurídico vigente), e má técnica legislativa.

Os projetos em tramitação pecam por inconstitucionalidade ou burocratizam a relação entre Estado e cidadão, Estado e sociedade, Estado e atores econômicos. Obstruir o diálogo de parlamentares com atores sociais e econômicos é institucionalizar a torre de marfim, é distanciar a política de Brasília da realidade do Brasil. O foco da regulamentação, portanto, deve estar na abertura do processo de decisão política, de modo a torná-lo participativo, plural, atento a impactos econômicos e sociais de seu resultado, orientado à busca de um ambiente normativo equilibrado, eficiente, no qual a tomada de decisão seja do detentor de mandato eletivo, mas que o debate seja aberto a vozes que aportem informações e argumentos que componham um cenário mais completo possível das injunções e das implicações de cada decisão a ser tomada. Que de cada voz que venha a participar de processo de decisão política se espere (i) rigor na informação prestada, (ii) fundamentação no argumento exposto, (iii) transparência na representação de interesses, e (iv) definição clara de mandato (está autorizado a defender o quê, em nome de quem, em qual tema?), (v) postura aberta ao diálogo e (vi) busca de consenso em torno de soluções em que prevaleça o interesse público sobre o privado.
 
*Advogado, especialista na área de relações governamentais

Defesa de interesses é direito constitucional de cidadãos e empresas

MURILLO DE ARAGÃO*


No Brasil, o lobby é malvisto, mal compreendido e preconceituosamente analisado. Malvisto por ser considerado um privilégio de poderosos (“eles fazem lobby”) e, pela ótica do “lobado”, uma intromissão indevida no poder de decidir, julgar e legislar. E mal compreendido porque as análises acerca da atividade são sempre espetaculosas, na linha do tradicional “good news are bad news”.

Por outro lado, o preconceito não se revela quando o lobby é feito em função de alguma causa simpática. Aí, não é tido como lobby.  O que importa é saber se é realizado de forma legal e legítima – legal, quando segue as leis; legítima, quando quem o pratica está investido da legitimidade originária ou atribuída para tal. Esses são os aspectos mais relevantes.

A OAB sempre esteve ligada à defesa dos interesses do cidadão e da sociedade, e, de modo claro, o Estatuto do Advogado nos assegura a representação nos tribunais e fora dele. É a garantia legal de que o profissional está devidamente amparado para representar seus clientes em qualquer instância. Vale lembrar que, em 1958, durante a 1ª Conferência Nacional da OAB, o brilhante advogado Nehemias Gueiros apresentou trabalho em que tratava o lobby como “a higiene na lei”.

Ao associar a defesa de interesses ao Estatuto dos Advogados, não o faço de forma corporativista nem tendo em vista a “reserva de mercado” para nós. Mas para dizer que já existe previsão legal básica e fundamental sobre o tema. E que, por desinformação, ela não é associada à questão. Porém, temos de ir além.

A defesa de interesses é direito constitucional de todos – pessoas físicas e jurídicas – que precisem se defender perante as autoridades. Direito reconhecido no direito de petição, assim como no direito de associação. Combinando o direito de petição com o de associação, temos o fundamento constitucional da defesa de interesses no Brasil. Porém, não é tudo. E temos ainda regulamentos específicos do Congresso Nacional que devem ser aperfeiçoados. Porém, nunca de forma restritiva ao direito do cidadão.

Existem regulamentações no Executivo que merecem ser consolidadas. No entanto, vejo como inadequadas as propostas em discussão no Congresso, as quais, invariavelmente, aumentam a distância da sociedade do processo decisório.  Não considero essencial à democracia uma grande lei do lobby. Considero, sim, que o direito de defesa de interesses deve ser reconhecido como constitucional e praticado dentro do marco jurídico e vigente.

Cada poder deve, de acordo com suas características, regular a defesa de interesses de forma não restritiva. Deve, ainda, reconhecer que o lobby não é uma atividade que exista apenas dentro do interesse privado em relação ao poder público. Mas, também, dentro do poder público, por seus agentes em disputa de poder e recursos.
 
*Advogado e cientista político, doutor em Sociologia (UnB)
 

 

Abrir WhatsApp