11/02/2014 - 18:02

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Um circuito pelos endereços de advogados que fizeram história

11/02/2014 - 18:02

Um circuito pelos endereços de advogados que fizeram história

A TRIBUNA fez um roteiro pelo centro histórico do Rio de Janeiro, tendo como pontos de referência os escritórios de advogados renomados e os locais por onde circulavam

Sobral Pinto tornou-se bacharel em 1918, iniciando a carreira ainda no final da chamada República Velha (1889-1930). Evandro Lins e Silva e Arnaldo Süssekind começaram a advogar no início dos anos 1930, no período conhecido como Era Vargas (1930-1945). Já Antonio Evaristo de Moraes Filho e Heleno Fragoso deram partida à militância nos fóruns nos anos 1950, em tempos mais democráticos (1945-1964). Advogados de renome, todos contribuíram de forma notável para a construção, manutenção e fortalecimento da democracia no Brasil. E tinham outra coisa em comum: escritórios no Centro do Rio de Janeiro.

Para acompanhar o circuito pelos endereços comerciais desses baluartes da advocacia, a TRIBUNA convidou o advogado e especialista em história da arte Carlos Roquette, pioneiro desde 1983 na realização de roteiros culturais no Centro do Rio, e que elaborou um roteiro a pedido da reportagem. “Hoje em dia várias pessoas querem fazer esses roteiros. O Rio é a única cidade que foi capital do Brasil-Império, além de dividir com Salvador o título de capital da Brasil-Colônia e com Brasília o título de capital do Brasil-República. São quase 200 anos como sede do poder central”, explica. Segundo ele, o Centro sempre foi um espaço residencial, comercial e de circulação de profissionais. “A maior parte dos prédios foi construída nos anos 1950, com o boom imobiliário do pós-guerra. As entradas dos edifícios geralmente eram feitas em mármore, simbolizando o prestígio que representava ter salas na região. E hoje ainda é assim, basta verificar que, mesmo com alguns deslocamentos para o Leblon ou para a Barra da Tijuca, os principais escritórios continuam aqui”.

Mineiro de Barbacena e tão apaixonado por futebol quanto pelo Direito – era torcedor fanático do América –, Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991) tornou-se bacharel em 1918, e a partir dos anos 1930 passou a advogar em seu escritório da Rua Debret, 79. Segundo Carlos Roquette, a área começou a ser ocupada no final dos anos 1920, alguns anos após a derrubada do Morro do Castelo. “A ocupação não foi imediata, aconteceu a partir do plano urbanístico de Alfred Agache, que tem como característica, por exemplo, a rua interna, passando embaixo do prédio, cujas pilastras vão até a beira da calçada. A entrada é imponente, ter um escritório aqui nos anos 1930 ou 1940 era muito elegante”, diz Roquette. Conhecido pela firmeza na defesa da ética, ao ser preso por alguns dias logo após a decretação do Ato Institucional nº5 (AI-5), em dezembro de 1968, quando o carcereiro lhe disse tratar-se de uma medida da “democracia à brasileira”, Sobral respondeu: “Há peru à brasileira. A democracia é universal, sem adjetivos”. 

No final de 2012, recebeu uma dupla homenagem: a OAB/RJ batizou o prédio de sua sede com o nome do jurista, e também aconteceu o lançamento do documentário Sobral – O homem que não tinha preço, dirigido pela neta do advogado, Paula Fiúza, e que resgata suas memórias. “Quando criança, meu avô era apenas uma pessoa carinhosa e distante, que eu visitava aos domingos e que me recebia com uns beliscões furtivos – e, diante dos meus protestos, dizia com um riso travesso que eram os mosquitos me picando. Sabia que ele era uma pessoa importante, mas não entendia bem o porquê”, contou ela, em entrevista à TRIBUNA no final de 2012. “Fui começar a entender mais tarde, na adolescência, com a abertura política. Mas acho que só compreendi mesmo o tamanho do meu avô no processo de fazer o filme”.

Sobral é uma das principais referências para todos os advogados até hoje, assim como o foi para o piauiense nascido em Parnaíba Evandro Cavalcanti Lins e Silva (1912-2002). Dois anos após se formar em Direito no Rio de Janeiro, em 1932, Evandro instalou seu escritório na Rua 1º de Março, onde trabalhou até os anos 1960, quando entrou para a vida pública. Retornou à advocacia em novo escritório próprio, desta vez na Avenida Rio Branco, 133. “Construída em 1906 e chamada na época de Avenida Central, a Rio Branco é um símbolo da modernização brasileira no início do Século 20”, lembra Carlos Roquette. Segundo o neto do jurista, Ranieri Mazzilli, Evandro comparecia todos os dias ao escritório e geralmente chegava por volta das 11h. “Durante muitos anos ele almoçou no restaurante Yankee Brasil, que ficava na Rua Rodrigo Silva. Depois que o Yankee fechou, fazia sua refeição na Confeitaria Colombo ou encomendava no restaurante Columbia, que fechou recentemente e ficava na Rua da Assembleia”, relata. Nos momentos de folga, Evandro costumava tomar café na padaria Casa Velha, na esquina da Rodrigo Silva com Assembleia. Gostava de ir à livraria Cultural Guanabara, na Rua da Assembleia, ou à Forense, na Rua Erasmo Braga. “Todo ano, no final de dezembro, antes do recesso forense, íamos ao I Tribunal do Júri, e ele me dizia que era para agradecer, pois tudo o que conquistara na vida se devia àquele recinto do tribunal, onde há, atualmente, um busto dele no Salão dos Passos Perdidos”, relata Mazzilli. Em sua carreira jurídica, Evandro ocupou os cargos de procurador-geral da República (1961 a 1963) e de ministro do Supremo Tribunal Federal (1963 a 1969, quando foi aposentado por força do AI-6). Foi ainda chefe da Casa Civil, em 1963, durante o governo de João Goulart, e membro da Academia Brasileira de Letras.

Ao longo dos anos de vida pública, tornou-se amigo próximo, entre outros, de Carlos Süssekind de Mendonça, primo do carioca Arnaldo Lopes Süssekind (1917-2012). Formado pela antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1939, Arnaldo Süssekind teve escritório na Avenida Rio Branco, 18 – hoje, a entrada do edifício, um dos mais antigos da região, está bastante modificada. 

Participou da comissão nomeada por Getúlio Vargas para a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Foi uma grande honra para mim. A comissão debateu temas jurídicos sem paixão política, com interesse apenas doutrinário e brasileiro”, declarou ele em uma de suas últimas entrevistas. Durante 11 dos 13 dias da presidência provisória de Pascoal Ranieri Mazzilli (abril de 1964), Süssekind foi ministro do Trabalho e Previdência Social e também da Agricultura. Após a posse do general Castelo Branco, ocupou o Ministério do Trabalho e Previdência Social, até dezembro de 1965. O prédio que sediou o antigo Ministério do Trabalho no Rio de Janeiro recebeu o seu nome – no local, foi realizado o velório do corpo do jurista. Na época, Arnaldo Süssekind Filho declarou que só teria ótimas recordações do pai e do homem público. “Ele me levava para assistir aos jogos do Fluminense quando criança e fez com que eu me tornasse tricolor. Meu pai ajudou muito a família e os amigos e, embora tivéssemos seguido caminhos profissionais diferentes, eu acompanhava seu trabalho com muita admiração”, diz o médico.

Segundo seus colegas, as paredes da sala de reuniões do escritório de Heleno Claudio Fragoso (1926-1985) não exibiam comendas nem diplomas. Em vez de honrarias pessoais, alguns quadros e duas fotografias, que identificavam suas principais referências: o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Hungria e Sobral Pinto. Carioca de Nova Iguaçu, Fragoso também tinha grande admiração por Evandro, e a manifestava publicamente. “Evandro Lins e Silva é, sem dúvida, o maior advogado criminal de sua época. Ele é o mestre, o primus inter pares, embora, com falsa modéstia, costume chamar-se de ‘velho rábula’”, afirmou certa vez em artigo publicado no site do escritório da família – que, aliás, foi fundado em 1952 na Rua da Ajuda, 35, com o nome de Escritório de Advocacia Professor Heleno Cláudio Fragoso, indicando que a carreira acadêmica e a militância na advocacia sempre estiveram lado a lado. O próprio Fragoso revelou, em entrevista ao jornal O Globo, em 1981, que o trabalho na universidade – lecionou na Faculdade Cândido Mendes e, em 1961, tornou-se livre-docente de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – acabou facilitando sua carreira de advogado. “Quando me dediquei exclusivamente à profissão, desde o início com escritório próprio, já era conhecido por minhas atividades universitárias”, comentou à época. 

Na mesma reportagem, José Carlos Fragoso (então estudante de Direito) definiu o pai como “uma pessoa afável, de relacionamento fácil, embora tímido, o que muitas às vezes confundem com presunção”. José Carlos salientou que o pai não gostava de festas “nem de nada espalhafatoso”, e que era um homem apaixonado pelos estudos. “Desde pequeno me acostumei a vê-lo ir para seu escritório, em casa, depois do jantar. Não tem sábado, nem domingo, e não sei onde trabalha mais: se em casa, onde tem a maior parte de sua biblioteca, ou se no escritório da cidade”.

Antonio Evaristo de Moraes era amigo e uma das referências de Evandro Lins e Silva – laços que este manteve com o filho do primeiro, Antonio Evaristo de Moraes Filho (1933-1997). Evaristinho, como era chamado pelos amigos, formou-se em 1955 e teve escritórios na Avenida Almirante Barroso, 9, e posteriormente, já nos anos 1960, no edifício Esplanada, na Rua México, 90. Segundo Carlos Roquette, o nome do prédio faz referência à Esplanada do Castelo. “Foi com esse nome que a região ficou conhecida no período de quase uma década entre a derrubada do morro e a ocupação efetiva. A México foi uma das vias que foram abertas após a derrubada”, explica Roquette. A rotina de Evaristinho era semelhante à de muitos advogados, como lembra o filho Renato de Moraes. “Depois de assumir, em 1981, a cadeira de Direito Penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quando tinha compromissos agendados no final da manhã no Centro, costumava ir direto para o escritório. Chegava por volta de 11h, cumpria a agenda e almoçava somente por volta das 15h”, conta. Ele costumava almoçar no restaurante Emir, na mesma rua de seu escritório, além dos extintos Astrodome – do qual gostava muito, e que foi fechado recentemente –, Westfália e Casa Pardellas, todos próximos ao local de trabalho. “No Centro, ainda, quando tinha de ir ao Fórum, depois de audiências e de despachar, gostava de ir ao Albamar, na Praça Marechal Âncora, reaberto recentemente”, revela Renato. No Casa Bar Simpatia, que funcionava na Avenida Rio Branco, tinha hábito de tomar refresco de coco. “Entre as livrarias, gostava muito da Galáxia, ainda funcionando na Rua México. Tinha também por hábito lustrar os sapatos com o engraxate Orli, figura conhecida cuja cadeira ficava na porta da garagem do seu escritório na Rua México”, recorda Renato. A militância na defesa de presos políticos também incluía no roteiro de Evaristinho pontos vizinhos às serventias da Justiça Militar. “Quando ia à auditoria do Exército, na Praça da República, adorava almoçar no Lisboeta (na Rua Frei Caneca). Se ia à auditoria de Marinha, ou tinha algum compromisso perto da Praça Mauá, gostava de ir ao Mosteiro ou ao São Chico (na Rua Visconde de Inhaúma)”.

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