04/07/2013 - 19:28

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Livro une literatura e Direito em contos inéditos de advogados e juristas

04/07/2013 - 19:28

Livro une literatura e Direito em contos inéditos de advogados e juristas

 Vitor Fraga
“No banheiro do Fórum, jogou água fria no rosto três vezes, na esperança de que uma cara mais limpa o tirasse dali”. A frase que abre o conto Outono, da assessora jurídica Luciana Gervoic, retrata a angústia de um personagem antes da entrada em audiência para tratar do próprio divórcio – uma emoção que não está restrita aos que trabalham na área jurídica. Esse é o tom do livro As letras da lei (editora Casa da Palavra), em que elementos que cercam o universo do Direito servem como fonte de inspiração para 12 tramas retratando temas como crimes de sangue, crimes políticos, o álibi, a traição conjugal, o plágio, a fraude, o erro, a corrupção, a pena de morte e a violência do cárcere.
 
“Acostumados a produzir textos de técnica impecável, fechados em significados e interpretações, exercitamos aqui uma nova possibilidade: a de extravasar conhecimento, unindo arte e a experiência de anos com o Direito”, explica o advogado Pierre Moreau, organizador da obra e autor do conto Flor.

A inspiração para fazer o livro surgiu a partir da vivência de Moreau, nos anos 1980, ao cursar uma disciplina na Harvard Law School chamada Lei e literatura. “Era uma forma de permitir que os estudantes de Direito pudessem ter em Shakespeare, Dostoiévski, Kafka e outros autores conhecidos os subsídios para a construção do próprio discurso e para o aperfeiçoamento da escrita jurídica. A biblioteca deles é fantástica, é um verdadeiro tesouro em livros, só não é maior que a do Congresso dos EUA. Estudamos autores de todo o mundo, inclusive Machado de Assis, que é muito erudito e, como esses outros escritores, oferece em seus livros ‘ganchos’ de interpretação universal”, diz.
 
Nos Estados Unidos, a cadeira Lei e literatura faz parte do currículo, cuja composição está ligada à formação básica do advogado e também à continuidade dos estudos. “Na Ordem dos Advogados de Nova Iorque, o profissional precisa continuar estudando para manter a inscrição ativa. Sou favorável à educação continuada para o profissional aqui no Brasil, e considero o estudo de literatura e Direito fundamental nessa modalidade de ensino e também na formação acadêmica básica”, completa. 
 
As letras da lei apresenta textos dos ex-ministros Eros Grau, José Gregori e Miguel Reale Júnior; e dos juristas e advogados Denis Borges Barbora, José Alexandre Tavares Guerreiro, José Renato Nalini, Luciana Gerbovic, Luis Francisco Carvalho Filho, Luis Kignel, Marcelo S. Barbosa e do próprio Moreau. O criminalista Eduardo Muylaert, além de escrever o conto O número 36, é também autor das fotos que ilustram a capa e o miolo do livro.
 
“Brincamos que o Eduardo vive de crime durante o dia e faz arte à noite. Já conhecia algumas imagens, que combinaram com o livro por terem um estilo noir, bastante próximo ao universo da ficção policial”. A grande maioria das fotos é da cidade de São Paulo, todas em preto e branco, remetendo de uma forma ou de outra ao ambiente próprio dos livros policiais. “Há na ideia de fazer o livro uma inspiração em personagens e histórias de Garcia-Roza, Chandler e outros”, relaciona Moreau – referindo-se a personagens como o delegado Espinosa, que em meio ao cenário boêmio do Rio de Janeiro protagoniza diversos livros do filósofo e psicólogo carioca Luiz Alfredo Garcia-Roza (como O silêncio da chuva e Céu de origamis); e também ao paradigmático detetive Philip Marlowe, personagem principal de vários livros de Raymond Chandler (como The big sleep), escritor e roteirista norte-americano que no início do Século 20 firmou-se como uma das principais referências desse gênero literário.
 
Para Moreau, As letras da lei pode ser uma porta de entrada para a literatura. “São contos curtos, que aproximam o leitor da história. Espero que o livro sirva como um ritual de passagem para futuros escritores. Por trás da linguagem jurídica existem pessoas, vidas, famílias. A Justiça não pode ser asséptica”, salienta.

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