15/12/2014 - 18:03

COMPARTILHE

Energia elétrica: inadim plência e arrendamento de unid ade consumidora

15/12/2014 - 18:03

Energia elétrica: inadim plência e arrendamento de unid ade consumidora

Gustavo De Marchi* Marvin Menezes*

A dívida decorrente de inadimplemento de contrato de fornecimento de energia elétrica e/ou uso da rede de distribuição de energia elétrica não é propter rem, mas sim propter personam. Portanto, estando o débito atrelado àquele que o contraiu e não ao imóvel, o novo titular da unidade consumidora não responde por débitos incorridos pelos anteriores, eis que ausente relação jurídica que respalde a cobrança.

Quando se trata de unidade consumidora cujo titular é uma sociedade empresária, cabe esclarecer que a energia elétrica ou a rede de distribuição para seu transporte é consumida/utilizada para possibilitar a regular operação de suas atividades, durante o período de vigência do contrato que possui com a concessionária de energia elétrica. Verifica-se, pois, ser ele o único beneficiado com a transação, não havendo que se falar em responsável da dívida que não ele e seus herdeiros ou sucessores.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em sua Resolução Normativa 414, de 9 de setembro de 2010, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, veda a recusa à prestação do serviço essencial à pessoa completamente desvinculada da relação jurídica anterior (artigo 128).

Resta claro, pois, que a ligação de unidade consumidora só poderia ser condicionada ao pagamento da dívida pela concessionária de distribuição caso, eventualmente, o novo solicitante possuísse débitos no mesmo ou em outro local da área de concessão. Outra forma de a concessionária condicionar a ligação da unidade consumidora à quitação de débitos anteriores se dá, resumidamente, no caso de comprovada sucessão comercial entre a sociedade empresária anterior e a nova solicitante sociedade empresária.

Para tanto, a Aneel estabelece que devam ocorrer cumulativamente duas situações: (i) a aquisição por pessoa jurídica de fundo de comércio ou do estabelecimento comercial ou industrial para continuar a explorar a mesma atividade econômica, e; (ii) continuidade na exploração da mesma atividade econômica, sob a mesma ou outra razão social, firma ou nome individual, independentemente da classificação da unidade consumidora.

No entanto, gera controvérsia quanto aos efeitos da transferência da unidade consumidora quando esta se estabelece por meio de contrato de arrendamento, e a responsabilidade do arrendatário, por dívidas pretéritas, em especial aquelas provenientes de fornecimento de energia elétrica e/ou uso do sistema de distribuição.

Sabe-se que um dos requisitos de caracterização da sucessão comercial é o da continuidade do desenvolvimento da atividade negocial anterior. Sem ela, não haverá transferência do negócio ou estabelecimento, pelo que a falta de aproveitamento do acervo empresarial descaracterizará a sucessão.

No entanto, não é só a continuidade da exploração da atividade que configura a sucessão comercial, pois tal hipótese apenas ocorre a partir da tradição do estabelecimento da empresa, abrangendo aí tanto seus elementos corpóreos quanto os incorpóreos. Incluem-se, portanto, para caracterização da sucessão, a aquisição da clientela, do ponto comercial, marcas, patentes, tecnologias próprias, contratos em geral etc. Tais elementos são tão ou mais importantes que os bens físicos ou corpóreos para se determinar a abrangência do estabelecimento.

Por essa razão, a aquisição do estabelecimento comercial de uma empresa por outra ocorre tradicionalmente a partir do contrato de compra e venda do referido estabelecimento ou trespasse, contrato pelo qual todos os ativos e passivos de uma empresa são repassados à sucessora, que se sub-roga nos direitos e obrigações existentes da empresa original.

Esta afirmação se comprova também com a redação do artigo 1.146 do Código Civil que, para fins de assunção de débitos anteriores à transferência, se limita às hipóteses de compra e venda, tanto que se refere às figuras de alienante e adquirente. Ou seja, a simples transferência por arrendamento não possui o condão de acarretar a assunção pelo arrendatário das dívidas pretéritas assumidas pelo arrendante.
Tal abordagem demonstra-se a mais coerente com o ordenamento jurídico presente, pois antes de concretizada a aquisição, o arrendamento equipara-se a um contrato de locação strictu senso, que tradicionalmente não caracteriza sucessão comercial.

Assim, exceto na hipótese (i) de o contrato de arrendamento estabelecer previsão de assunção do passivo da empresa arrendante ou (ii) da verificação de indícios de fraude ou simulação, a transferência da titularidade de unidade consumidora por este instrumento não se apresenta como requisito hábil para, por si só, autorizar as concessionárias de distribuição de energia elétrica a condicionar o atendimento a pedidos de ligação nova ou restabelecimento no fornecimento de energia à quitação de débitos anteriores sob titularidade diversa.

*Vice-presidente e secretário, respectivamente, da Comissão Especial de Energia Elétrica da OAB/RJ

Abrir WhatsApp