15/12/2014 - 17:45

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A robótica na vida real

15/12/2014 - 17:45

A robótica na vida real

Inexistência de legislação para uso de veículos autônomos, drones e outros robôs preocupa pesquisadores

AMANDA LOPES

Um carro que se locomove sem a necessidade de condutor ou pãezinhos entregues em casa por um drone: ainda que pareçam cenas de filme de ficção científica para muitas pessoas, essas hipóteses já são realidade no Brasil, graças ao desenvolvimento da robótica. O uso de máquinas autônomas no cotidiano ainda é incipiente, mas a discussão sobre os limites éticos e jurídicos no aproveitamento desses artefatos vem ganhando corpo, especialmente no que diz respeito à responsabilização nos casos de acidentes. Seria necessário revisar os códigos existentes ou criar leis específicas para dar conta desta nova demanda?

A União Europeia saiu na frente, criando o consórcio RoboLaw – que reúne pesquisadores de universidades da Alemanda, Holanda, Itália e Inglaterra –, cujo objetivo é estudar e debater o tema, evitando que, à medida em que a tecnologia avance, surja um gargalo na legislação. No Brasil, ainda não há discussão sólida sobre a matéria, o que acaba gerando, segundo membros do setor acadêmico, entraves para o desenvolvimento de pesquisas na área.

Um dos coordenadores do projeto CaRINA (Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma), criado no Laboratório de Robótica Móvel da Universidade de São Paulo/Campus São Carlos, Denis Wolf considera a ausência de legislação um obstáculo. Um dos problemas apontados por ele é a proibição, pela lei brasileira, de testes com os veículos em situações reais de trânsito. “Países como os Estados Unidos já têm leis que permitem a solicitação de licenças especiais para testes desse tipo e outros estão discutindo a possibilidade. Infelizmente, ainda não há mobilização do Congresso brasileiro para colocar o assunto em pauta. Corremos o risco de ficar para trás no desenvolvimento dessa tecnologia, que tem enorme potencial comercial no futuro”, lamenta.

Wolf explica que é fundamental que os carros autônomos sejam testados em situações semelhantes ao trânsito urbano real. “A legislação não permitindo esse tipo de teste, fica muito difícil atestar a confiabilidade e a segurança de sistemas complexos como os de condução autônoma”, critica.

O exemplo do drone que entregou pães para a padaria Pão To Go, também localizada em São Carlos, no início deste ano, por mais curioso que pareça, reproduz as vantagens de um aparato tecnológico já bastante utilizado no Brasil. Os chamados Veículos Aéreos Não Tripulados (Vant, na sigla em português) podem ser vistos em ações da Polícia Federal, vistoriando plantações e sendo objeto de recreação. Fora do país, eles chamam a atenção por serem cada vez mais enviados em operações militares e situações de conflito.
 
Perguntado sobre o aproveitamento como armas destas e de outras máquinas autônomas, o advogado e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Marco Aurélio de Castro Júnior, autor do livro Direito e pós-humanidade, resume: “A tecnologia não é boa nem ruim. É o uso que se faz dela, se pacífico ou bélico, a questão.”

Para ele, a preocupação, hoje, considerando-se a utilização de robôs em guerras, é assegurar que tais equipamentos, programados por seres humanos, sejam capazes de preservar civis e pessoas que não ofereçam riscos. No entanto, Marco Aurélio questiona os limites desse uso. “É ético permitir que uma máquina mate alguém? É ético deixar que ela tenha capacidade de matar alguém? Não quero que isso aconteça, não. E há uma discussão grande a esse respeito, pois a área em que a tecnologia se desenvolve mais rapidamente é a de guerra. Os investimentos são enormes”, afirma. 

Apesar de acreditar que os carros autônomos só chegarão ao mercado quando tiverem sua eficácia definitivamente comprovada, isto é, quando forem estatisticamente mais seguros do que aqueles conduzidos por motoristas humanos, Wolf também ressalta que, quando isso ocorrer, o apoio das empresas da área automotiva e do governo na observação dos limites éticos será importantíssimo. “Essa tecnologia pode contribuir para a otimização do fluxo de trânsito nas grandes cidades; para a inclusão social, oferecendo mobilidade para idosos e portadores de necessidades especiais; e para economia de combustível, uma vez que os computadores aceleram e freiam de modo mais eficiente do que um motorista humano médio. Mas o mesmo resultado de uma pesquisa pode ser utilizado para salvar vidas e facilitar a mobilidade urbana ou para fins militares de propósito discutível”, observa o pesquisador. 

Sobre a responsabilização jurídica na relação homem-máquina, o professor Marco Aurélio defende que, no cenário nacional, os códigos Civil e Penal, enquanto os robôs não tiverem alcançado nível de “independência” absoluto, são suficientes para regular a utilização de itens como os carros autônomos. “Em 90% das situações o Direito que temos pode regular o uso. Não precisamos de novas normas. No caso de acidentes, devem ser responsabilizadas as pessoas que estão à frente dos projetos, a empresa, aqueles que programam os sistemas. Justamente porque essas máquinas ainda não têm o nível de discernimento, de consciência que nós, humanos, temos. É uma opinião. Há quem entenda que é preciso outra legislação”, diz.
A situação se modificaria, no entanto, conforme crê o professor, se as máquinas se tornassem mais inteligentes. “Segundo estudiosos sobre o tema, não antes de 2030 e não depois de 2050 vão surgir robôs mais inteligentes que o ser humano. Neste momento é que precisaremos nos perguntar: será que um ser tão ou mais inteligente que nós não é titular de direitos? Hoje já se compreende um conceito de vida que não está necessariamente preso à vida biológica. Parece-me que [essa discussão] será inevitável”, projeta ele, para quem, no caso, os robôs devem passar a ser considerados como personalidades jurídicas:  “Uma vez tendo direitos, a grande questão vai ser quais são. O Direito ao qual estamos habituados é de natureza antropocêntrica. Será que poderia ser aplicado a um robô mais inteligente, poderoso e forte? Ou vamos ter que criar um novo Direito?”, indaga.

Vislumbrando um futuro com robôs cada vez mais presentes, a advogada e consultora especialista em planejamento estratégico Lara Selem aposta que eles serão importantes ferramentas para o incremento da atividade da advocacia. “Imagine fazer uma reunião com uma equipe que não precise sair do seu escritório, e essa reunião acontecer fora de uma sala, no campo, no presídio ou em lugares de difícil acesso? A robótica permitirá isso. Aproveitar as boas tecnologias para evitar deslocamentos desnecessários e para atendimentos em múltiplos locais será uma forma de modernizar a advocacia. Se um advogado puder fazer diversas audiências no mesmo dia em vários locais usando da robótica, isso certamente trará economia de tempo e dinheiro para todos”, pondera.

Lara salienta, no entanto, que o uso desses equipamentos jamais substituirá o trabalho real do profissional: “Há que se garantir que o cliente continuará recebendo o serviço de seu advogado ou escritório, e que o robô será apenas uma extensão. Logo, questões como confidencialidade, segurança e custo são temas importantes para uma análise mais específica do tema.”

Mesmo que os robôs como auxiliares de advogados só existam atualmente no campo das ideias, a consultora lembra que os recursos tecnológicos já são indispensáveis para o exercício da profissão. “Não há mais como se advogar sem peticionar eletronicamente, guardar documentos na nuvem, trocar emails com o cliente, comunicar-se com a equipe pelo celular. E o futuro ainda nos trará muitas outras novidades que se tornarão imprescindíveis e alterarão de vez a velha e tradicional forma de se trabalhar.”

Para o professor Marco Aurélio, mesmo com tanta tecnologia inserida na vida das pessoas, falar sobre robótica ainda causa estranheza. Por isso, ele avalia que, diante de um contexto de amplo crescimento, é fundamental que se perca o medo perceptível até dos termos mais comuns. “Não podemos confundir robôs com aquela figura de andróide. Robôs são muitos. O Google, por exemplo, é um. Hoje, milhares de operações financeiras no mundo, como compra de ações e pedidos de produtos, também são feitas por robôs”, reitera.

Ele observa que, com o passar do tempo, é possível que a sociedade e também o Direito se adaptem às novidades. “A tecnologia vai ser usada de todas as formas. Precisamos nos educar, nos preparar para isso, estudando, aprendendo com casos práticos e indo para a doutrina”, sugere.

Na visão de Wolf, ainda é cedo para que se saiba qual o grau de aceitação que essas novas máquinas autônomas vão encontrar na sociedade. “É difícil avaliar, mas o desenvolvimento está sendo realizado a passos largos, e em breve teremos a resposta para essas perguntas”, acredita ele.

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