03/08/2018 - 20:59

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'A falta de resultados no combate à corrupção gera uma permissividade cultural'

03/08/2018 - 20:59

'A falta de resultados no combate à corrupção gera uma permissividade cultural'

'A falta de resultados no combate à corrupção gera uma permissividade cultural'

 

Fausto de Sanctis

 

Especializado em legislação de combate aos crimes de lavagem de dinheiro e do colarinho branco, o juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Câmara Criminal Federal de São Paulo, classifica de "insuficiente" o projeto de combate à corrupção lançado recentemente pelo governo. Para De Sanctis, a iniciativa é válida, no entanto pouco eficaz. O projeto prevê a responsabilização extrapenal das pessoas jurídicas, mas não contempla a possibilidade de se processar criminalmente uma empresa, nem estabelece o crime por enriquecimento ilícito, instrumentos que, segundo o magistrado, seriam fundamentais na luta anti-corrupção. "O crime de corrupção não é algo fácil de investigar, processar e julgar, uma vez que invariavelmente se utiliza de métodos sofisticados para evitar a ação estatal. Entretanto, parecem incongruentes os dados estatísticos que praticamente não correspondem às experiências vividas ou sentidas pelo cidadão comum. Não há resultados efetivos, o que gera uma permissividade cultural", afirma De Sanctis, que concedeu a seguinte entrevista à TRIBUNA.

 

Marcelo Moutinho

 

Que avaliação o senhor faz do projeto de lei formulado pelo governo federal para combater a corrupção?

 

De Sanctis - Não me caberia tolher qualquer iniciativa válida que viesse combater a corrupção que tem surpreendido o país pela ousadia e contumácia. Entretanto, parece-me que a escolha pela responsabilização extrapenal das pessoas jurídicas como forma de seu combate é insuficiente e pouco eficaz. Surpreende as autoridades estrangeiras que a nossa Constituição Federal, que expressamente prevê a responsabilidade penal das empresas, não tenha sido implantada até hoje, ou seja, há 22 anos, quando as convenções internacionais a priorizam sobre a responsabilidade civil.

 

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o senhor mencionou as medidas anticorrupção sugeridas pela ONU, como o estabelecimento de crime por enriquecimento ilícito e a já mencionada possibilidade de processar criminalmente uma empresa. Por que esses mecanismos seriam mais eficazes?

 

De Sanctis - Na verdade, não resta dúvida de que o estabelecimento do crime de enriquecimento ilícito, conforme recomenda a Convenção ONU contra a Corrupção, é um importante instrumento estatal para o combate a esse delito a partir do momento que os que possuam patrimônio incompatível, em seu nome ou em nome de terceiros a ele vinculados, devem explicações acerca de sua origem. No mesmo sentido, a Ação Civil de Extinção de Domínio, que constitui um instrumento rápido e eficaz para a busca de bens cuja origem seja duvidosa. Combate-se com bastante eficácia o proveito do crime, desestimulando-o.

 

Há uma impressão geral na sociedade brasileira de que os casos de corrupção em nosso país não são efetivamente punidos. A que o senhor credita esse sentimento?

 

De Sanctis - O crime de corrupção, deve-se admitir, não é algo fácil de investigar, processar e julgar, uma vez que invariavelmente se utiliza de métodos sofisticados para evitar a ação estatal. Entretanto, parecem incongruentes os dados estatísticos que praticamente não correspondem às experiências vividas ou sentidas pelo cidadão comum. Não há resultados efetivos, o que gera uma permissividade cultural.

 

Há recursos demais em nossa legislação? Há excessivo direito de defesa?

 

De Sanctis - Ninguém deseja aniquilar o direito de defesa, um dos valores fundamentais. Mas parece que a sua exacerbação ou a falta de limites claros entre ele e o seu abuso tem permitido aos poucos casos existentes uma gama de instrumentos que levam sempre à prescrição ou ao reconhecimento de nulidade. Deve-se repensar a prescrição retroativa e a intercorrente e a forma de cálculo da prescrição pela pena em concreto. Por outro lado, deveria a legislação permitir de forma bem disciplinada a infiltração de agentes sem que se invoque o flagrante preparado como, aliás, ocorre nos EUA que, de forma eficaz, tem tido resultados expressivos, inclusive nos crimes de pornografia infantil e de tráfico de drogas. Deve-se reforçar tal medida, como também as delações premiadas, as denúncias anônimas etc.


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