03/08/2018 - 20:59

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Programa de Indenização: uma iniciativa pioneira

03/08/2018 - 20:59

Programa de Indenização: uma iniciativa pioneira

Programa de Indenização: uma iniciativa pioneira

 

Olivia Fürst e Fernanda Tartuce*

 

Uma das indagações cruciais na vida de um advogado diz respeito à definição de sua missão. Conforme determina o inciso VI do art. 2º do Código de Ética e Disciplina, sua missão precípua é ajudar as pessoas a resolverem seus conflitos. E isso é muito mais do que meramente "litigar".

 

Nossa tradição acadêmica forma advogados que jamais tiveram a oportunidade de estudar a natureza das controvérsias: é como se médicos saíssem das universidades conhecendo remédios, mas não a doença que pretendem combater. Assim, muitas vezes não atentam para os efeitos colaterais de um litígio, para as questões subliminares que o envolvem e, até mesmo, para a efetividade das decisões judiciais no âmbito das relações interpessoais.

 

O processo judicial, por sua própria dinâmica, acarreta sérias consequências aos jurisdicionados: alto custo, tempo excessivo, riscos da demanda, superexposição, perda de autonomia, desgaste emocional. Além disso, nem mesmo para o advogado um processo é sempre compensador, na medida em que sua duração é - via de regra - imprevisível.

 

Para dirimir conflitos de qualquer natureza, temos o vício de imaginar, por princípio, ser o Poder Judiciário sempre o caminho natural. Entretanto, há inúmeras opções à via judicial, ainda pouco exploradas no dia-a-dia do advogado: negociação, conciliação, mediação e arbitragem são alguns dos instrumentos disponibilizados para que se identifique o que melhor se adapta ao caso concreto. Estas opções devem ser avaliadas pelo advogado com seu cliente, visando sempre à melhor defesa dos múltiplos aspectos de seus interesses.

 

Como parte da evolução natural do tema, há também métodos híbridos que buscam contemplar elementos das várias técnicas. O Brasil, de forma pioneira, conta com uma iniciativa neste sentido, que é a experiência das câmaras de indenização.

 

Após um evento danoso de grandes proporções, os familiares das vítimas precisarão, a despeito da dor profunda que os abate, seguir com suas vidas: entre muitas penosas providências, precisarão identificar e localizar documentos para reconstituir a situação pretérita, conferindo não apenas legitimidade à demanda, mas também ao quantum indenizatório pretendido.

 

Inspirada em experiências internacionais (dentre as quais se destaca o plano de reparação às vítimas dos ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001), o Brasil protagonizou a instalação da Câmara de Indenização da TAM (CI 3054) e, agora, o Programa de Indenização 447, pelo acidente ocorrido com o vôo 447 da Air France (www.programadeindenizacao447.com.br).

 

O PI 447 foi concebido como opção para os familiares das vítimas à via judicial. Trata-se de uma alternativa não vinculante de atuação em um sistema extrajudicial de mensuração de reparação de danos, tanto morais quanto materiais.

 

Autoridades públicas (Ministério da Justiça, Ministério Público do RJ e Procon) integram o PI 447 com vistas a garantir o equilíbrio das negociações e a razoabilidade dos parâmetros indenizatórios, viabilizando, assim, um ambiente controlado em que as partes possam compor os próprios acordos com absoluta autonomia, eficiência e sigilo.

 

Essa opção apresenta inúmeras vantagens sobre a negociação individual, em especial se considerarmos as sérias dificuldades inerentes a questões desta natureza: muitas vezes, os familiares têm expectativas que superam expressivamente a jurisprudência dos tribunais superiores, além do natural sentimento de desconfiança que pode, eventualmente, surgir.

 

A transparência - um dos pilares do PI 447 - representa para o advogado uma segurança, pois permite o conhecimento prévio e abrangente do regimento do programa. Há, ainda, a garantia do tratamento isonômico das famílias, a partir do estabelecimento de parâmetros predeterminados, além da utilização de critérios objetivos para a composição da indenização a ser paga. Descortinam-se, assim, com simplicidade, os caminhos a serem percorridos nesta via diferenciada de composição de controvérsias.

 

Encetar a liquidação dos danos em um ambiente controlado e não contencioso, contando com uma estrutura concebida por autoridades públicas na busca de equilíbrio e autonomia: eis, em síntese, a proposta do programa.

 

E com o estabelecimento de programas com essas características, os advogados, ao contrário do que muitos pensam, ganham uma nova vertente de atuação, pois têm um papel fundamental na condução deste processo de negociação, ao representar os interesses de seus clientes de forma multidimensional, abrangendo todos os aspectos do conflito de forma ágil e eficaz.

 

*Olivia Fürst é advogada, mediadora e membro da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Fernanda Tartuce é advogada, mediadora, professora e mestre em Processo Civil pela USP. As duas são observadoras do PI 447


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