03/08/2018 - 20:59

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O resgate do papel do Estado no Direito Autoral

03/08/2018 - 20:59

O resgate do papel do Estado no Direito Autoral

O resgate do papel do Estado no Direito Autoral

 

Helder Galvão*

 

Ao longo dos três últimos anos, o Ministério da Cultura promoveu uma série de encontros e seminários com o objetivo de discutir a política de direito autoral no país. Liderado pelo então ministro Gilberto Gil e, de forma inédita, o direito autoral tornou-se parte importante das políticas públicas para a cultura, a economia e o desenvolvimento social, cabendo àquele Ministério organizar todo o trabalho de atualização da legislação e retomar a função do Estado como responsável pela supervisão e fiscalização das atividades deste setor.

 

O primeiro passo desse trabalho foi  identificar as fragilidades do sistema. Ali, constatou-se que a principal deficiência seria exatamente a ausência de uma efetiva participação do Estado neste campo. A esse respeito, é importante lembrar que nos anos 1990 o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), único órgão responsável pela supervisão das políticas do setor, foi extinto.

 

Segundo o estudo do Ministério, a ausência de uma competência específica sobre o papel do Estado no campo do direito autoral impossibilitaria, por exemplo, a realização de funções como a supervisão, regulação e promoção da gestão coletiva de direitos; a mediação de conflitos através de uma instância administrativa; a regulação e proteção do domínio público; a criação de instruções normativas específicas e correspondentes à dinâmica dos direitos de autor na era digital; e, ainda, instância consultiva acerca das dúvidas sobre as imprecisões técnicas de dispositivos e definições da lei.

 

As funções anteriormente citadas são apenas exemplificativas, pois o número de questões e lacunas sobre o tema não se esgota. Muito pelo contrário, juristas e especialistas na matéria têm se desdobrado para sanar dúvidas e conflitos, mas que ainda são incipientes uma vez que, naturalmente, defendem interesses antagônicos, não se chegando a um ponto comum ou uma agenda única.

 

Logo, o resgate do CNDA, como organismo de consulta e fiscalização do setor autoral, de estrutura apolítica, composta por membros da sociedade civil, juristas e especialistas na matéria, visa justamente a resgatar e consolidar o direito autoral como parte importante das políticas públicas para a cultura, economia e o desenvolvimento do país.

 

A experiência nos idos dos anos 1980, quando o órgão funcionava a pleno vapor, e o relato dos ex-integrantes do CNDA reforçam ainda mais a necessidade de o Estado participar, sem intervencionismo, mas como agente deste segmento, fomentando e atuando efetivamente, sempre na busca do tão desejado, mas cada vez difícil equilíbrio de interesses.

 

A criação de um conselho, no entanto, encontra resistência da classe mais conservadora, afeita a resolver sozinha os problemas do setor. Essa postura até que se justifica, uma vez que o Estado, por anos, se omitiu, não dando a devida atenção ao tema. Nesse coro soma-se o temor da ala liberal, que ideologicamente repudia a burocracia estatal e também as corporações que exploram economicamente o setor. Esses, por sua vez, estão temerosos ante as notícias das mudanças na lei, já que as discussões sobre o crescente questionamento e as demandas judiciais que contestam o sistema de cessão definitiva dos direitos patrimoniais do autor foram ventiladas.

 

Por outro lado, não se pode descartar a preocupação com relação à criação de uma nova instância estatal, principalmente na véspera da mudança da legislatura. O trauma do desaparelhamento anterior ou do maior inchaço do já robusto Estado são questões que devem ser avaliadas. É evidente, ainda, que a experiência em nosso país sobre a atuação estatal, com toda a sua lentidão e o seu fisiologismo, não comportam crédito da sociedade, motivo pelo qual as críticas e resistências sobre a criação deste órgão serão ostensivas.

 

Contudo, é preciso otimismo. O retorno do CNDA, com regras claras, previamente debatidas em audiências públicas, de estrutura heterogênea e competência definida, pode ser o caminho mais curto e legítimo para o início de um marco temporal da atuação do Estado na política voltada ao direito autoral e, principalmente, como instância de resolução de conflitos.

 

*Advogado e membro da Comissão de Direito Autoral, Direitos Imateriais e de Entretenimento da OAB/RJ

 

Obs: O autor avisa que este artigo é meramente opinativo e não representa necessariamente a opinião da Comissão de Direito Autoral da OAB/RJ.


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