15/03/2016 - 17:19

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José Roberto de Castro Neves – advogado e professor de Direito Civil: ‘Sociedade saudável de pende de sistema jurídico que proteja o ser humano’

15/03/2016 - 17:19

José Roberto de Castro Neves – advogado e professor de Direito Civil: ‘Sociedade saudável de pende de sistema jurídico que proteja o ser humano’

O que têm a ensinar à sociedade e aos advogados contemporâneos as tragédias e comédias escritas há mais de dois milênios pelos gregos Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes? O livro A invenção do Direito, do advogado José Roberto de Castro Neves, enuncia o nascimento de ideias e valores – democracia, dignidade humana, direitos fundamentais, a igualdade e a disputa entre a lei natural e a lei dos homens, a lei positiva – que se projetaram na História, como observa, no prefácio, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. “Uma sociedade saudável depende de um sistema jurídico que proteja o ser humano. Os gregos clássicos perceberam, pela primeira vez na história, essa verdade”, lembra o autor em sua segunda incursão em fronteiras entre a literatura e o mundo legal – a primeira foi Medida por medida – O Direito em Shakespeare.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Em seu livro, o senhor assinala que as tragédias gregas, todas escritas até 400 a.C, permitem identificar a invenção do Direito como instituição guardiã de valores como a justiça e o respeito ao ser humano. Para a advocacia contemporânea, em que medida essa antiga cultura, num mundo cada vez mais tecnológico, é importante?

José Roberto de Castro Neves – A finalidade última do Direito será sempre a de harmonizar a vida em sociedade. Uma sociedade saudável depende de um sistema jurídico que proteja o ser humano. Os gregos clássicos perceberam, pela primeira vez na História, essa verdade. Afinal, eles inventaram, naquele momento, a democracia: a noção de que somos todos iguais, que o destino de um grupo deve ser orientado pela maioria de seus integrantes e de que todos têm o poder de se expressar. Com a criação da democracia, passou a ser fundamental estabelecer um sistema jurídico que expressasse os mesmos valores. Até então, historicamente, valia, como Direito, a ordem autoritária de um líder ou uma regra estática, como a Lei de Talião, que não cedia a nenhuma circunstância. Era necessário, portanto, estabelecer novos conceitos, um novo Direito. A criação dessa nova forma de olhar para o fenômeno jurídico foi tarefa assumida pelos dramaturgos gregos. Na época da Grécia clássica, mais ou menos entre 500 a 400 a.C., ir ao teatro era um ato cívico. As pessoas assistiam às peças para discutir temas importantes para aquela sociedade. Ésquilo narrou, na Trilogia Orestéia, o assassinato de Clitemnestra por seu filho Orestes. Esse crime seria punido, segundo as regras antigas, com a morte, sem qualquer ponderação. Entretanto, na peça, Orestes mata a mãe para vingar a morte do pai, Agamenon, que, por sua vez, fora morto por esta. A própria Atenas, deusa da sabedoria, aparece na peça para dizer que Orestes deve ser julgado por 12 pessoas, iguais a ele, e que se deve dar ao réu a chance de defesa. Há, aqui, uma revolução. O Direito, como o conhecemos, nasce. O fenômeno jurídico passa a ser o guardião da justiça e da dignidade humana. Independentemente dos avanços tecnológicos, a essência humana é a mesma. Os bons valores não se alteram. A preservação desses valores saudáveis requer constante vigília.

Antígona, de Sófocles, obra associada à luta contra a tirania, permite analogias com momentos da história recente, como assinala seu livro? Quais? No Brasil, registra-se que, durante a ditadura, agentes da polícia política tentaram prender Sófocles na exibição da peça Electra, episódio que se tornou piada nacional.

Castro Neves – A apresentação de Antígona foi proibida durante a ditadura grega dos anos 1960.  Nessa peça, Sófocles trata dos limites da subserviência das pessoas às leis. Antígona deve ou não observar uma lei que ela considera injusta? Afinal, o que é mais relevante: a lei ou a justiça? Com essa inquietante provocação, o espectador questiona a finalidade da norma. A lei é boa porque ela é a lei ou é boa pelo que ela protege? O senso crítico é fundamental para legitimar a norma. Antígona tem quase 2.500 anos, mas a sua crítica ainda nos desafia.

Seria possível recorrer a Ésquilo em As suplicantes – peça na qual discute-se, ante o drama de mulheres em fuga do Egito, o interesse da coletividade versus o direito fundamental do indivíduo – para uma reflexão sobre situações atuais, por exemplo os milhões de refugiados sírios que buscam abrigo em outros países?

Castro Neves – Na peça As suplicantes, de Ésquilo, narra-se a chegada de 50 mulheres, fugindo do Egito, a uma cidade grega. Elas pedem asilo. O povo da cidade sabe que, ao dar guarida àquelas mulheres, haverá guerra com os egípcios, que pretendem recuperá-las. O povo discute as opções e decide, democraticamente, abrigar as mulheres, apesar das graves consequências. Interessante notar que se protegem mulheres, estrangeiras, de outra cor e de outro credo. A mensagem é a de que, acima de tudo, deve-se proteger o ser humano, não obstante as sequelas. Essa lição segue atual como o jornal do dia.

O que as comédias gregas têm a ensinar à sociedade moderna?

Castro Neves – Nas comédias gregas, fazia-se graça dos políticos e das fraquezas humanas. Tudo com extrema liberdade, sem qualquer censura. Ria-se dos costumes. Tratava-se de um enorme exercício de autocrítica, fundamental para o amadurecimento da sociedade. Ademais, a vida sem humor é insuportável.

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