08/05/2015 - 14:53

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A prática eletrônica dos atos processuais no novo CPC

08/05/2015 - 14:53

A prática eletrônica dos atos processuais no novo CPC

LUCIANO RINALDI*

O novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) entrará em vigor no dia 17 de março de 2016, um ano após sua publicação oficial, tempo suficiente para que a sociedade se prepare para a nova sistemática. Neste breve artigo, indicarei os pontos que me parecem mais relevantes a respeito da prática eletrônica de atos processuais, atualmente disciplinada na Lei 11.419/2006, e que não foi revogada pelo CPC.

Tratado de forma específica nos artigos 193 a 199, o processo eletrônico é mencionado no corpo do novo código em diversos outros dispositivos, demonstrando que a utilização de meios não eletrônicos, como o papel, será cada vez mais excepcional.

A comunidade jurídica tece contundentes críticas à atual lei do processo eletrônico. De fato, há dezenas de sistemas em funcionamento nos tribunais brasileiros, os programas são complexos e instáveis, as falhas operacionais são de difícil comprovação, dentre outros problemas. Ao contrário do esperado, a sistemática atual trouxe insegurança jurídica em relação ao processo físico. O processo eletrônico é um caminho sem volta, mas deve representar um avanço em relação ao processo tradicional, um ganho para a sociedade, nunca um retrocesso. Os avanços tecnológicos devem estar conciliados com as garantias fundamentais, e não o contrário.

O novo CPC, atento aos problemas da lei atual, oferece algumas soluções. Embora estabeleça conceitos fundamentais para a prática eletrônica, há regras concretas bastante promissoras, de efeito imediato.

É justo reconhecer que o processo eletrônico foi concebido para otimização da prestação jurisdicional, para evolução de um sistema arcaico, altamente artesanal e extremamente burocratizado. Decorreu da necessidade de aprimoramento dos mecanismos da Justiça, com adoção de medidas eficazes que permitissem a solução dos conflitos em tempo razoável, eliminando etapas anacrônicas e inúteis. A Lei 11.419/06 entrou em vigor com a promessa, não concretizada, de aperfeiçoamento do processo e aceleração dos julgamentos. Já se passaram quase dez anos, e os processos ainda se arrastam, agora eletronicamente, nos tribunais.

Há muitos motivos para a lentidão da marcha processual, dentre eles a crescente desproporção entre processos novos em relação aos encerrados. A prática eletrônica dos atos processuais é uma das tentativas de equilibrar os pratos na balança, de resolver essa tormentosa equação. Nada obstante, é decisivo entender que a celeridade não é o principal compromisso do Judiciário, mas sim solucionar os conflitos de forma justa, a partir da lei. O sistema não será necessariamente melhor por ser eventualmente mais rápido. A tecnologia deve servir o processo, e não o inverso.

Novidade interessante no processo eletrônico consta no artigo 198, que impõe aos tribunais o dever de manter, gratuitamente, equipamentos necessários à prática de todos os atos processuais, consulta e acesso ao sistema. Inclusive, o novo CPC foi certeiro ao admitir “a prática de atos por meio não eletrônico no local onde não estiverem disponibilizados os equipamentos”. Isso torna urgente a aquisição imediata desses pelos tribunais, para que estejam disponíveis ao público quando o código entrar em vigor. Pela nova regra, o usuário terá o direito, por exemplo, de protocolar eletronicamente sua petição nas dependências físicas do próprio tribunal, ou acessar o processo eletrônico de seu interesse durante julgamentos e audiências. E, não havendo disponibilização, será permitida a prática do ato por meio não eletrônico, ou seja, em papel. Isso implicará a designação de locais equipados para a transmissão das peças eletrônicas, assim como para o protocolo excepcional daquelas impressas. Essas petições apresentadas em papel poderão ser posteriormente substituídas por eletrônicas, tomando-se como exemplo a Lei do Fax (Lei 9.800/99).

Outro ponto que merece destaque diz respeito à comprovação do funcionamento do sistema. A partir da vigência da nova lei, os casos de problema técnico, erro ou omissão no registro dos andamentos configurarão justa causa, fruto de evento imprevisto alheio à vontade da parte, ensejando o direito de praticar ou emendar o ato processual.
  
Ainda que as informações constantes no sistema de automação dos tribunais sejam divulgadas em seus respectivos sites de internet com presunção de veracidade e confiabilidade, é indispensável que o evento falha/indisponibilidade seja noticiado ao público de forma automática, instantânea e oficial. Do contrário, a parte ficará sem meios seguros de comprovar as falhas, sendo obrigada a recorrer a métodos não usuais, como atas notarias de indisponibilidade, o que é um contrassenso. Deve ser considerada a possibilidade de se conferir à OAB e ao Ministério Público, mediante convênio, a prerrogativa concorrente de certificação oficial de problemas nos sistemas.

A questão da multiplicidade de sistemas não foi ignorada pelo novo CPC. Embora não resolva o impasse atual, atribuiu-se ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a missão de velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos. É conhecida a resistência dos tribunais quanto à adoção de um sistema único nacional para o processo eletrônico. Não me parece necessário um único sistema, que dificilmente agradaria a todos. Penso que o CNJ deveria definir apenas as regras padrão dos sistemas dos tribunais, especialmente em relação à transmissão de dados, divulgação online sobre disponibilidade do sistema, critérios para apresentação de peças impressas (artigo 198), dentre outras. Essa padronização seria o ideal.

O Conselho é o protagonista para a incorporação de novas tecnologias ao processo. Do contrário, se cada tribunal tomar a iniciativa de fazê-lo isoladamente, sem critérios nacionais, teremos um indesejável aumento do atual descompasso eletrônico. É vital que as novidades sejam implementadas nacionalmente.

O quesito acessibilidade não foi esquecido pela nova lei processual civil. As pessoas deficientes, assim como os idosos, têm direito à proteção especial do Estado. Em razão disso, os tribunais deverão manter espaços específicos destinados ao atendimento desse público especial, munidos de equipamentos e pessoal qualificado para prestar auxílio técnico, sem qualquer custo.

A entrada em vigor do código, com a definição das regras gerais orientadoras do processo eletrônico, recomenda uma revisão da atual legislação específica, para regulamentação da matéria, à luz dos novos conceitos.

O processo eletrônico é uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento da Justiça brasileira, mas exerce um papel secundário. Nenhum processo é um fim em si mesmo, seja físico ou eletrônico. A prática eletrônica deve representar um avanço, um benefício, um salto qualitativo, assegurando direitos consagrados. A informatização processual somente atingirá seu objetivo quando parar de assombrar o jurisdicionado, conquistando sua confiança.
 
*Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros

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