03/08/2018 - 20:59

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"É como estar num pequeno barco tentando atravessar uma enorme tempestade"

03/08/2018 - 20:59

"É como estar num pequeno barco tentando atravessar uma enorme tempestade"

'É como estar num pequeno barco tentando atravessar uma enorme tempestade'

 

Advogado do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, condenado por homicídio num julgamento que mobilizou o país, Roberto Podval fala à TRIBUNA sobre a dura experiência que é defender dois réus sob intenso repúdio da sociedade

 

Marcelo Moutinho

 

O senhor defendeu dois clientes que contavam, desde antes do julgamento, com intenso repúdio social. Que tipo de dificuldades enfrentou no processo?

 

Podval - Os casos de grande repercussão social acabam por trazer outro grande problema, além da defesa em si. É necessário defender as pessoas tanto no processo quanto na própria mídia e, por muitas vezes, somos confundidos com os próprios réus. No caso dos Nardoni, cheguei a ser agredido na entrada do fórum. Sem falar na enorme solidão. É como estar num pequeno barco tentando atravessar uma enorme tempestade. Vive-se uma opressiva angústia e certa impotência, principalmente quando você acredita ter razão, mas não existe ninguém disposto a ouvir seus argumentos. É uma situação intransponível. Infelizmente, os formadores de opinião não ajudam muito. A maioria não tem ideia da sua real importância e da dimensão do seu papel num Estado Democrático de Direito. Todos, no discurso, costumam defender o Estado Democrático em abstrato, mas no caso concreto, aí os direitos e garantias fundamentais a ele inerentes são absolutamente esquecidos.

 

Em casos rumorosos e de grande exposição na mídia, como o dos Nardoni, a imprensa acaba influenciando o resultado do julgamento?

 

Podval - Sim, nesses casos, há um completo prejulgamento. É de se questionar, sinceramente: é possível acreditar num julgamento honesto (no sentido de justo) nesses casos? E quanto ao júri popular, é possível acreditar que os representantes da sociedade que clamam por justiça da porta do fórum possam julgar de forma imparcial? Já que o júri é uma garantia para o réu, não seria o caso de se optar pelo julgamento por um juiz togado quando essa garantia acabe por pesar contra o próprio réu? Não sou contrário ao júri popular, apenas questiono se, em alguns casos, não estamos diante de uma garantia de condenação. Nesse caso, o que era para ser benéfico passa a ser desfavorável. Questiono se esses casos de repercussão nacional não deveriam ser julgados diretamente por um tribunal superior. Esta é apenas uma reflexão.

 

E como enfrentar essa situação? O que leva um advogado a trabalhar até o fim em um caso, quando a impressão é de que a sentença já foi proferida?

 

Podval - Esta é uma pergunta que me fizeram muitas vezes: qual a razão de um advogado razoavelmente conhecido aceitar uma causa prejulgada e de pouco ganho financeiro? Acredito, efetivamente, que este é o verdadeiro papel de um advogado. Não conseguiria recusar esse caso e dormir tranquilo. Não aceitar o caso poderia ter sido melhor para minha imagem, mas como prosseguir na carreira indo contra todos os paradigmas em que acredito e que fazem parte da minha formação pessoal? Não tinha outro caminho: ou aceitava o caso ou me aposentava. Do contrário, estaria traindo a mim mesmo.

 

Como afirmou, o senhor chegou a sofrer agressão física. Na sua opinião, a sociedade brasileira compreende mal o direito de defesa?

 

Podval - Pior do que a agressão física sofrida é a incompreensão social. É triste quando acreditamos que a sociedade é pequena e imatura. Durante o julgamento, muitas pessoas gritavam na porta do fórum, clamavam por vingança. É estranho constatar que, não fosse a força policial, aquela mesma sociedade que clamava por vingança em razão da morte de uma criança era capaz de matar. Nossa sociedade precisa amadurecer. Aqueles que gritavam ontem podem estar, hoje, batendo nas portas dos escritórios de advocacia implorando por amparo, e somos nós, advogados, que estaremos, mais uma vez, tentando manter equilibrada a balança da Justiça. Nossa legislação é boa e garantista, mas nossa sociedade ainda não se deu conta de que tais garantias estão aí para nos proteger, para proteger o indivíduo diante do peso descomunal do Estado acusador. Quando a sociedade clama para deixarmos as garantias de lado a fim de se buscar um resultado que pareça justo está, a própria sociedade, pisando nas garantias conquistadas. É complexo, é um antagonismo perigoso.

 


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