03/08/2018 - 20:59

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Justiça do Trabalho sofre ataque do STJ

03/08/2018 - 20:59

Justiça do Trabalho sofre ataque do STJ

Justiça do Trabalho sofre ataque do STJ

 

Sérgio Batalha

 

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu, recentemente, acórdão em conflito de competência que provocou verdadeira crise na Justiça do Trabalho. O caso envolve cerca de 800 trabalhadores da antiga TV Manchete e do Grupo Bloch, que possuem ações na Justiça do Trabalho contra a chamada RedeTV (denominada formalmente de TV Omega Ltda).

 

Os trabalhadores alegaram que a TV Omega Ltda seria responsável pelas dívidas trabalhistas da antiga TV Manchete Ltda por ter assumido a exploração econômica do canal de televisão. Foi provado, nos respectivos processos trabalhistas, que a concessão do canal de televisão foi transferida em transação particular e onerosa entre os antigos donos da TV Manchete Ltda e a TV Omega Ltda. As disputas judiciais transcorreram por mais de dez anos na Justiça do Trabalho, e os trabalhadores foram vitoriosos com a tese de sucessão trabalhista na esmagadora maioria das ações, cristalizando jurisprudência neste sentido no próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST).

 

No entanto, quando a maior parte das ações já havia transitado em julgado, a TV Omega Ltda engendrou uma manobra jurídica tão absurda quanto inusitada. Simplesmente, invocou um “conflito de competência” entre quase 800 processos trabalhistas e uma única ação existente no Tribunal de Justiça do Rio, na qual os antigos proprietários da TV Manchete Ltda discutiam com a TV Omega Ltda a responsabilidade sobre as dívidas fiscais e trabalhistas sob o ponto-de-vista do contrato entre eles firmado. A alegação da TV Ômega Ltda seria a de que haveria conflito entre a discussão dos limites da sucessão sob os pontos-de-vista empresarial e trabalhista. Surpreendentemente, a empresa obteve uma liminar sobrestando os processos trabalhistas e, ao final, em uma apertada decisão com maioria de um voto, a Segunda Seção declarou que a Justiça Comum deveria decidir sobre a ocorrência de sucessão nos processos dos trabalhadores.

 

Na prática, a decisão significaria a desconsideração das sentenças e dos acórdãos trabalhistas proferidos em quase 800 processos, a maioria com trânsito em julgado, e a supressão da competência da Justiça do Trabalho para apreciar a responsabilidade sobre dívidas trabalhistas nos casos de transferência da atividade econômica. O acórdão da Segunda Seção do STJ ainda não transitou em julgado, e foram opostos dezenas de embargos de declaração. Entre as falhas do acórdão, aponta-se a existência de coisa julgada na maioria dos processos, o que afastaria a incidência do conflito nos termos da Súmula nº 59 do próprio STJ, a incompetência do próprio STJ para dirimir conflito com processos sob a jurisdição do TST (por força do artigo 102 da Constituição) e, por fim, a impossibilidade de conflito entre os conceitos de sucessão trabalhista e empresarial.

 

De fato, o alegado "conflito de competência" não existe. Os juízes da Justiça do Trabalho analisaram a ocorrência de sucessão sob o ponto-de- vista do Direito do Trabalho, sendo que tal declaração produz efeitos apenas em relação ao pagamento dos créditos dos trabalhadores. Já o juiz da Justiça Comum analisou a sucessão entre empresas do ponto de vista cível, com efeitos limitados à relação entre os contratantes.

 

Assim, o fato de as dívidas trabalhistas e fiscais da TV Manchete Ltda serem pagas pela TV Ômega Ltda na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal não impede que esta última cobre tais dívidas dos antigos donos da TV Manchete na Justiça Comum, sob a alegação de que não estavam prevista no contrato a assunção de tais dívidas. O que pretende a TV Ômega Ltda é que o negócio jurídico firmado com os antigos donos da TV Manchete prevaleça sobre as normas de ordem pública que protegem os créditos trabalhistas.

 

Preocupa efetivamente todos os juristas que militam no Direito do Trabalho esta tentativa de subtrair da Justiça do Trabalho a competência para declarar a existência de sucessão trabalhista, prevista nos artigos 10 e 448 da CLT desde 1943. Há, evidentemente, fortes interesses empresariais por trás desta manobra e há um temor de que, caso seja bem sucedida, a sucessão trabalhista deixe de existir na prática, já que os juízes cíveis analisariam contratos semelhantes somente sob a ótica do Direito Empresarial.

 

Na verdade, toda a sociedade espera que o STJ faça jus à alcunha que ele próprio se atribuiu, "Tribunal da Cidadania", repondo a competência da Justiça do Trabalho em seu leito histórico, antes que este conflito de competência se transforme em um conflito institucional.

 

*Presidente do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro e conselheiro da OAB/RJ

 


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