03/08/2018 - 20:59

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Lágrimas e homenagens no lançamento da Campanha pela Memória e pela Verdade

03/08/2018 - 20:59

Lágrimas e homenagens no lançamento da Campanha pela Memória e pela Verdade

Lágrimas e homenagens no lançamento da Campanha pela Memória e pela Verdade

 

Uma emoção reverente, feita de lembranças e de tributos àqueles que um dia, repentinamente, desapareceram das vidas de suas famílias e da História do país, dominou o lançamento da Campanha pela Memória e pela Verdade, em ato público realizado na sede da OAB/RJ, no dia 16 de abril, com a presença de cerca de 500 pessoas. Mas, longe de ser triste, as lágrimas que por diversas vezes correram livres nos rostos foram uma demonstração de força plural, paciente e determinada em busca do engajamento da sociedade para pressionar as autoridades em prol da abertura dos arquivos da ditadura.

 

Patrícia Nolasco

 

Na caixa de som, a voz de Chico Buarque cantando Angélica, música dedicada à estilista Zuzu Angel, era quase inaudível no burburinho do encontro de advogados, familiares de desaparecidos políticos, representantes de entidades de direitos humanos, grupos de estudantes, dirigentes partidários, sindicalistas, jornalistas, alguns militares e ex-presos da ditadura que lotaram o 9º andar da sede da Seccional. Foi quando o conselheiro federal Marcus Vinicius Cordeiro abriu o ato com a leitura do poema Os desaparecidos, de Affonso Romano de Sant’Anna, e fez-se um silêncio comovido. "Não há cova funda / que sepulte / a rasa covardia / Não há túmulo que oculte / os frutos da rebeldia / Cai um dia em desgraça / a mais torpe ditadura / quando os vivos saem à praça / e os mortos da sepultura", diziam os versos.

 

O Hino Nacional deu sequência à apresentação da campanha pelo tesoureiro da Seccional, Marcello Oliveira, que destacou o fato de o movimento ter sido idealizado "não como uma luta corporativa", apesar de os advogados também terem sofrido com a repressão, "mas a partir do compromisso indissociável" com o Estado Democrático de Direito. "Estamos aqui para relembrar nossos mortos, lembrar aqueles que heroicamente opuseram-se ao regime ditatorial", continuou Marcello, para afirmar: "O ser humano sem memória perde seu distintivo de humanidade. Um Estado sem memória não é nação. A memória nos distingue, nos protege, nos permite evoluir. As nações que se esquecem de seu passado permitem a repetição do arbítrio, porque o totalitarismo ressurge como resultado da ignorância, na maioria das vezes consequência, por sua vez, da desigualdade social".

 

Mais emoção dominou a platéia com a exibição do primeiro dos seis filmetes que começaram a ser veiculados no mesmo dia por emissoras de TV e cinemas, gravados por atores interpretando os desaparecidos políticos. Fez-se silêncio quando Fernanda Montenegro apareceu na tela como Sônia de Moraes Angel, torturada e assassinada em 1973. Seu marido, Stuart Angel Jones, havia sido morto antes, em 1971, num quartel da Aeronáutica. Incansável na busca de explicações oficiais, a estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart, morreu posteriormente num acidente automobilístico até hoje não esclarecido.

 

Depois de Fernanda, a cada intervalo entre os discursos na cerimônia, sucederam-se os spots mostrando Glória Pires como Heleni Guariba, Mauro Mendonça como Fernando Santa Cruz, Eliane Giardini como Ana Rosa Kucinski, José Mayer como David Capistrano e Osmar Prado no papel de Maurício Grabois. Ao final do texto explicando as circunstâncias em que desapareceram, diziam: "Será que essa tortura nunca vai acabar?"

 

Em sua fala comovida, o presidente da Seccional, Wadih Damous, dirigindo-se ao ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, contou que a ideia de empreender o movimento nasceu como reação à ruidosa oposição do ministério da Defesa e de comandantes militares à proposta apresentada por Vannuchi para a criação da Comissão da Verdade, a fim de investigar os crimes de tortura: "Decidimos não dar as costas para essa questão, e sim assumi-la como nossa. Que essa campanha, a partir da advocacia, se dissemine pelo país. Não podemos esquecer o que ocorreu no Brasil, os jovens não podem ignorar a história dos que foram perseguidos, torturados e mortos nos porões da ditadura".

 

Wadih lembrou que o Conselho Federal da Ordem promoveu duas ações junto ao Supremo Tribunal Federal; uma pedindo a abertura dos arquivos do período ditatorial, outra questionando a abrangência da Lei da Anistia para os crimes de tortura. E citou pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos em um caso de desaparição forçada de pessoas: "O dever de investigar fatos desse gênero subsiste enquanto se mantenha a incerteza sobre o destino final da pessoa desaparecida. Na hipótese de que circunstâncias legítimas da ordem jurídica interna não tenham permitido a aplicação das sanções correspondentes a quem seja individualmente responsável pelos delitos dessa natureza, o direito dos familiares da vítima de reconhecer qual foi seu destino e onde se encontram seus restos mortais representa justa expectativa, que o Estado deve satisfazer com os meios ao seu alcance."

 

A advocacia, recordou Wadih, também teve suas vítimas e seus heróis. "Heleno Fragoso, Sobral Pinto, Eny Moreira, Evaristo Morais Filho, Modesto da Silveira e muitos outros estão na galeria de honra da OAB.  E aqui explodiu a carta-bomba que era dirigida ao nosso presidente Eduardo Seabra Fagundes e matou sua secretária, dona Lyda Monteiro. A advocacia quer saber quem foram os responsáveis. As famílias têm o direito consuetudinário de dar descanso aos seus parentes", finalizou, aplaudido de pé pelo público, ao qual anunciou o propósito de levar à Câmara Municipal projeto para mudança do nome da Av. Marechal Câmara para Av. Dona Lyda Monteiro. No Congresso Nacional, a OAB vai propor a instituição do Dia Nacional dos Desaparecidos Políticos. O deputado  Alessandro Molon (PT/RJ) já apresentou, na Alerj, proposta neste sentido.

 

Atentos, os parentes de desaparecidos faziam coro de vozes para responder "presente!", a cada citação dos nomes das vítimas. Ao ser chamado para falar de seu pai, Fernando, que desapareceu após ser preso em 1974, Felipe Santa Cruz, presidente da Caarj, teve dificuldade para controlar a emoção. "Dessa dor e desse processo de luta contra a ditadura nasceu uma tribo forte, que não pode esmorecer, e essa campanha vai permitir que aqueles algozes saiam de seus buracos. Devem ao país essa explicação. Tenho orgulho de fazer parte desse movimento, orgulho de pertencer à OAB/RJ", disse.

 

Em seu breve discurso, o ministro Paulo Vannuchi falou da importância da campanha e de "semear a História em todas as redes públicas de ensino, para que os jovens possam levar adiante o bastão da defesa permanente da democracia". O presidente do Conselho Federal, Ophir Cavalcante, defendeu o papel da entidade "para que esse vazio seja preenchido, não pelas reparações justas, não pela dor dos filhos e mulheres, mas porque o Brasil deve olhar para o futuro e conhecer seu passado para não repetir os erros cometidos".

 

Participaram também do lançamento da campanha a vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato; a presidenta do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra; o então presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Henrique Maués; o presidente da Associação Brasileira da Imprensa (ABI), Maurício Azêdo; o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas; o vice-presidente da OAB/RJ, Sérgio Fisher, diretores e conselheiros da Seccional; e presidentes de subseções.

 


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