12/02/2016 - 12:43

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Exame toxicológico em funcionário gera polêmica

12/02/2016 - 12:43

Exame toxicológico em funcionário gera polêmica

VITOR FRAGA
Uma decisão polêmica da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), em novembro de 2015, considerou legal a aplicação de exames toxicológicos feitos por empresas em seus funcionários, desde que aconteçam aleatoriamente e com o objetivo de garantir a segurança dos trabalhadores. O relator do processo, desembargador Paulo Maurício Ribeiro Pires, afirmou em seu voto que “o fato de a empresa realizar o teste do etilômetro em seus funcionários de forma totalmente aleatória e mediante sorteio não caracteriza ato ilícito”, pois a medida estaria “visando a saúde e o bem estar” deles, “com vistas também a evitar a ocorrência de acidentes na obra pela qual era responsável” o empregado que pediu indenização, negada. No entanto, especialistas apontam que a realização desse tipo de exame sem a anuência do trabalhador pode caracterizar invasão de privacidade quando não houver interesse público envolvido, e que a prática muitas vezes expõe o funcionário, em vez de protegê-lo.

Na opinião do secretário-geral e presidente da Comissão da Justiça do Trabalho (CJT) da OAB/RJ, Marcus Vinícius Cordeiro, é preciso equilibrar a análise sob a ótica dos interesses individuais e coletivos. “No aspecto individual, há de se considerar direitos fundamentais da pessoa humana, notadamente a preservação da dignidade e intimidade. Creio que deva ser, de ordinário, esse o tratamento a ser dado aos trabalhadores, impedindo que ao alvedrio do empregador sejam realizados testes que possam desrespeitar aqueles princípios. Mormente se desnecessários em relação às atividades desenvolvidas, servindo tão somente para formação de juízos de valor e identificação comportamental”, diz.

Membro do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Gustavo Tadeu Alkmim também pondera a respeito da necessidade de proteção aos direitos do trabalhador. “Não conheço o citado acórdão do TRT-MG detalhadamente, e não sei das provas e das circunstâncias que envolveram aquele processo especificamente. Respondendo em tese, não me parece razoável a postura da empresa. Há limites para seu poder diretivo. O trabalhador tem direito à privacidade e faz uso das suas horas de descanso e lazer como bem entender. Nada justifica que o empregador interceda de forma punitiva. E ameaçadora”, critica. Para Alkmim, o aspecto da invasão à intimidade “parece evidente”. Se porventura, observa, “o trabalhador, fora do expediente, estiver fazendo uso de drogas ilícitas, corre o risco de responder legal e criminalmente. Mas isso faz parte da relação dele com a sociedade, e não com o seu empregador”, completa.

Para o relator da ação, desembargador Paulo Pires, no caso, não haveria conflito com a Constituição nem com a Convenção dos Direitos Humanos, pois não se trataria de produção de prova contra si próprio que justificasse punição por parte da empresa. Dessa forma, a turma de julgadores manteve a decisão de primeiro grau, que também julgou improcedente o pedido de indenização. 

Por outro lado, Cordeiro faz referência ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” –, ressalvando que, em alguns ramos de atividades de reconhecido risco, inclusive para a coletividade, exigem-se medidas preventivas que podem incluir a necessidade de exames dessa natureza. “É necessário que haja, no entanto, previsão contratual da autorização do empregado ou ajuste com o sindicato de classe para estabelecimento de critérios a serem observados, considerando-se sempre tratar-se da exceção à regra. À guisa de exemplo, podem ser citados o trabalho em navios, aeronaves, plataformas petrolíferas”, exemplifica. Mas, apesar de considerar a possibilidade de que a empresa de fato tenha visado a boa saúde dos empregados, o presidente da CJT observa que no caso em questão “não parece que haveria autorização do empregado, nem tampouco interesse público envolvido”, e que dessa maneira “teríamos aqui aquela hipótese de invasão da privacidade”. 

O desembargador Alkmim argumenta na mesma linha. “Uma coisa é o empregador apurar eventual conduta de empregado durante horário de trabalho e seu reflexo na execução do serviço, avaliando a possível motivação para a ruptura contratual, caso a caso. Outra situação bem diversa é quando ele joga sobre todos o manto da desconfiança, sem nenhum motivo concreto ou objetivo”, condena, acrescentado: “Ou seja, estamos diante, sim, da norma constitucional, também prevista no Pacto de San Jose da Costa Rica, que reza que ninguém está obrigado a produzir prova contra si, nem ser obrigado a se declarar culpado”.

Cordeiro ressalta que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem condenando empresas que realizam testes toxicológicos sem a permissão do empregado. “Acho que a decisão ainda pode ser reformada pelo TST. O teste julgado legal pelo TRT da 3ª Região aparenta ter ocorrido sem a anuência do empregado. E, para o tribunal, à falta do interesse público, seria uma invasão de privacidade, passível de condenação em danos morais. A jurisprudência já vem tratando do assunto, nos tribunais regionais e mesmo no TST”, conclui, citando uma ação de 2012 na qual o TST reformou decisão do TRT da 5ª Região (PE) e concedeu indenização por danos morais a um empregado que fora submetido ao teste toxicológico sem concordância prévia. Para o desembargador Alkmim, a realização de exames toxicológicos sem que haja interesse público, ainda que de forma aleatória, não protege os trabalhadores. “A premissa empresarial é que, possivelmente, algum ou alguns fazem uso de drogas ou álcool. O fato de haver um sorteio não abranda tal conclusão. Ao revés, coloca todos sob suspeita, até que, a cada exame, fique provado o contrário. Espalha-se insegurança, cria-se desconfiança generalizada, algo incompatível com a relação de trabalho, que presume a fidúcia recíproca. O que serviria para proteger, no fundo desprotege”.

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