12/02/2016 - 12:44

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MP 703/2015 Acordos de leniência

12/02/2016 - 12:44

MP 703/2015 Acordos de leniência

Reparação de danos 

RAFAEL VALIM*
 
A Medida Provisória 703, de 18 de dezembro de 2015, que dispõe sobre os chamados “acordos de leniência”, não consiste, naturalmente, em uma norma perfeita. Entretanto, é preciso reconhecer que, por meio dela, promove-se um fundamental aprimoramento na disciplina dos acordos de leniência, os quais, se bem empregados, podem constituir um valioso instrumento de enfrentamento à corrupção e, a um só tempo, de preservação de ativos fundamentais ao desenvolvimento econômico do país.

O tema tem despertado um debate bizantino, lamentavelmente contaminado pela nefasta conjuntura política em que estamos imersos. Interpretações completamente divorciadas do texto legal e em total descompasso com a experiência internacional são repetidas à exaustão, em um triste e constrangedor espetáculo hermenêutico.

A partir de uma leitura desapaixonada da aludida MP, verifica-se, de plano, que um dos seus aspectos centrais é a coordenação das diversas esferas de responsabilidade em cujos âmbitos se realiza a persecução dos atos ilícitos cometidos contra a Administração Pública. Para que se confira segurança jurídica aos acordos de leniência, é imprescindível afastar a possibilidade de imposição das mesmas sanções por diversos órgãos de controle – de que é exemplo eloquente a sanção restritiva ao direito de licitar e contratar com a Administração Pública –, razão pela qual a medida provisória permite que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, nas leis de licitações e contratos administrativos e no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência sejam incluídas nos acordos. A este respeito, aliás, convém anotar que a aplicação de sanções de igual natureza por diversos órgãos públicos é de constitucionalidade, no mínimo, duvidosa, a reforçar a importância desta inovação introduzida pela medida provisória. 

Outro ponto relevante é a extinção das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar com a Administração Pública como consequência do cumprimento do acordo de leniência, o que, internacionalmente, é conhecido como self-cleaning. Em redação muito próxima à recente Diretiva Europeia de Contratações Públicas, de 2014, a MP 703 estabelece que, mediante a cooperação da empresa com as investigações, a reparação do dano e o comprometimento na implementação de um rigoroso programa de integridade, poderá ela continuar participando de licitações e contratando com o Poder Público.

O acordo de leniência, nos parâmetros atuais, enseja uma radical transformação: em vez da incerta aplicação de sanções e reparação do erário após intermináveis batalhas judiciais, permite a pronta aplicação das sanções, a célere reparação do dano ao erário e, através da exigência dos programas de integridade, possibilita a refundação, sobre bases éticas, dos mercados atingidos pela praga da corrupção.
 
*Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji) e professor de Direito Administrativo da PUC/SP
 
Incentivo à corrupção

JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA*

 
A Lei Anticorrupção “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública...”. Seu objetivo é punir empresas corruptoras e fomentar a adoção de rigoroso compliance, criando ambiente concorrencial ético.

Punir essas empresas melhora a economia, permite que novos empreendedores se estabeleçam por competência, empresas reduzam seus custos, o país possa ter mais e melhor infraestrutura e mais empregos e renda sejam gerados.

É certo que empresas punidas sofrerão revezes: prejuízos, perda de fatias de mercado e até, eventualmente, encerramento das suas atividades. Isso é necessário. As empresas precisam temer as punições. O risco da corrupção precisa ser percebido como alto e não compensador, sob pena de fomentarmos uma cultura de impunidade e corrupção.

A norma será tão efetiva quanto seu poder de dissuasão. O que se quer é que a corrupção não ocorra, que as próprias empresas a rejeitem como forma de fazer negócios. Para tal, as sanções previstas devem ser exemplarmente aplicadas, sob risco de descrédito da norma e da autoridade responsável.

O acordo de leniência, previsto na norma para o combate à corrupção, é instituto pelo qual é conferida vantagem relevante à primeira empresa que denunciar a prática e os envolvidos, fornecendo provas que permitam desmantelar o esquema e punir os demais. Ele funciona justamente pelo incentivo concedido apenas à primeira empresa que traga informações ainda não conhecidas, permitindo que a investigação tenha avanço tão relevante quanto a vantagem concedida à colaboradora. Por isso mesmo, o acordo não pode ser feito com todas que o desejem, mas somente com quem se adiante para colaborar.

Grave falha da lei foi não exigir a anuência do Ministério Público nos acordos de leniência e deixar essa atribuição para um órgão sem independência e autonomia, do Poder Executivo, quase sempre envolvido no esquema de corrupção. A corrupção é sempre criminosa. A necessária participação do Ministério Público é evidente. O MP, com acesso a dados sigilosos da investigação policial, é quem tem condições de aferir se os fatos relatados pela candidata ao acordo são novos e relevantes para a investigação.

Em 18/12/2015, foi editada a Medida Provisória 703, que alterou a Lei Anticorrupção. Além de manter suas falhas, não mais exige que a empresa seja a primeira ou que reconheça o ilícito, além de pretender adiar a atuação do Tribunal de Contas da União para após a celebração dos acordos, ignorando que ele pode fiscalizar qualquer ato da administração a qualquer tempo, com a necessária expertise para aquilatar danos ao erário, especialmente no caso da Lava Jato. 

Usar os acordos de leniência para salvar grandes financiadoras de campanhas eleitorais, com o pretexto de salvar empregos, prejudica a economia e os trabalhadores das empresas que não aceitam a corrupção.
Não punir as empresas envolvidas não só é ilegal e imoral, como mantém o país na vanguarda do atraso.
 
*Procurador do Ministério Público de Contas que atua perante o Tribunal de Contas da União

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