06/06/2017 - 13:29

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Convocação de Constituinte é oportuna?

06/06/2017 - 13:29

Convocação de Constituinte é oportuna?

Não temos soluções e propostas capazes de gerar amplo consenso

RUBENS GLEZER*
A campanha pela realização imediata de um processo constituinte, amplo ou exclusivo, é um equívoco. Há sem dúvida certo apelo democrático na ideia de que devemos nos livrar de um modelo imposto pelo passado e repropor coletivamente os rumos que a atual geração deseja para o país. Contudo, o romantismo por trás dessa bandeira perde força ao ser confrontado com a gravidade das dúvidas práticas e políticas que um processo constituinte traz consigo.

Em primeiro lugar, é crucial estabelecer com clareza que tipo de pessoa será responsável pela redação e pela aprovação do texto. Se forem os próprios deputados e senadores que atualmente ocupam ou concorrem aos cargos de parlamentares, não há razões para imaginar que eles terão mais clareza e capacidade para estabelecer diretrizes melhores do que as vigentes. Porém, para responder a essa angústia, defende-se que o processo constituinte deveria ser liderado por membros notáveis da sociedade. Mas essa solução traz novas dúvidas. Afinal, quem seriam esses notáveis e como eles seriam escolhidos? Pela população em campanha política, eleitos por parlamentares ou indicados por determinadas categorias profissionais? 
Isso faz toda a diferença para a legitimidade e efetividade das escolhas realizadas.

Além disso, a ideia de que a Assembleia Constituinte seria conduzida por alguns notáveis parece carregar a falsa noção de que é possível ter uma nova Carta totalmente técnica, que seria produzida por um tipo de conhecimento científico e, com isso, isolada de interesses políticos e, mais ainda, partidários. Porém, essa intuição possui dois problemas. O primeiro é que não existem soluções “científicas” dessa natureza. Os posicionamentos podem ser mais ou menos bem informados, de boa fé, fundados no interesse público, mas sempre políticos e carregados de certos tipos de interesses. Não há resposta politicamente neutra em relação ao modelo de Previdência, gastos públicos, sistema de saúde etc. O segundo problema diz respeito ao fato de que qualquer “notável” também pode estar altamente implicado com interesses partidários ou de determinados setores econômicos ou sociais. Além disso, quando falamos em “notáveis”, é preciso ter clareza a respeito de qual tipo de notabilidade se fala: são apenas notórios detentores de saber jurídico e econômico ou haverá espaço para profissionais da saúde, da assistência social, da psicologia, da arquitetura, sociologia etc? E será que nesse âmbito não haverá espaço para contribuição da sociedade? Queremos mesmo uma Constituição aristocrática?

Se a Constituinte for exclusiva, as dificuldades apenas se acentuam, pois além de tudo haverá dificuldade em delimitar o que será objeto dessa atividade. Uma assembleia apenas sobre o sistema político pode ser sobre qualquer coisa. Desde separação de poderes e federalismo até o regime dos cargos em comissão. Na prática, qualquer constituinte exclusiva pode se tornar geral.

O processo constituinte é um momento de estabilização de novas diretrizes e propostas políticas no país. Mas é justamente essa dimensão da nossa vida política que está em crise. Aparentemente, não temos soluções e propostas capazes de gerar amplo consenso. Em outras palavras, todos queremos reformas, mas não concordamos sobre o que refomar e de que maneira.

Uma nova assembleia é um anseio legítimo, mas desejá-lo para agora é recair na farsa de soluções fáceis em detrimento de buscar um processo de longo prazo de informação da população e qualificação do debate público.

*Professor de Direito Constitucional da Escola de Direito da FGV/SP e coordenador do centro Supremo em Pauta

País não pode desperdiçar mais esta oportunidade que a história lhe oferece

REGINALDO DE CASTRO*

Há duas formas de ruptura da ordem constituída de um país: a revolucionária, imposta pela violência, e a que decorre do contínuo esgarçamento do tecido constitucional.

É o caso brasileiro. No próximo ano, a Constituição de 1988, promulgada ao fim do regime militar, completará três décadas, no curso das quais nada menos que 95 emendas lhe foram apostas.

Entre estas, a que muda o sistema previdenciário – e está presentemente em discussão –, além de outras referentes a questões de ordem trabalhista, eleitoral e econômica, que, por sua natureza, são sujeitas a oscilações conjunturais e deveriam constar da legislação ordinária. O excesso de detalhismo baseou-se no equívoco de que basta rechear a legislação de direitos para garanti-los.

Além de não os garantir, incentivou a obsessão revisionista, acrescida agora por decisões, monocráticas e coletivas, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como a que revogou o princípio da presunção de inocência e as que investiram contra a independência e separação dos poderes. Chegamos então ao presente quadro de impasse que dificulta – ou mesmo impede – a governabilidade, com uma Carta Magna que abarca temas que de modo algum lhe dizem respeito, como esporte, cultura, ordem financeira, índios, Colégio Pedro II etc. Não podia dar certo.

A conjunção presente de crise econômica e política, num quadro de corrupção sistêmica, que levou ao segundo impeachment de nossa história no espaço de apenas duas décadas e meia, não deixa dúvida: o país precisa de outra Constituição.

Será a sétima de nossa República, que este ano fará seu 128º aniversário; a dos Estados Unidos, nunca é demais lembrar, é a mesma desde sua independência, há 238 anos, com apenas 27 emendas nesse período.
O que há de comum em todas as constituintes republicanas brasileiras, desde a primeira, em 1891, é o fato de terem sido elaboradas pelo Legislativo que, inevitavelmente, legislou em causa própria. Dominadas pelos partidos, cuidaram dos interesses do estamento político-burocrático-oligárquico e moldaram o Estado segundo tais conveniências.

O que o país precisa – e não pode desperdiçar mais esta oportunidade que a História lhe oferece – é de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, apartidária, sem parlamentares (salvo os que renunciem a seus mandatos para integrá-la), que funcione independentemente do Congresso e que se dissolva na sequência imediata da promulgação da Carta.

Nunca houve isso em nossa História. A única oportunidade em que tal se deu, na sequência imediata da Independência, em 1823, a índole autoritária do imperador Pedro I a dissolveu, manu militari, promulgando, um ano depois, a Carta que haveria de viger por todo o período monárquico, alterada apenas pelo Ato Adicional de 1834.

A República, que prometia ordem e progresso, sucumbiu à instabilidade constitucional, derivada, sobretudo, da impureza original de suas constituintes, pecado que não mais pode cometer.

O presente modelo, oligarca, corporativista, cartorial, recheado de privilégios de castas, abrigados sob o guarda-chuva estatal, não será removido de modo algum se a nova ordem constitucional derivar mais uma vez de um Congresso-Constituinte.

Nessa hipótese, o país se manterá refém do atraso e da corrupção, de tempos em tempos assolado por novos mensalões e petrolões, que, por sua vez, levarão a classe política ao banco dos réus, legando a seus sucessores as mesmas ciladas e tentações, que desmoralizam a democracia e renovam a tentação autoritária.

A OAB, que integro por sido seu presidente nacional, tenho certeza de que promoverá um grande debate em torno do tema, tão relevante para as próximas gerações.

Só uma Constituinte verdadeira terá meios de refundar ou, enfim, proclamar de fato a República.

*Ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil

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