06/06/2017 - 13:22

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Governo não tem legitimidade para propor reformas, afirma Felipe

06/06/2017 - 13:22

Governo não tem legitimidade para propor reformas, afirma Felipe

Em meio à crise política envolvendo a investigação de denúncias contra o presidente da República, Michel Temer, OAB/RJ pede paralisação no andamento dos projetos de reformas previdenciária e trabalhista e adota luto oficial na entidade. Seccional encaminhou posicionamento à votação do Conselho Federal, que decidiu pedir à Câmara dos Deputados abertura de processo de impeachment de Temer

CÁSSIA BITTAR

Luto oficial até o afastamento do presidente da República, Michel Temer, com faixas pretas na fachada do prédio da Seccional e iluminação especial, paralisação de todas as reformas em curso e apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC 227/2016), de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede/RJ), que permite eleições diretas para a Presidência da República em caso de vacância do titular. Essas medidas foram decididas pelo Conselho Pleno da OAB/RJ que, em sessão ordinária, no dia 18 de maio, debateu a agudização da crise política do país, com a abertura de investigação contra Temer pelo Supremo Tribunal Federal, a partir da delação premiada do executivo do grupo empresarial JBS, Joesley Batista, encaminhada pela Procuradoria Geral da República no âmbito da operação Lava-Jato.

Dois dias depois, a OAB/RJ ratificou seu entendimento na sessão extraordinária convocada pelo Conselho Federal, em Brasília, que decidiu pedir abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Além do Rio de Janeiro, representado pelo presidente Felipe Santa Cruz e pelos conselheiros federais Carlos Roberto Siqueira Castro, Luiz Gustavo Bichara e Sergio Fisher, mais 25 estados foram a favor, havendo apenas uma divergência, do Amapá. Os conselheiros acolheram voto proposto por comissão especial da OAB Nacional que analisou os autos do processo que investiga Temer.

O pedido da OAB foi protocolado na Câmara dos Deputados no dia 25 de maio. O Conselho Federal entendeu que há indícios, de acordo com as provas, de que o presidente da República agiu “de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, conduta prevista na lei que define os crimes de responsabilidade de presidentes e ministros.

De acordo com a comissão especial criada pelo Conselho Federal para analisar a questão, Michel Temer infringiu a Constituição da República (artigo 85) e a Lei do Servidor Público (Lei 8.112/1990) ao não informar à autoridade competente a admissão de crime de peculato (Código Penal, art. 312) pelo empresário Joesley Batista, que teria admitido ao presidente a corrupção de três funcionários públicos: um juiz, um juiz substituto e um procurador da República – como consta no áudio anexado ao processo.

A comissão também entendeu que Temer faltou com o decoro exigido do cargo, condição prevista tanto na Constituição quanto na Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), por ter se encontrado com Batista, proprietário de uma empresa envolvida em cinco inquéritos policiais, o grupo JBS, sem registro da agenda, além de ter prometido agir em favor de interesses particulares. O parecer da comissão foi lido na sessão do dia 20 de maio pelo relator Flávio Pansieri, que teve como colegas de colegiado Ary Raghiant Neto, Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Márcia Melaré e Daniel Jacob.

Em seu pedido à Câmara dos Deputados, a OAB solicitou que Temer fique inabilitado de exercer cargo público por oito anos. Segundo o presidente do Conselho Federal, Cláudio Lamachia, o resultado da perícia dos áudios gravados por Joesley, que está sendo feita pela Polícia Federal por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), não muda a decisão da Ordem.

“O áudio da conversa pode até mesmo ter sofrido alguma adaptação ou alguma interferência, mas o fato de o presidente da República, em seus dois pronunciamentos e em entrevista para um jornal de ampla circulação nacional, não ter negado que houve os diálogos torna estes fatos absolutamente incontroversos. E, portanto, na visão da OAB, nós temos aqui presente o crime de responsabilidade do senhor presidente da República”, disse Lamachia ao chegar à Câmara, onde entregou pessoalmente o pedido de impeachment.

O pedido da OAB se juntou a mais 12 pedidos de impeachment que, na ocasião, já haviam sido protocolados na Câmara. Para o presidente da Ordem, um novo processo, o segundo em menos de dois anos no Brasil, não traria desestabilização no país. “A OAB cumpre o seu papel, apresenta dois pedidos de impeachment de dois presidentes da República, processos diametralmente opostos no que diz respeito à questão das ideologias partidárias, o que demonstra que a Ordem é uma instituição absolutamente independente e apartidária”, declarou.

Diretas e reforma política
A necessidade de urgência na análise da PEC 227/2016 é um dos pontos que têm sido destacados pela OAB/RJ, tendo sido pontuado por Felipe na sessão especial na OAB Nacional. “A legitimidade democrática só pode ser restaurada neste momento através de eleições diretas. Defender a democracia é defender o povo e a volta do povo à condução do processo”, argumentou.

Em sua fala na sessão especial que votou o pedido de impeachment de Temer, o presidente da Seccional lamentou o fato de que metade dos presidentes eleitos desde a redemocratização não tenha terminado o mandato no Brasil: “Voto aqui sem nenhuma satisfação, porque teremos o terceiro presidente desde a redemocratização a não terminar o mandato, ou seja, 50%. Isso demonstra que esse sistema apodreceu.”
Felipe levou aos conselheiros federais o entendimento da OAB/RJ de que há necessidade urgente de se discutir a reforma política no país: “Não há outra saída senão a implementação de uma reforma política que verdadeiramente permita a separação entre os interesses públicos e privados”.

Na nota oficial divulgada pela Seccional após a sessão do Conselho Pleno em 18 de maio, se afirma ainda a posição institucional de defesa da paralisação de todas as reformas propostas pelo governo federal em curso no Congresso Nacional “frente à patente ausência de legitimidade do senhor presidente da República para liderar este processo”. 

As reformas da Previdência e trabalhista já vinham sendo duramente criticadas pela OAB/RJ, tanto por suas propostas quanto por seu encaminhamento, em medida de urgência, no Congresso. Capa da última edição da TRIBUNA, o ato para debater os dois projetos com diversas entidades da sociedade civil foi realizado na Seccional no dia 19 de maio, em meio às ainda recém-divulgadas denúncias contra o presidente da República.

Mesmo com o adiamento da tramitação das duas propostas em razão do cenário de crise, o encontro lotou o auditório, reunindo representantes da classe, magistrados, sindicatos, associações e membros da sociedade civil, preocupados com as mudanças.

Entre outros pontos criticados pela classe trabalhista, a reforma prevê alterações na CLT, como a prevalência do acordado sobre o legislado entre empregadores e empregados, demissão por acordo, parcelamento de férias, contribuição sindical facultativa e permissão, mediante atestado médico, para que grávidas e lactantes trabalhem em ambientes com insalubridade leve e moderada.

Segundo o presidente da Seccional, o momento de incerteza exige união da classe para resistir ao avanço das reformas que, no entender dele, “emitem um boleto ao povo trabalhador para pagar pela grave crise institucional e econômica que acomete o país”.

Felipe acredita que não há legitimidade nas reformas como foram apresentadas. “A reforma trabalhista busca o fim da Justiça do Trabalho. Mesmo aqueles que possam entender que aqui e ali se deve ajustar tanto a Previdência quanto a legislação trabalhista, sendo democratas, não podem aceitar esses projetos como estão sendo apresentados, ainda mais com um governo que não tem mais legitimidade para governar o Brasil, que se mostra acumpliciado com os interesses que não são os interesses da República. Não há meio termo. A única posição de um democrata neste momento é dizer não às reformas”, declarou.

Presidente da Comissão de Justiça do Trabalho, Marcus Vinícius Cordeiro reforçou que o adiamento da votação da reforma trabalhista não tira a preocupação com o projeto, devido à falta de perspectiva quanto ao seu andamento. “O fato é que estamos tendo que lutar pelos mesmos direitos que motivaram uma greve geral há 100 anos no Brasil. Isso é simbólico o suficiente”.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, um dos principais articuladores da reforma da Previdência, afirmou que a agenda no Congresso Nacional seguirá independentemente do destino de Michel Temer frente à presidência do país.

Vice-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/RJ, Rita Cortez afirmou que o momento é de fortalecimento da classe e de atenção em relação ao possível avanço das duas pautas.

Em participação no ato da Seccional, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Arantes citou experiências internacionais parecidas com as propostas pela reforma, voltadas à flexibilização das leis trabalhistas: “Essa já foi uma experiência negativa na Espanha, no México, na Argentina e no Reino Unido. Em nenhum dos lugares em que foi implementado esse programa gerou empregos ou cumpriu o que propunha”, explicou.

Uma das principais alegações de quem defende o texto da reforma trabalhista, a de que a negociação entre empregadores e empregados não poderá se sobrepor à Constituição Federal, foi citada no evento pelo corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), José Nascimento Araújo Netto, que rebateu: “Parece muito humanista e respeitador do espírito da Constituição Cidadã quando o projeto diz que não poderão ser objeto de negociação temas que digam respeito à medicina, à saúde e segurança do trabalhador. Mas logo depois existe um parágrafo que diz o seguinte: ‘temas relativos à duração do trabalho e a intervalos não constituem temas vinculados à medicina, à saúde e à segurança do trabalhador’. Algo perfeitamente vergonhoso, aviltante, que desconhece as estatísticas de saúde, estresse, fadiga e acidentes de trabalho”, ponderou.

Participaram também do ato o decano e ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ João Baptista Lousada Câmara; a presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região (Amatra-1), Cléa Couto; o deputado federal Glauber Braga (Psol/RJ); o ex-presidente do IAB Henrique Cláudio Maués; o procurador do Trabalho João Carlos Teixeira; e o desembargador do TRT José Luis Xavier.

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