11/09/2017 - 14:31

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Pierre Moreau - advogado: ‘A história de um país também é feita dos crimes que causam impacto na opinião pública’

11/09/2017 - 14:31

Pierre Moreau - advogado: ‘A história de um país também é feita dos crimes que causam impacto na opinião pública’

Racismo, canibalismo, política e paixão são alguns temas que atravessam as histórias reunidas no livro Grandes crimes. Organizada pelo advogado Pierre Moreau e publicada pela editora Três Estrelas, a obra reúne 12 juristas cujos textos buscam iluminar desde casos célebres, como o atentado do Riocentro e o assassinato da atriz Daniella Perez, até episódios que, embora reveladores dos matizes mais complexos da alma humana, mantinham-se à sombra da memória coletiva.

“A inspiração para o livro se deu no entendimento de que muitos crimes e delitos chegaram ao conhecimento do público com notoriedade, até mesmo por conta da cobertura pela imprensa. Mas com o vácuo de tempo entre o fato, o decorrer das investigações, o processo criminal e o trânsito em julgado, boa parte da população não tinha conhecimento sobre o desfecho dos casos”, afirma Moreau, que assina um dos textos.
 
O rol de autores inclui Arnaldo Malheiros Filho, Celso Lafer, Eros Roberto Grau, José Paulo Cavalcanti Filho, Luiza Nagib Eluf, René Ariel Dotti, Alice Luiz, Eduardo Muylaert, José Alexandre Tavares Guerreiro, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e José Renato Nalini. As histórias estão dispostas em ordem cronológica e vão do início do século passado aos dias atuais. 

“A história de um país também é feita dos crimes cometidos pelos cidadãos que provocam forte impacto na opinião pública”, resume Moreau, que é doutor em Direito pela PUC-SP e sócio fundador da Casa do Saber/SP.
 
MARCELO MOUTINHO

Como nasceu a ideia do livro? 
Pierre Moreau – Grandes crimes integra uma sequência de trabalhos, dos quais participo como escritor e organizador, que visam à partilha de experiências entre profissionais e o público, sejam estudantes ou demais interessados. São temas desde o Direito, como Grandes advogados e Letras da lei, até investimento e finanças, como Fora da curva. Já a inspiração para Grandes crimes se deu no entendimento de que muitos deles chegaram ao conhecimento do público com notoriedade, até mesmo por conta da cobertura pela imprensa. Mas com o vácuo de tempo entre o fato, o decorrer das investigações, o processo criminal e o trânsito em julgado, boa parte da população não tinha conhecimento sobre o desfecho dos casos. Neste sentido, a obra reúne episódios com grande comoção popular e impacto na história brasileira a partir da narrativa de importantes juristas brasileiros sobre os detalhes dos casos e suas conclusões. Finais que nem sempre correspondem às previsões noticiadas e discutidas na imprensa.

O livro traz desde histórias como o do “jovem portuguesinho” Seu Joaquim, que alveja os chefes da empresa na qual trabalha, até crimes célebres, como os assassinatos do escritor Euclides da Cunha e da atriz Daniella Perez. Um naipe bastante variado, portanto. O senhor percebe alguma interseção entre as histórias narradas? Qual?

Moreau – O eixo comum nos casos relatados em Grandes crimes está na densidade humana. Todos os episódios abordam questões muito profundas para o ser humano quando se envolve o tema morte. As pessoas têm curiosidade em relação à morte e os crimes de sangue, quando se tem corpos no chão, aguçam esta curiosidade. A morte é um fato que ocorrerá para todos os seres humanos, sendo inegável como crimes de sangue e tragédias, responsáveis pela interrupção do fluxo natural da vida, chocam a todos.

Citando Dostoiévski, o senhor salienta que “o criminoso, no momento em que pratica seu crime, é sempre um doente”. A frase se aplicaria também aos crimes de fundo político tratados no livro, como o famoso atentado da Rua Tonelero, em que foi baleado o jornalista Carlos Lacerda, o assassinato do deputado Rubens Paiva e a bomba no Riocentro? 

Moreau – Na nova leitura proposta em Grandes crimes, a “doença” se encontra nos males da sociedade que se tornam visíveis quando as atrocidades ocorrem. Mas há uma linha positiva que leva a sociedade a promover uma reflexão sobre si. É possível dizer que o atentado ao Riocentro foi um dos fatos catalisadores do processo de redemocratização do país. A morte de Rubens Paiva causou grande indignação nacional a ponto de o caso ser referência para mudanças legislativas. E o ataque a Carlos Lacerda prejudicou a credibilidade do governo Getúlio Vargas.

No romance A hipótese humana, o narrador criado pelo escritor Alberto Mussa diz que “uma cidade se define pela história de seus crimes”. Poderíamos afirmar que o mesmo vale para a história de um país? Se sim, como os casos abordados em Grandes crimes ajudam a explicar a história do Brasil?

Moreau – No meu ponto de vista, a história de um país também é feita dos crimes cometidos pelos cidadãos que provocam forte impacto na opinião pública. São episódios que têm como característica elevado apelo midiático com possibilidade de influenciarem nos rumos da nação. E, em verdade, os crimes, sejam os assassinatos ou as vinganças, delitos políticos ou financeiros, estimulam a curiosidade das pessoas desde o início dos tempos. Mas, hoje, os crimes estão sempre nos noticiários dos canais de televisão, nas páginas dos jornais e na internet. A repercussão noticiosa está na palma da mão das pessoas pelo uso de smartphones.
Todos estes grandes destaques às seções policiais, com até mesmo edições especiais, poderão influenciar, em certa medida, a opinião pública.

O senhor comentou em entrevista que os crimes reunidos no livro, devido à comoção social que suscitaram, em muitos casos chegaram a alterar a jurisprudência brasileira. Em que medida as pressões da sociedade se refletem na mudança do entendimento dos tribunais? Isso, a rigor, não pode representar um perigo?

Moreau – Os tribunais interagem com a sociedade civil como um todo e com os órgãos de imprensa. A sociedade é permeável, sendo possível dizer que há certa influência da opinião pública na jurisprudência. 
Essa influência é o resultado da tensão de forças entre os anseios da sociedade, a elaboração das leis nas assembleias representativas, o trabalho dos operadores do Direito e as decisões proferidas nos tribunais. Se é fundamental dar a possibilidade de manifestação a todos os atores envolvidos num determinado tema, a sociedade conquista função inquestionável no aperfeiçoamento das leis de modo que a administração pública cumpra a legislação rigorosamente. E, no caso do sistema de justiça, os processos judiciais e decisões proferidas necessitam sempre se ater às normas vigentes numa atuação imparcial com respeito pleno ao direito de defesa de todos os cidadãos.

Algumas histórias expõem uma discrepância entre a versão da imprensa e a verdade dos autos para o crime em tela. É o caso do assassinato de PC Farias. Como o senhor vê esse contraste de visões? 

Moreau – É neste aspecto que se delineia a contribuição de Grandes crimes, ao fazer o contraponto entre as notícias e discussões midiáticas e o desfecho dos episódios. Muitas decisões nos crimes retratados não confirmaram as previsões dos veículos de comunicação à época de acontecimentos dos casos. Isto significa que mudanças podem ocorrer seja durante as investigações, no curso do processo criminal, na decisão do júri ou no trânsito em julgado. Grandes crimes, por este ângulo, bebe na fonte dos livros de Garcia-Roza e, em especial, na figura do delegado Espinosa, cujo trabalho leva a desfechos surpreendentes nos crimes investigados pelo personagem. Seja pela investigação ou conclusão inesperada anteriormente pela imprensa, Grandes crimes pretende demonstrar como os casos fazem aflorar discussões importantes na sociedade. Isto, em temas relevantes para estudantes, advogados, jornalistas e demais interessados na cobertura de crimes que podem mudar a história de um país.
 

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