09/05/2017 - 16:28

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Reforma trabalhista: modernização ou retrocesso?

09/05/2017 - 16:28

Reforma trabalhista: modernização ou retrocesso?

IVAN SIMÕES GARCIA*
CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO**

 
Mais uma vez as propostas de flexibilização da legislação trabalhista reaparecem como solução para a crise econômica e o desemprego, sob a alegação de que garantirão a efetiva proteção dos trabalhadores, o que a CLT não consegue fazer. Afirmam que a reforma irá gerar aumento dos empregos, da capacidade produtiva e competitiva e que trará maior segurança jurídica para a relação capital-trabalho. Será? Não é o que nos parece. Vejamos.

A reforma trabalhista foi apresentada pelo governo em dezembro de 2016, através do Projeto de Lei 6.787. Tratava-se de uma reforma pontual, centrada em poucos dispositivos, mas o substitutivo apresentado pelo relator desfigura o projeto e, ao cabo, a própria CLT.

Não bastasse isso, a Câmara dos Deputados desenterrou e aprovou uma regulamentação da terceirização e a ampliação das possibilidades de contratação por trabalho temporário, alterando a Lei 6.019/1974 através da Lei 13.429/2017.
 
Por que mudar?
Os que defendem a reforma acusam a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/1943) de ser uma norma velha, desatualizada em termos jurídicos e anacrônica em termos de realidade econômica, carecendo ser “modernizada”.

De fato, a principal lei trabalhista tem 74 anos. Porém, é de se registrar que mais de 85% dos seus artigos foram alterados ao longo dos anos, buscando atualizar suas regras e institutos.

Mesmo assim, há insuficiências, como dispositivos que atualizem a visão empresarial. Nos países desenvolvidos, a transparência da gestão, a democratização da informação e a função social prevalecem sobre o amesquinhamento da empresa como o espelho da vontade, do controle e do poder de seus donos.

Também é preciso regulamentar diversos institutos, como o teletrabalho, e a responsabilidade por dano patrimonial e extrapatrimonial do empregador, mas antes é preciso regulamentar dispositivos constitucionais que até hoje enfrentam a omissão inconstitucional do Congresso, como a proteção contra a dispensa arbitrária e sem justa causa, proteção do salário, adicional de penosidade e proteção em face da automação, dentre outros.

Aqui é preciso compreender que, inobstante alterações feitas e insuficiências remanescentes, qualquer reforma deve compreender que o marco regulatório do Direito do Trabalho se deslocou da CLT para a Constituição, eis que esta passou a ser o centro do sistema jurídico em lugar do Código Civil e sua lógica privatista.
 
O que se pretende mudar?
Como dito, a reforma se tornou muito maior do que inicialmente se previa, e isso ocorreu pela correlação de forças políticas favorável à desestruturação dos direitos garantidos aos trabalhadores e a oportunidade de acelerar a tramitação das alterações sem maiores discussões com a sociedade.

Destaquemos que o discurso da reforma é calcado em (i) reduzir a intervenção estatal no domínio econômico; (ii) valorizar a negociação coletiva; (iii) reduzir o conceito de indisponibilidade de direitos e (iv) reduzir um suposto ativismo judicial trabalhista.

A valorização da negociação coletiva é um antigo postulado do Direito do Trabalho e encontra matriz no artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição, que autoriza expressamente sua possibilidade flexibilizadora nos casos de salário (7º, VI), jornada (7º, XIII) e turnos de revezamento (7º, XIV). 

Como norma mais benéfica ao trabalhador, a negociação coletiva sempre prevaleceu. O que se pretende na reforma, então, é fazê-la prevalecer em prejuízo ao trabalhador, o que se mostra contrário aos ditames constitucionais.

Até porque, ao passo que homenageia o negociado sobre o legislado, a reforma traz em seu bojo o enfraquecimento dos sindicatos, ao negar seu acesso ao financiamento, com o fim da contribuição sindical, malgrado mantenha as obrigações de assistência jurídica gratuita e a elaboração dos acordos e convenções coletivas, sendo, ainda, agravada sua situação com a proibição, pelo STF, da cobrança da contribuição assistencial de não associados.

Assim, a negociação coletiva, sobretudo num contexto de sindicatos fracos ou fragilizados, não pode servir de instrumento para transgredir os limites constitucionais de proteção ao trabalho.

Em relação à restrição da indisponibilidade de direitos trabalhistas, a reforma faz isso mediante a flexibilização de direitos individuais do trabalhador e a ampliação das formas contratuais com menor proteção.

Como diminuir custo do trabalho sem reduzir direitos?
É preciso ressaltar que o Direito do Trabalho cumpre um papel importante nas sociedades contemporâneas, atendendo não só o interesse social de integração dos trabalhadores, ao aproximá-los de uma posição de bem-estar e vida digna, mas cumprindo também a função econômica de servir ao empresariado com a formação de um mercado consumidor interno, como mecanismo que evita crises causadas pela formação de monopólios ao criar padronização no valor da força de trabalho e na organização da produção.

A rigor, o impacto da legislação trabalhista no emprego é residual, pois o que gera empregos é o aumento do nível de investimentos na economia. Mas o certo é que a flexibilização da proteção e a supressão de direitos dos trabalhadores não geram um único emprego, como têm demonstrado pesquisas feitas a respeito (por exemplo, o estudo realizado pela OIT em 2015: World employmentand social outlook).

As intenções reveladas no substitutivo do PL 6.787/16, no plano jurídico, são fundamentalmente de ampliar as possibilidades da liberdade contratual individual, e, com isso, retomar os padrões jurídicos do Século 19 e fragmentar e enfraquecer ainda mais a organização sindical dos trabalhadores. Trata-se de uma perspectiva que enxerga o trabalho meramente como custo e não como investimento.

No entanto, a proposta de redução do custo do trabalho suprimindo direitos e afrontando a Constituição é irracional, pois a curto prazo precariza o trabalho, reduzindo o nível de produtividade, e, a médio prazo, enfraquece o mercado interno, desindustrializa o país, solapa o desenvolvimento e deteriora a agregação social.

Uma reforma trabalhista necessária deve qualificar a remuneração e melhorar as condições de trabalho, sobretudo em termos de conhecimento para ampliar a produtividade. Deve reduzir a tributação baseada no trabalho, para diminuir o custo de produção sem suprimir direitos, e deve garantir a plena estruturação e atuação dos sindicatos para que, então, se permita a democratização das informações e da gestão da empresa, alcançando-se uma verdadeira modernização da relação capital-trabalho.

A reforma, tal como proposta, retoma o movimento iniciado nos anos 1990 de desmontar a legislação protetiva do trabalhador, propondo um verdadeiro retrocesso social travestido de modernização, a despeito do sentido de melhoria que a Constituição determina no caput do artigo 7º. Os resultados daquele movimento de desregulamentação, mesmo sem a drástica redução de direitos ora proposta, resultou em forte desemprego, sentido em todo o mundo. É preciso aprender com os erros.
 
*Advogado trabalhista, professor de Direito do Trabalho da Uerj e da UFRJ

**Conselheiro da OABRJ e membro da Comissão da Justiça do Trabalho da Seccional
 

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