09/05/2017 - 16:05

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‘Volume de casos que entram no TRF-2 não tem sido compatível com a força de trabalho’ André Ricardo Cruz Fontes – presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

09/05/2017 - 16:05

‘Volume de casos que entram no TRF-2 não tem sido compatível com a força de trabalho’ André Ricardo Cruz Fontes – presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Ao iniciar, mês passado, a gestão do biênio 2017-2019, o novo presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador André Ricardo Cruz Fontes, já encontrou a casa em regime de contenção de recursos, pessoal insuficiente e aumento de demandas. Ao mesmo tempo, os desdobramentos da operação Lava-jato lançam o foco das atenções do Rio de Janeiro para o tribunal, onde serão julgados o ex-governador Sérgio Cabral e demais envolvidos nos escândalos de corrupção no estado. Para Fontes, os concursos em andamento devem aliviar um pouco a falta de servidores e juízes e dar maior celeridade aos julgamentos, mas ele admite que está difícil atender às metas.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Quais são os principais desafios para a sua gestão à frente do TRF-2, num momento de cortes orçamentários e recursos reduzidos, em razão da crise que atinge o país e, mais gravemente, o Estado do Rio de Janeiro? O Judiciário federal também sofre efeitos na prestação jurisdicional?

André Fontes – O tribunal está a ser desafiado pela maior crise econômica que o Brasil teve em nossa história, pior do que a dos anos 1980. Partindo dessa premissa, lembro que já houve uma série de decisões tomadas na esfera mais ampla dos tribunais regionais federais, de controle rígido de gastos e de custos. Tivemos reduções em pontos importantes, desde elevadores até número de estagiários. Desde manutenção, aquisição de materiais, energia, redução do horário de expediente em algumas situações etc. O que mais me preocupa é que isso tem uma consequência no desempenho estatístico. A crise nos obriga, como obrigou a gestão anterior, a ser mais parcimoniosos nos gastos, para haver melhor desempenho nesta relação de custo e benefício. Nas turmas que atendem as áreas criminal, previdenciária e de propriedade industrial, temos de 500 a 600 casos por cada sessão de julgamento. Os números têm aumentado de ano para ano, não é fácil mantê-los com essas dificuldades. Nas turmas tributárias, já estamos com incapacidade, o volume de casos que entram não tem sido compatível com a força de trabalho para o desempenho das tarefas. Nas administrativas, o aumento é muito maior ainda. Estamos há uns 16, 17 anos, com a mesma estrutura. São quase duas décadas de duplicação de tarefas e menos servidores, já que o aumento das aposentadorias em razão da crise tem nos afetado. Hoje, somos sensíveis às questões tributárias, e não temos conseguido alcançar a meta de julgarmos mais do que recebemos.

A lista divulgada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito das delações da Odebrecht na operação Lava-jato e seus desdobramentos, como a Calicute, traz para a Justiça Federal fluminense um grande volume de processos. Será possível realizar os julgamentos em tempo razoável?

André Fontes –
As turmas criminais operam com outras áreas, a previdenciária e a de propriedade intelectual; o ideal seria que só atuassem na criminal, o que exigiria um aumento de varas. O fato é que hoje é provável que toda a concentração acabe se voltando para os casos mais atuais, como o da Calicute. Temos procurado dar condições, melhorar a estrutura de trabalho, mas há limitação com a mão de obra. No entanto, estamos com um concurso em andamento e esperamos, com o recrutamento de servidores, melhorar essa situação. São cinco mil servidores no tribunal. Temos preferência de ocupação das vagas hoje na primeira instância, inclusive com estagiários. Na magistratura, são mais de 80 vagas que nunca conseguimos que fossem preenchidas, não há um tribunal do Brasil que consiga. Mas esperamos que até o final do ano algumas delas sejam ocupadas com novos juízes.

Qual a opinião do senhor acerca do foro especial por prerrogativa de função? 

André Fontes – Honestamente, acho que não deveria existir, e tenho sérias dúvidas se a razão pela qual surgiu originalmente faz sentido hoje. O Supremo Tribunal Federal tem sido muito hábil e ágil no julgamento desses casos, mas lá não se pode recorrer depois, diferentemente dos outros graus de jurisdição. É um risco muito grande julgamento em instância única, talvez pela falsa ideia de que no STF jamais seria julgado e, consequentemente, seria um elo perdido para criar uma espécie de imunidade jurisdicional. Mas não é isso que estamos vendo.

O foro especial então deveria ser extinto inclusive para os chefes dos poderes?

André Fontes – Não tenho a menor dúvida. Essa situação do foro especial hoje em dia, com tantas garantias reconhecidas, deferências...Eu, como jurei cumprir a Constituição, cumprirei fielmente o que estiver determinado, mas na minha opinião de cidadão, deveria ser extinto. Todos devem ser iguais perante a lei, estamos numa República. O melhor seria que todos fosse julgados na primeira instância, mantidos os controles, o devido processo legal, o sistema recursal, etc.

Os advogados do Rio vêm se queixando da interferência de magistrados na relação contratual entre profissional e parte nos processos previdenciários nos juizados especiais federais. Como o senhor avalia a questão?

André Fontes
– Fui advogado por muitos anos, e havia uma relação direta e objetiva com o cliente. Hoje, essa relação ficou muito complexa. O advogado trabalha e a lei diz que ele tem direito a um percentual, o honorário de sucumbência. Ocorre uma situação curiosa, às vezes. O montante a ser pago ao cliente é inferior ao montante supostamente devido ao advogado. Depois do julgamento, aparece nos autos um instrumento de contrato entre ele e o cliente fixando percentuais que vão de 20%, até 50%, até em prestações. A competência do TRF é sobre matéria federal. Na relação do cliente com o advogado, se não há algo passível de controvérsia, o tribunal tem seguido a orientação de mandar pagar. O problema é quando os honorários são superiores ao valor da própria condenação; correspondem à sua quase totalidade, sem considerar os valores de sucumbência. E o cliente vem ao tribunal. Como é que o tribunal pode, numa área tutelar, que é a da Previdência, resolver uma controvérsia em direito privado? Nestes casos, a dúvida que temos encontrado é sobre esses valores contratados. Se a matéria é de natureza privada, temos encaminhado para a Justiça estadual. O TRF não é tribunal de natureza privada. O mais curioso é a OAB não emitir uma regulamentação a esse respeito. Se a Ordem nos desse parâmetros, talvez pudéssemos resolver. Mas o grosso dos advogados, os que atuam todos os dias aqui, não tem reclamações.

Outra reclamação da advocacia é a obrigatoriedade de passar pelo detector de metal no acesso ao tribunal, e os juízes, não. Por que isso?

André Fontes
– Os advogados não são admitidos como agentes públicos, como os juízes são, no tribunal. Não fazemos perguntas particulares, não temos ciência se usa ou não arma, se sua carteira da OAB está em ordem. O tribunal respeita os advogados. No mundo inteiro, em cidades violentas, como é o Rio de Janeiro, temos que ter cautela, sim, precisamos fazer essa identificação, controle de entrada. O tribunal opera com o crime organizado, os casos aqui são muito graves. Os policiais que vêm ao prédio deixam as armas na portaria. Por que os advogados não devem passar pelo detector? É a única exigência, como fazem os aeroportos e as agências bancárias. Não há igualdade entre advogado e juiz em matéria de segurança, os defensores públicos também precisam passar pelo controle.

Fui advogado, minha mulher é advogada, minha irmã é advogada, leciono para formação de advogados, tomo café e vou a eventos com advogados. Enfim, o único problema que nós temos é o da entrada. Espero que, ao longo dos anos, possamos chegar a uma solução comum, e os advogados não se sintam mais constrangidos.

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