03/08/2018 - 21:02

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Internação compulsória de dependentes de drogas

03/08/2018 - 21:02

Internação compulsória de dependentes de drogas

Medida viola Constituição e não deve ser aceita pela comunidade jurídica

SAMANTHA PELAJO*

Não se questiona o compromisso público da Prefeitura do Rio de Janeiro em enfrentar com vigor a seriíssima questão social de crianças e adolescentes viciados em crack. Há, no entanto, questionamentos a serem feitos no tocante às diretrizes que norteiam tal atuação.

A Constituição da República tutela a criança e o adolescente com as garantias da proteção integral e da convivência familiar plena. A sociedade e o Estado foram, de fato, elencados pela Carta Magna como corresponsáveis, mas em complementaridade ou substituição excepcional à família.

Neste sentido, na medida em que a criança ou o adolescente envolvido com a droga tenha família conhecida e esta se insurja contra a internação, a compulsoriedade jamais poderia ter lugar, sem que houvesse um processo judicial destinado a conhecer e julgar a questão, e em cujo âmbito se respeitassem os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Se, em determinado contexto fático, os pais — responsáveis primeiros pelo infante — porventura não demonstrassem possuir suficiente ingerência sobre os destinos do filho, ou se lhes faltasse cuidado ou interesse na preservação da integridade psicofísica do menor, o Judiciário, na divisão dos poderes estatais, seria a instância competente para decidir acerca da obrigatoriedade ou não da internação.

Demais disso, há políticas nacionais de combate às drogas que nem de perto vêm sendo observadas pela Prefeitura.

Assim, a toda evidência a Resolução no 20, editada em 27 de maio de 2011 pela Secretaria Municipal de Assistência Social — Protocolo do Serviço Especializado de Abordagem Social , viola preceitos constitucionais e não deve ter sua aplicabilidade aceita pela comunidade jurídica, sob pena de se legitimarem posturas absolutamente contrárias aos direitos e interesses da sociedade civil, embora travestidas de legalidade.

Não se pode, sob qualquer justificativa, ainda que supostamente bem intencionada, admitir arbitrariedades estatais. Menos ainda em situações que envolvem crianças e/ou adolescentes, os quais devem estar sempre a salvo de qualquer forma de abuso, inclusive daqueles emanados do próprio Estado.

Indaga-se: o problema do vício na juventude estaria mesmo sendo combatido por meio do recolhimento de crianças e adolescentes a abrigos? Certamente não. O oferecimento de ensino de qualidade aos jovens cariocas, esse sim, mostrar-se-ia um caminho profícuo a ser trilhado pela municipalidade.

*Professora da PUC-Rio e conselheira da OAB/RJ

Estamos cumprindo o dever de protegê-los, como manda o Estatuto

RODRIGO BETHLEM*

Abrigar compulsoriamente crianças e adolescentes com dependência química é zelar pela integridade e a preservação do direito à vida desses jovens. A Constituição determina que é dever de todos a proteção da criança e do adolescente e, neste caso, há de prevalecer o dever do Estado de tratá-los. Muitos tendem a ver o direito de ir e vir da criança e do adolescente, mas ninguém os viu usufruir desse direito passando dias, semanas e até meses sem ir em casa, expostos a todo tido de perigo, se prostituindo, roubando, sem comer, sem ter infância, sem estudar, fumando crack.

Se os pais não agem, o Poder Público tem a obrigação de proteger. Ao contrário do que alguns dizem, o sucesso nos casos de dependentes de drogas internados compulsoriamente é grande. Muitos se recuperam do vício porque são obrigados a terminar o tratamento. E, no caso dos jovens que os profissionais da Secretaria de Assistência Social encontram abandonadas nas craco- lândias, apenas aqueles com histórico de uso compulsivo de crack — após análise de médicos e psiquiatras — são levados aos abrigos.

Desde maio, quando foi instituído o novo Protocolo de Abordagem Social, apenas 82 das 245 crianças e adolescentes recolhidos foram levados ao abrigamento compulsório. Esses números caracterizam simples ações de “faxina” ou “higienização”, como afirma quem é contra?

Ninguém faz nada por esses jovens enquanto estão jogados nas ruas. Estamos apenas cumprindo o dever de protegê-los, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.

E vale ressaltar que não fazemos isso aleatoriamente. Todo o trabalho vem sendo acompanhado por promotores e pela Vara de Infância e Juventude para evitar irregularidades e abusos contra os jovens.

O que tem que ser discutido é que estamos lidando com um problema muito grave. Muitas dessas crianças e adolescentes chegam aos abrigos com problemas que vão muito além da própria dependência do crack. Antes de serem acolhidas, viviam pelas ruas, no meio do lixo, em condições degradantes. Só quem já se predispôs a entrar numa cracolândia sabe do que falo. E, pelo que me consta, não recebiam ajuda de ninguém. Agora, que estão recebendo tratamento, cuidados, boa alimentação, proteção e carinho, tem gente achando que não estão bem.

Estavam em melhores condições nas ruas? Se eu abrir a porta de cada abrigo e deixar que esses jovens voltem para as ruas, alguém se habilita em pegá-los para cuidar?

* Secretário municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro


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