03/08/2018 - 21:02

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‘Juizados especiais estão uma calamidade’

03/08/2018 - 21:02

‘Juizados especiais estão uma calamidade’

Após lamentar que “uma Justiça concebida para ser célere esteja se inviabilizando”, Wadih afirma que juízes se encontram distantes do cidadão e esquecem que o Estatuto da Advocacia é lei a ser obedecida

O problema do déficit de juízes no Rio iria motivar uma campanha da OAB/RJ pedindo concursos. O quadro é grave?

Wadih - O próprio Tribunal de Justiça, sob a nova administração, reconhece que há um déficit de quase 180 juízes em todo o estado, atribuindo a esse déficit uma série de problemas recorrentes, sobretudo a morosidade. Temos até mesmo comarcas sem juízes. Isso faz com que magistrados acumulem varas, processos de outras comarcas, e a prestação jurisdicional seja extremamente prejudicada. A situação é calamitosa, sobretudo nos juizados especiais, principal foco de reclamações de advogados e cidadãos. Uma Justiça concebida para ser célere e garantir o acesso fácil e gratuito está se inviabilizando. Há colegas que preferem ajuizar ações na Justiça Comum a enfrentar os percalços nos juizados. Em muitas comarcas, o Judiciário funciona hoje à base de mutirões, que se fazem necessários como uma emergência, mas não podem ser a regra. A prestação jurisdicional não pode viver de mutirões.

É fácil resolver o problema do déficit em curto prazo com a realização de concurso? No último realizado pelo TJ, foram aprovados apenas três juízes...

Wadih - Os concursos do Judiciário normalmente são difíceis, em qualquer lugar do Brasil, e têm que ser mesmo. A aferição precisa de rigor. Queremos uma magistratura qualificada, não pode haver porteira aberta. Mas presumo que o TJ vá rever critérios. É apenas especulação, mas me parece que a intenção é preencher o maior número de vagas possível, sem, é claro, que isso configure prejuízo à qualificação dos candidatos.

O senhor diz que a relação entre a OAB/RJ e o TJ hoje é boa, de respeito e colaboração mútua. No caso do CNJ, porém, houve um embate no caso do julgamento sobre a indumentária do advogado...

Wadih - Esse julgamento gerou repercussão para além da importância do tema em si. Obviamente, este não é o principal pleito da advocacia. Temos problemas mais graves. A questão diz respeito ao verão, que tem sido uma estação de calor inclemente. Em razão das mudanças climáticas em todo o mundo, a cada ano esquenta mais a temperatura. Boa parte dos advogados, principalmente os que militam na Baixada , na Zona Oeste e no Centro do Rio, cobrava da OAB/RJ uma atitude com relação à exigência do traje – que, aliás, não está determinada em lugar nenhum. Alguns juízes deram verdadeiros faniquitos quanto a isso, como se estivessem amparados em algum diploma legal ou regimental. Nenhuma lei ou regimento de tribunal prevê que o advogado deva ir de terno e gravata. O que a lei prevê, e me refiro à Lei nº 8.906/94, é que compete à OAB regulamentar a indumentária dos advogados. Então, já há dois anos, baixamos regulamentação facultando o uso, temporariamente, no verão. O fato gerou mobilização por parte de dirigentes de tribunais, de alguns magistrados. O que nos levou ao CNJ foi o fato de uma juíza do Trabalho em Caixas ter se recusado a fazer audiência porque o advogado estava sem paletó. Isso mostra como boa parte do Judiciário — e não tenho medo de generalizar, porque é mesmo uma característica do Judiciário — padece de conservadorismo, apega-se a certos costumes quando a Justiça enfrenta problemas muito mais sérios. Estamos falando de um Poder cujas instalações de primeiro grau, nas quais efetivamente a população é atendida, estão em péssimas condições — e alguns juízes ficam se apegando a mesquinharias. O Judiciário ainda está muito aquém das exigências da cidadania.

Como o senhor avalia o tratamento que o CNJ dispensou à OAB/RJ no julgamento?

Wadih - Vamos montar um enredo aparentemente ficcional, mas que tem a ver com a realidade. Tomemos o caso daquele advogado com o qual a juíza se recusou a realizar a audiência em Caxias. Ele sai de casa, vai de ônibus até a vara, enfrentando o calor, espera para iniciar a sessão, porque sempre há atrasos, e, quando se senta à mesa de audiências, é tratado com desrespeito por causa de seu traje. Note-se que não estava de bermuda, roupa de praia ou sandálias. Mas apto, ao lado de seu cliente, para defendê-lo. Então ele lê no jornal, ou vê em sua cidade, que o Judiciário constrói verdadeiros palácios, prédios suntuosos, como são as sedes dos tribunais superiores. Fica sabendo que o Judiciário investe milhões de reais nessas obras, enquanto sente na pele as deficiências da Justiça de primeiro grau. Em outro processo, vê seus honorários fixados de forma aviltante. Que reflexão faz esse colega sobre um Poder tão apegado a títulos quase nobiliárquicos, tais como os de “desembargadores”, “ministros”, quando em qualquer país os magistrados são chamados de juízes? O presidente da Suprema Corte dos EUA é juiz-presidente da Suprema Corte. Aqui, embora haja tanto apego a nomenclaturas, a realidade é a pior possível.

O mesmo CNJ que não aceitou a alegação da OAB/RJ sobre o calor no julgamento sobre o traje do advogado, acatou, porém, o pleito dos juízes que alegaram não poder cumprir oito horas de expediente pelo mesmo motivo...

Wadih - A conclusão a que chegamos é que o Judiciário, pela pena do ministro Luiz Fux, decretou que só juiz sente calor, embora viva no ar condicionado. E nós, advogados, certamente, externamos um mero capricho e somos desrespeitosos com a Justiça pelo fato de, no verão, querermos usar trajes mais leves, já que vivemos em um país tropical. O CNJ, que era - e ainda considero ser - uma esperança como instrumento de democratização do Judiciário, tem composição majoritária de magistrados e, quando o tema diz respeito diretamente à magistratura, predomina o corporativismo. Foi o que ocorreu na vergonhosa sessão sobre o traje do advogado, na qual a OAB/RJ foi desrespeitada. O CNJ veio para corrigir as mazelas da Justiça, mas adotou uma delas: julgamento em bloco. Os temas que o plenário já apreciou são julgados em bloco. Só que a questão do vestuário do advogado nunca tinha sido apreciada. Além disso, o presidente do Conselho, Cezar Peluso, havia informado ao presidente em exercício da OAB Federal, Miguel Cançado, que a questão não entraria em pauta naquela sessão.

Se a lei dispõe que cabe à OAB decidir sobre o vestuário do advogado, o CNJ decidiu contra a lei?

Wadih - Sim. O Estatuto da Advocacia é uma lei, mas o Judiciário tem certo vezo em considerá-lo como tal. Nesse julgamento, faça-se a ressalva da exceção de alguns conselheiros, prevaleceu o lamentável corporativismo da magistratura. A composição do CNJ deveria ser diferente? Wadih - Deveria haver mais representantes de setores de fora da magistratura. Essa foi a luta de parte do Congresso Nacional na época em que se votou a criação do Conselho, mas a concepção que prevaleceu foi a atual, que ainda considero um avanço com relação ao que havia antes. O CNJ tem sido importante em algumas decisões no sentido de melhorar o funcionamento da Justiça brasileira, mas às vezes sucumbe ao corporativismo.

Logo após o julgamento no CNJ, o senhor deu uma entrevista à revista eletrônica Conjur criticando os magistrados, e gerou uma nota dura da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ajuferjes), na qual é chamado de preconceituoso. Como reagiu à nota?

Wadih - A Ajuferjes fazer a defesa dos seus associados é normal, da democracia. Só entendo que mereciam uma defesa melhor, podiam ter contratado um advogado para isso. Fui acusado de ser preconceituoso e de generalizar, mas reafirmo o que disse. Reconheço o papel importante da magistratura, sobretudo o trabalho dos juízes de primeiro grau, que não têm assessores ou carro oficial, atuam em condições precárias, e sobre quem as corregedorias costumam agir com um rigor que não se repete nos andares de cima do Judiciário. Mas os magistrados não podem se considerar os trabalhadores mais sacrificados do país. As férias de dois meses, por exemplo, não se justificam, tampouco as gambiarras nos vencimentos, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação... Esses foram artifícios criados para amenizar os baixos salários dos trabalhadores, e os juízes não têm baixa remuneração. A magistratura deve ser bem remunerada, mas isso não pode servir para formar uma casta. E, na verdade, a população vê os magistrados como uma casta, com linguajar ininteligível, distante. O cidadão tem medo do juiz. Quando se senta diante do juiz, não o faz com atitude respeitosa, mas com medo. Isso não é culpa exclusiva individual desse ou daquele magistrado, mas da concepção do próprio Judiciário sobre si mesmo. Os juízes, no fundo, se sentem os donos do Judiciário.

O senhor acredita, então, que há uma visão vertical do juiz com relação ao advogado?

Wadih - Infelizmente, o artigo 133, que dispõe que o advogado é indispensável à administração da Justiça, na prática, é um enfeite na Constituição. Os advogados não são tratados como tal. No processo virtual, por exemplo, a OAB foi ouvida antes que o projeto de lei fosse enviado ao Congresso? Não. Da mesma forma, quando o Judiciário vai construir uma nova unidade — e o Judiciário é um dos setores de maior incentivo à construção civil no Brasil —, o prédio é concebido apenas para os juízes. Nem estacionamento se prevê, na planta, para os advogados. Então, não erramos quando dizemos que é um Poder corporativista e exclusivista. Devo ressaltar que, aqui no Rio, as relações são mais democráticas e de parceria com os três tribunais.

Um dos pontos mais levantados pelos advogados é o desrespeito às prerrogativas. Como avalia esse problema?

Wadih - O desrespeito às prerrogativas é um problema nacional, porque, a partir do momento em o magistrado se vê sem controle funcional, dotado de uma carga de poder acentuada, a tendência é que desrespeite os direitos dos advogados. O desrespeito vai desde a recusa a um pedido de cópia dos autos à prisão por alegação de desacato. Muitos magistrados não entendem que, ao violar prerrogativas, estão prejudicando o direito do cidadão de quem depende a atuação do advogado. Questiúnculas acabam fazendo com que relação entre advogados e juízes seja desnecessariamente tensa. Não à toa o Conselho Federal começará, em setembro, e partindo do Rio, uma caravana nacional pelo respeito às prerrogativas.


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